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17 Junho 2021 | Renata Vomero

Por meio da ficção, "Helen" se aprofunda na realidade do Bixiga

Depois de adiada no início da pandemia, produção estreia hoje nos cinemas

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(Foto: Elo Company)

A história do Bixiga está sendo contada por um olhar diferente do que costuma ser visto na ficção. Diferente do recorte italiano comumente feito, André Meirelles Collazzo está trazendo aos cinemas o seu Helen (Elo Company), que conta a história de uma garotinha de 9 anos que vive com a avó no Bixiga, em São Paulo, e tem como sonho comprar uma caixa de maquiagem para presentear sua avó.



Sua avó, Dona Graça, ajuda a cobrar os aluguéis da pensão em que vive, faxina o local e também vende churrasquinho na calçada. As duas personagens são baseadas em pessoas reais do bairro do Bixiga, Agata Helen Garcia e sua avó Almeida Maria das Neves de Almeida, ou dona Maria. As duas tiveram grande convivência com o diretor e roteirista, que trabalhou durante anos no bairro no Estúdio Nova Dança.

“Criamos uma relação, no dia do rapa e tem essa cena no filme, que levaram a churrasqueira, eu presenciei. A Helen já devia ter uns 9 e 10 anos e ainda brinquei que ia fazer um filme sobre isso. Passou um tempo, inscrevi um longa escrevi um longa baseado nela, voltei lá, conversei com ela. Então, foi acontecendo, conheço elas até hoje, ainda somos amigos. Tenho uma relação muito grande com o bairro”, explicou o diretor em entrevista ao Portal Exibidor.

Nos anos de convivência com os moradores do bairro, Collazzo percebeu que a realidade ali apresentada era muito mais cheia de nuances e desigualdade do que a imagem que se tinha do bairro, reconhecido por abrigar os imigrantes italianos no início do século passado. No entanto, o local foi um dos primeiros quilombos urbanos, o Saracura, nome do Rio Saracura, hoje enterrado embaixo da Avenida 9 de Julho.

“O que me incomodava muito é essa tradição inventada de que o Bixiga é um bairro italiano e de italiano ele não tem nada. Olhava aquilo e achava uma farsa, um projeto branco, quando o bairro é um bairro negro, foi o primeiro quilombo. Os negros moravam na parte baixa e subiam para a Paulista, que era a parte alta, para vender a mão de obra e desciam de novo, então, não era uma parte da cidade legal de morar. E nisso os italianos vieram, houve a imigração, e eles construíram ali seus terrenos, as famílias ali cresceram, ganharam dinheiro. Nos anos 1970, tem a imigração nordestina, alguns teóricos então chamam o bairro de italo-afro-nordestino. Mas é um bairro nordestino hoje, tem as fachadas ali das construções italianas que são tombadas, mas atrás dali estão as favelas, as pessoas moram de forma muito precária e ninguém está olhando para isso”, comentou o cineasta.

O roteiro foi escrito graças a um edital de desenvolvimento do Proac. A história ganhou visibilidade no Guiões, um festival para roteiros de Portugal. Com o Prodecine 1 (linha de financiamento do FSA), foi possível desenvolver todo o filme, já que todo o dinheiro pedido foi concedido, o que agilizou bastante o processo de produção do longa. Seu primeiro corte chegou ao Cine en Construcción, em Toulouse na França, em 2019, para onde deve voltar este ano, assim como no Guiões.

Para buscar a garota que viveria Helen, André foi nas próprias escolas públicas da região, até que encontrou Thalita Machado, que vive a protagonista. A ideia de ter como protagonista uma criança foi justamente para mostrar um contraste entre as mazelas dos moradores do bairro com a ingenuidade do olhar infantil.

“Tentei mostrar isso do ponto de vista de uma menina de 9 anos que ainda não foi sucumbida pela estrutura social, então, ela ainda acredita que é possível alguma coisa. Ainda há espaço para sonho. O objetivo dela é comprar uma caixa de maquiagem, que é uma coisa absurdamente banal e ingênuo”, ressaltou o diretor, que também enfatiza a realidade das crianças naquele lugar: “Fiquei muito no bairro, tentando dialogar com as coisas que aconteciam ali, vendo as crianças, elas reproduzem exatamente a mesma estrutura da família. Então, é muito difícil alguém conseguir quebrar essa estrutura social, e a Helen conseguiu por conta da avó. Então, achei que seria interessante, porque é isso, a vida daquelas crianças no bairro, elas estão ali correndo, não tem espaço de lazer, é uma periferia no centro. Tem alguns projetos que ajudam ali, mas pouca coisa e alguns com viés religioso. Mas isso não dá conta do bairro, nem 30% das crianças são contempladas, elas ficam soltas ali, vivendo aquele espaço. Isso me chamou muita atenção”.

Por conta disso, não nasceu apenas Helen, mas também o curta-metragem Férias, que mostra como aquelas crianças ficam no período de férias no bairro, quando os pais estão trabalhando e os poucos projetos sociais também estão fechados. O curta foi lançado nesta edição do Festival de Tiradentes e também deve ganhar sua versão em longa-metragem. Inclusive, existe a possibilidade de Férias abrir algumas sessões especiais do longa Helen.

Com tanto envolvimento, num projeto de anos de sua vida, o diretor tem suas expectativas para o lançamento do filme, mas critica o modelo de mercado voltados aos filmes nacionais. “Quando você faz um filme você faz para ser visto. A gente tem uma questão no Brasil, que o filme nacional não tem a proteção de tela, o que é um absurdo, na França você tem um limite. Não tem uma formação de público, não tem um trabalho de educação. Minha expectativa é que as pessoas vão ver o filme, o máximo de pessoas que conseguimos levar para o cinema. É um filme que pode pegar tanto um público que gosta de ver títulos de festivais, tanto um público diferente, porque é um filme fácil de assistir”, finaliza o cineasta.

Helen é uma produção da Prosperidade Content, com distribuição da Elo Company. O elenco também conta com Marcélia Cartaxo e Tony Tornado.

P.s: Esta reportagem foi inicialmente programada para entrar ao ar em março de 2020, quando entrevistamos o diretor. Na ocasião, suspendemos a notícia por conta do adiamento do longa, que estrearia em abril de 2020, por causa da pandemia. “Helen” chega hoje aos cinemas abertos do Brasil.

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