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07 Junho 2023 | Yuri Codogno

Indústria vs. Roteiristas: diretores anunciam acordo com estúdios e possível greve dos atores deve decidir embate

Sindicatos das três categorias se encontram em diferentes momentos de suas negociações

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(Foto: Divulgação)

Três das principais categorias de Hollywood estão em momentos bastante divergentes em relação às suas negociações com os principais estúdios e streamings da indústria, representados pela Aliança dos Produtores de Cinema e Televisão (AMPTP). O sindicato dos roteiristas (WGA) declarou greve e os profissionais estão há mais de um mês parados; o SAG-AFTRA, dos atores, se posicionou à favor de uma possível greve, caso não cheguem a um acordo; e, na contra-mão, o conselho nacional do sindicato dos diretores dos EUA (DGA) aprovou por unanimidade um acordo provisório.

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Como resultado, o medo dos roteiristas é que o acerto dos diretores com os estúdios possa fazer a greve perder força, à medida que a possível paralisação dos atores pode ser fundamental nessa queda de braço. As informações dos portais Hollywood Reporter, Deadline e IndieWire.

O DGA, cujos alguns dos membros são Christopher Nolan, Steven Spielberg, Ron Howard, Ava DuVernay e Russell Hollander, que liderou as negociações para o sindicato, firmaram no último dia 3 um novo acordo que prevê:

  • Ganhos inéditos em salários e benefícios, incluindo aumento de 5% no primeiro ano de contrato, 4% no segundo ano e 3,5% no terceiro ano. Adicional de 0,5% para custear um novo benefício de licença parental;
  • Aumento substancial nos cachês para programas dramáticos feitos para SVOD, garantindo aumento de 76% nos valores de shows transmitidos em países estrangeiros nas principais plataformas, de modo que os cachês para um episódio de uma hora agora serão de aproximadamente US$ 90 mil nos três primeiros anos de exibição;
  • Acordo que confirma que a IA não é uma pessoa e que a IA generativa não pode substituir as funções desempenhadas pelos membros;
  • Primeiros termos e condições do setor para diretores e suas equipes em programas não dramáticos para SVOD. E, pela primeira vez, cachê para Diretores Associados e Gerentes de Palco;.
  • Termos e condições do AVOD de alto orçamento, com proteções de direitos criativos, condições de trabalho e cachê para projetos dramáticos roteirizados feitos gratuitamente para os serviços de streaming do consumidor, como Freevee, Tubi e Roku;
  • Compensação histórica aos diretores de longa-metragem que, até então, trabalham gratuitamente antes do período de preparação oficial das gravações.
  • Para TV Paga e SVOD, os diretores episódicos tiveram seus direitos criativos pagos de pós-produção expandidos; e ganhou um dia de filmagem adicional garantido para programas de uma hora - o primeiro dia adicional adicionado em mais de 40 anos.
  • Redução da jornada do Diretor Adjunto em uma hora;
  • Avanços de segurança concretos alcançados, incluindo o primeiro programa piloto a exigir o emprego de supervisores de segurança dedicados; expandiu os programas de treinamento de segurança para diretores e suas equipes e a proibição de munição real no set.

“Decidimos negociar um contrato que construiria o futuro. Nossa indústria está mudando e se expandindo rapidamente e este acordo é o que precisamos para nos adaptar a essas mudanças, abrir novos caminhos e proteger os 19 mil diretores e membros da equipe de direção do DGA hoje e nos próximos anos”, disse Lesli Linka Glatter, presidente do DGA.

Para que o acordo seja oficialmente ratificado, os membros do sindicato ainda precisam votar. 

Acontece que o acordo da DGA não foi visto com bons olhos pelos membros do WGA, dando a entender que a AMPTP não se importa muito com as reivindicações dos roteiristas, considerada de valor baixo se comparado com o faturamento anual dos principais estúdios e plataformas de streamings.  

Além disso, o acerto do DGA parece demonstrar desunião entre as categorias dos roteiristas e dos diretores, consideradas as duas mais importantes no quesito de criatividade na hora de produzir filmes e séries. 

