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01 Maio 2019 | Renata Vomero

Coproduções entre Brasil e América Latina marcam presença no circuito nacional

Produtora e diretora brasileiras comentam os lançamentos

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(Foto: Vitrine Filmes/ Esfera Cultural)

O circuito nacional independente consegue trazer uma pluralidade de conteúdos que chama a atenção dos espectadores. É o caso de algumas coproduções que envolvem o Brasil e a América Latina e retratam histórias profundas, sensíveis, urgentes e que nos aproximam de nossos vizinhos. Como exemplo, atualmente estão em cartaz Los Silencios (Vitrine) e Família Submersa (Esfera Cultural), o primeiro, é dirigido pela brasileira Beatriz Seiger e produzido em parceria com a Colômbia e a França; o segundo é capitaneado pela argentina María Alché e produzido pela brasileira Tatiana Leite em parceria com a Argentina, Alemanha e Noruega.

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Los Silencios (Vitrine) conta a história de uma família colombiana que foge dos conflitos no país para uma pequena ilha no Rio Amazonas na tríplice fronteira entre Colômbia, Peru e o Brasil. Ali, eles encontram o pai que supostamente estava morto. “Essa história chegou para mim por meio de uma amiga minha, que viveu isso na infância dela. Então, isso me intrigou muito e comecei a pesquisar mais. Até que cheguei nessa locação que é maravilhosa, na qual vivem imigrantes da América Latina junto com seus mortos. Foram mais de sete anos de pesquisa e de roteiro, e foi graças ao apoio do Programa Ibermedia que a gente conseguiu esse apoio, esse recurso para fazer a pesquisa, viajar, conversar com as pessoas”, comentou a diretora Beatriz Seiger.

O esforço de pesquisa, captação e desenvolvimento gerou resultados, o filme já passou por diversos festivais e em Cannes, no ano passado, ganhou destaque maior do que esperado pela própria equipe. “Parece que todo esforço valeu a pena, né? Estreou no Festival de Cannes e foi considerado pela imprensa na época como um dos melhores filmes do festival. É um reconhecimento, porque é um filme de risco. Segui muito a linha que eticamente no roteiro eu acreditava ser a melhor. É muita responsabilidade com as imagens que a gente cria, com as histórias que a gente faz. Ainda mais uma história que tem uma ferida aberta na América Latina, então buscamos tratar com o maior respeito e poesia”, orgulha-se a diretora. O filme, que conta com equipes capitaneadas por mulheres, também deu à Beatriz a oportunidade de subir a escadaria de Cannes ao lado de 82 mulheres cineastas, representando ali não só as mulheres do setor, mas todas que lutam por espaço em suas áreas de atuação. “Não é fácil entrar na concorrência internacional e ter todo esse reconhecimento, é algo muito bom para a indústria toda do Brasil e para as mulheres todas. Foi sensacional subir a escadaria de Cannes representando todas as mulheres que lutam por um espaço nessa indústria. É uma conquista de todas nós! Toda essa luta vale a pena. Pouco a pouco a gente vai mudando as estruturas, abrindo as brechas”, analisa.

A co-produção entre os países foi feita de maneira bem organizada, com toda a produção sendo dividida entre a equipe, metade brasileira e metade colombiana, e a pós-produção sendo feita na França. “Foi uma filmagem muito complexa, dentro do barquinho no Amazonas, dirigindo crianças que falavam uma língua estrangeira. É uma loucura (risos)! A gente aprendeu muito, criamos grandes alianças e a gente acredita que criou algo muito especial”, revela a cineasta. A mesma sensação de pertencimento, teve a produtora Tatiana Leite durante o processo de desenvolvimento de Família Submersa (Esfera Cultural), que trata a questão do luto e a relação familiar a partir deste acontecimento de uma maneira bastante sensível e diferenciada. “A gente se alterna para ver quem pode ir com o filme para qual lugar. Às vezes vai a María [diretora argentina], ou quem vai representar. Existe uma família da família. Este caso é um filme que me faz sentir como meu, como delas, como nosso. Elas da mesma forma, se sentem muito confiantes. No meio do processo, a Bárbara Francisco [produtora argentina] ficou grávida e teve o bebê, então, teve momentos em que eu tive que assumir. Se não tivesse essa relação de confiança, talvez tivesse sido meio caótico”, revela a produtora. O filme foi desenvolvido na Argentina, mas toda a pós-produção foi realizada no Brasil, bem representado na equipe, majoritariamente formada por mulheres também, como a técnica de som, microfonista e alguns atores. “Na fase de montagem, a María fez com a brasileira Lívia Serpa e eu tive que fazer a mediação porque as duas ainda não se conheciam. Foi uma grande parceria artística. Depois veio uma fotógrafa francesa a Hélène Louvart, veio para a correção de cor”, comenta Tatiana.

A história, que se passa na Argentina, também foi muito bem recebida nos festivais por onde passou, principalmente o Festival de Gotemburgo, em que o filme levou o Prêmio Ingmar Bergman. “Para a carreira da María é muito importante. Isso é muito bem visto para os próximos projetos, é um selo que distingue um pouco. Que é um pouco o filme, né? Ele é um filme que tem uma distinção, não é mais do mesmo. Quando você assiste você fica marcada por ele”, afirma Tatiana Leita, referindo-se ao fato de este ser o primeiro longa da diretora.

Logo a produtora entra na questão de exibição e performance do filme, que encara alguns desafios, dado seu caráter autoral. Leite, que também esteve por trás do longa nacional Benzinho (Vitrine), mostra-se bastante preocupada com os números que os filmes vêm fazendo desde o ano passado. “Confesso que ainda assim estou um pouco decepcionada com os números, mas estou acompanhando e comparando com os outros filmes e estou vendo que estamos vivendo o pior momento. É muito triste, porque tem muita coisa boa.  Mesmo que eu seja uma entusiasta e queira que as pessoas vejam o filme, seja no Now, seja na Netflix, enfim, acho que as pessoas vão perder a oportunidade do cinema. Quando tem um filme que já ouvi muito falar, que li muito a respeito, que as pessoas falaram sobre, eu vou ao cinema, mas estou vendo que estou virando a minoria”, lamenta.

Um pouco deste pensamento também é compartilhado por Beatriz Seiger, no entanto ela encara essa questão de público com maior otimismo. “Estamos indo nas brechas também, apostando que existe público que quer ver coisas diferentes, quer ver um trabalho original, quer ser transposto para um mundo que desconhece, então, estamos apostando nisso”. Porém, no que se trata a apoio ao setor como um todo, a cineasta não esconde sua preocupação: “Agora está todo mundo se organizando para enfrentar um governo que não vê com bons olhos a ciência, nem a arte. Nem a indústria, né? Porque é uma indústria que gera meio por cento do PIB do país, é maior do que a indústria farmacêutica, então, são dezenas de milhares de pessoas que estão empregadas, que movimentam a economia, que cresce 9% por ano. É uma loucura o governo tentar paralisar a indústria, que além de tudo isso, traz orgulho para o Brasil, dignidade e autoestima para a gente e para o mundo inteiro. É uma perda muito grande, o cinema é o nosso espelho, é a nossa caverna. É onde a gente se repensa e cria novas realidades, novas possibilidades”, finaliza.

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