Entretanto, Lesli Linka Glatter disse se solidarizar com a luta dos roteiristas: “Em todo o país, diretores e suas equipes, roteiristas, atores, equipes e motoristas demonstraram determinação inabalável em exigir a participação no sucesso dos filmes e programas de televisão que criamos juntos. Somos todos membros do sindicato e merecemos ser compensados ​​de forma justa por nossas contribuições. Não negociamos no vácuo e os ganhos que alcançamos em nosso acordo provisório não seriam possíveis sem o forte apoio e união de nossos membros e a solidariedade de nossas associações e sindicatos irmãos. Continuamos apoiando os atores que iniciam as negociações essa semana e os roteiristas que continuam em greve. Estamos firmes com o SAG-AFTRA e o WGA em nossa luta compartilhada por uma indústria vibrante e sustentável que valoriza todos nós de maneira justa”.

Vale lembrar que o maior sindicato de Hollywood, SAG-AFTRA, que representa 160 mil atrizes e atores, aprovou no início desta semana uma greve, se necessária, se as próximas negociações trabalhistas não seguirem conforme o esperado. Quase 98% dos membros votaram a favor da paralisação. Assim, se os negociadores do sindicato acharem válido, a greve será convocada após seus contratos expirarem, em 30 de junho. 

“Os votos de autorização de greve foram tabulados e os militantes se juntaram às lideranças eleitas e ao comitê de negociação em favor da força e da solidariedade. Estou orgulhoso de todos vocês que votaram, bem como daqueles que apoiaram abertamente, mesmo que não pudessem votar. Todos participaram dessa conquista”, disse o presidente do SAG-AFTRA, Fran Drescher, em comunicado. 

Enquanto isso, o AMPTP disse em seu próprio comunicado na noite de segunda-feira: “Estamos abordando essas negociações com o objetivo de alcançar um novo acordo que seja benéfico para os membros do SAG-AFTRA e para a indústria em geral”. As negociações oficiais devem começar hoje (7).

A SAG-AFTRA não “atinge” a indústria de cinema e TV desde a fusão da SAG e AFTRA em 2012. A última greve dos atores contra os estúdios foi apenas em 1980, uma paralisação de 95 dias que estabeleceu os termos do contrato para TV Paga e videocassetes. “Nossos membros são regidos por contratos que refletem os negócios de décadas atrás. E muita coisa mudou desde então para que esses contratos nos sirvam bem. A ascensão do streaming, da inteligência artificial e dos impactos de outros avanços tecnológicos no entretenimento, juntamente com um aumento acentuado no custo de vida – enquanto os lucros dos estúdios e os salários dos executivos aumentam meteoricamente – significa que precisamos buscar novos e maneiras imaginativas de seguir em frente”, ressaltaram em nota Fran Drescher e o negociador Duncan Crabtree.

Caso haja consenso nas negociações entre SAG-AFTRA e AMPTP, a paralisação dos roteiristas pode perder força e há o temor de precisarem aceitar os termos que julgam inferiores ao que merecem. Entretanto, caso os atores também parem, a indústria pode se ver pressionada a aceitar todos os termos, tanto da WAG, quanto do SAG-AFTRA.

Isso porque, com a greve dos roteiristas entrando em sua sexta semana, as salas de produção e de roteiro já fecharam toda a TV noturna, muito importantes na programação diária norte-americana, Além disso, importantes filmes e séries estão paralisados. Algumas produções, entretanto, conseguem dar sequência às gravações (apesar da possibilidade da qualidade final cair drasticamente). 

Mas se o SAG-AFTRA anunciar a greve, basicamente haverá um efeito cascata e cíclico que interromperia todas as produções. Afinal, o que os diretores vão dirigir, se não tem quem roteirizar e nem que atue?

Só o WAG sozinho, em pouco mais de um mês de paralisação, já está atrasando em meses a entrega de novas produções, com a SAG-AFTRA se juntando, fica difícil prever o tamanho do prejuízo para os estúdios (que poderá ultrapassar - e muito - o valor solicitado por ambos os sindicatos). “Se o SAG não entrar em greve, as pessoas acham que podem entregar produções para setembro ou outubro.  Mas se o SAG entrar em greve, essas discussões não acontecerão até que haja outro sinal. As pessoas estão preocupadas. Muita gente acredita que a greve vai durar até o final do ano”, disse o produtor Ted Hope, que co-dirigiu a divisão de filmes da Amazon até junho de 2020. 

Em números, quando os roteiristas pararam  há 15 anos, o impacto econômico da paralisação de 100 dias foi de cerca de US$ 2 bilhões, ou US$ 2,8 bilhões em dólares de 2023, afetando não apenas os estúdios, mas também hotéis, restaurantes, setor de construção e outras indústrias que atendem Hollywood. O impacto potencial de uma greve dupla é desconhecido.

Alguns profissionais esperam que uma greve de 160 mil artistas encerre a agitação trabalhista da indústria mais rapidamente. “Gostaria que o SAG se juntasse [à greve]. Isso é para benefício de todos. Isso leva a uma conclusão mais rápida. Os atores têm alguns problemas legítimos. Se houvesse um fluxo consistente de celebridades falando sobre essas empresas de uma forma que as deixasse desconfortáveis, isso seria útil”, disse um roteirista indicado ao Oscar que está no WGA e no DGA, mas que não quis se identificar. 

Até o momento, os atores estão alinhados com os roteiristas em muitas questões importantes, incluindo como sua remuneração diminuiu devido à inflação e mudança para o streaming, bem como preocupações com o uso de IA em empregos na indústria do entretenimento. Existem também algumas questões de barganha exclusivas dos atores, como o desejo de impor limites ao uso de audições auto-gravadas pelos estúdios, que se tornou a norma durante a pandemia. “Estamos emergindo da pandemia, onde muitos atores acreditavam que as coisas logo 'voltariam ao normal'”, diz Aleisha Force, membro do SAG-AFTRA. 

Muitos dizem que esse movimento trabalhista de Hollywood parece diferente da greve dos roteiristas de 2007-08, pois está focado não apenas em garantir novos ganhos de contrato, mas também em lidar com uma mudança mais ampla da indústria. 

Confira algumas das reações (algumas anônimas) de membros do WGA em relação ao acordo provisório entre DGA e AMPTP, segundo o Deadline:

“Eu não estava por perto em 2008, mas parece, que pelo que ouvi, o WGA se posiciona, o DGA colhe os frutos”, disse um escritor que trabalha em séries de streaming. 

“Os dois sindicatos têm muitos problemas diferentes este ano, isso é fato, mas ninguém pode dizer que este acordo não muda as coisas, o momento. O resultado da votação do SAG-AFTRA é o próximo grande obstáculo. Se votarem contra uma greve... bem, não sei, vai ser difícil”,  disse um showrunner veterano.

“Entramos em greve porque os estúdios estavam nos desvalorizando. Pelo que li esta manhã, o acordo do DGA só toca em cachê para eles. Caso contrário, acho que seu impacto não será muito”, acrescentou outro membro do WGA.

“Eu só quero voltar ao trabalho. Este é o acordo do DGA - uma merda, mas entendo que eles fizeram isso. Não vai mudar muito para nós. Na verdade, isso vai mudar alguma coisa para nós: nos deixar mais determinados a lutar por um acordo justo para nós”, disse outro roteirista.

A veterana roteirista e produtora de TV Amy Berg ironizou: “Emocionado que o DGA foi capaz de usar o poder da ação trabalhista do WGA para garantir um acordo que funcione para eles. Propusemos vários desses termos… antes que a AMPTP interrompesse as negociações para entregar um acordo a DGA. Continuarão a não falar conosco, oferecendo-os junto ao SAG. Mas temos necessidades em áreas que eles não têm e garantiremos um acordo que funcione para nós”.

O vencedor do Oscar e do Emmy, Travor Free, twittou: “Como membro do DGA, este acordo parece ótimo. Como membro do WGA, este acordo é a prova de que o AMPTP simplesmente não respeita os roteiristas. O fato de que você pode fazer um acordo histórico com as pessoas que não podem nem mesmo fazer seu trabalho até que os roteiristas façam o deles e grita tudo o que você precisa saber sobre o AMPTP”.

A roteirista Amy Thurlow também postou: “Apenas um lembrete de que eles fizeram um acordo com o DGA na esperança de nos colocar um contra o outro. Não caia nessa. O inimigo não é o DGA, é o AMPTP”.

O veterano roteirista e diretor DeKnight escreveu sobre o acordo com a DGA no Twitter: “Já esperávamos por isso. Não muda absolutamente nada”, seguido por vários emojis de punho cerrado.

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