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13 Setembro 2023 | Yuri Codogno

Cine Casarão busca democratizar acesso ao cinema em Manaus: "É uma relação para a cidade de total fluição"

Exibidor amazonense será um dos homenageados na 10ª edição da Expocine

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(Foto: Divulgação)

A 10ª edição da Expocine, principal evento latino sobre o mercado de cinema, está perto de começar e, de 3 a 6 de outubro, players do mercado poderão conhecer as novidades que a indústria cinematográfica está trazendo, tanto em produtos para os cinemas, quanto nos lançamentos. Entretanto, outro momento importante é o de reconhecimento aos profissionais e empresas do setor.

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Como de costume, toda edição da Expocine homenageia produtores, distribuidores e exibidores e, este ano, o exibidor reconhecido é o Cine Casarão, localizado no centro da cidade de Manaus, capital do Amazonas. João Fernandes, diretor do Casarão das Ideias, sede do cinema, conversou com o Portal Exibidor acerca dos seis anos da inauguração da sala e deu um panorama geral do audiovisual na Região Norte do país. A conversa pode ser conferida na íntegra no final da matéria. 

Com 35 assentos, preços entre R$ 16 e R$ 8 (a meia-entrada) e funcionando de quarta-feira a domingo, o Cine Casarão tem a difícil missão de levar o cinema de rua para o centro de uma cidade onde, no momento, não tem semelhantes. “Manaus teve uma época que teve mais de 20 salas de cinema no centro da cidade, então chegaram os centros comerciais, os shoppings, e acabaram todas”, revelou João. 

Inaugurado em 2017, o Cine Casarão quebrou um hiato de 15 anos sem um espaço dedicado ao cinema de rua, que historicamente costuma exibir produções que não sejam apenas os principais blockbusters. Dessa forma, essa década e meia sem um lugar específico para a exibição de produções mais independentes prejudicou a formação do público local. “Hoje o Casarão é uma relação para a cidade de total fluição. Sabemos que se não tivesse aqui, não teria nenhum recorte cinematográfico da produção, por exemplo, audiovisual brasileira. A geração dessa idade [que ficou sem acesso ao cinema de rua] não consome cinema brasileiro ou de rua porque ela não tinha esse trabalho diário, então a geração que hoje consome o Casarão já vai ser uma geração que vai exigir que isso não aconteça novamente”, contou João.

Além disso, João destacou que foi bastante desafiador conseguir abrir esse espaço e mantê-lo mesmo após a pandemia. Isso porque, dos seis anos em funcionamento, o Cine Casarão esteve fechado por quase dois anos por causa das medidas de segurança relacionadas à crise sanitária, além de haver consequências que perduram até hoje. 

Mas as dificuldades foram além, como João ressaltou: “O maior desafio inicialmente foi convencer as pessoas a voltar para o centro. Convencer as distribuidoras a acreditar em mandar os filmes para a Região Norte, isso aí no início foi o nosso grande desafio. Fazer com que as pessoas entendessem o quanto era importante os filmes chegarem aqui estando em cartaz [também] em São Paulo, em BH, no Rio e também estar em Manaus, por exemplo”.

Vale destacar também que a Região Norte não possui a merecida visibilidade em seu setor audiovisual, o que prejudica o segmento em toda sua cadeia. Noites Alienígenas (Vitrine Filmes), filme acreano vencedor do Festival de Gramado do ano passado, é uma importante demonstração do potencial e da qualidade que a indústria local tem. 

Mas pouco resolve olhar para a produção e deixar a exibição de lado. “Começar uma sala a partir do nada é muito complicado. E aí é uma função do poder público ser esse parceiro, acreditar nisso e ao mesmo tempo retroalimentar tudo. Então pensar nesse fomento de salas naturalmente também é engajar a produção do audiovisual, porque você teria para onde escoar. A ausência de um lugar de escoamento dessa produção interfere diretamente na produção e nos incentivos para que isso aconteça”, explicou João.

Outra possibilidade é o investimento na formação, porque boa parte dos profissionais locais atuam de uma maneira “meio autodidata”, se baseando no que assistem e conhecem. Além disso, outros tipos de investimentos são necessários: “A Lei Paulo Gustavo vem com orçamentos importantes e isso vem para o Norte. Vamos pensar: se cada capital aqui produz dois, três longas, nós vamos ter aqui quase 18 longas pegando a Região Norte. Então são 18 filmes que nunca tiveram a condição de serem produzidos. Então são 18 filmes que vão para o mercado e acreditamos que isso possa, de alguma forma, colocar o eixo Norte diferenciado nas salas, no processo de distribuição e tudo mais”.

Apesar das dificuldades que, como um todo, o Norte enfrenta, o Cine casarão segue forte e planejando seu futuro, com o objetivo de abrir em 2024 uma sala que tenha um projetor com um DCP, possibilitando exibir filmes que atualmente o espaço não consegue. Além disso, trabalhar a acessibilidade do espaço é uma das prioridades de João.

“[Abrir mais uma sala] é dar uma fluição maior para as pessoas e aí vamos conseguir passar Avatar com o preço mais barato e vamos conseguir com que mais pessoas assistam. Então vai ser nosso grande desafio e é o nosso planejamento principal: colocar mais uma sala com o mesmo número de cadeiras, talvez 40, e também colocar toda a parte de acessibilidade que não temos”, explicou João. 

Entretanto, vale destacar que a luta continua e que, mesmo com o sucesso dos últimos anos e com a possibilidade de maior investimento público na região, são necessárias mais ações para continuar com a democratização do cinema no Norte do país: “Às vezes é uma luta meio isolada, porque por mais que você saiba onde estão os outros cinemas, não há uma relação de você conversar, de saber, então assim você fica ali apostando, tentando sozinho e aqui no Norte isso é muito mais complicado e difícil, até mesmo pelo acesso, pela geografia. Mas para nós que fazemos isso, enquanto acreditava numa transformação, toda vez que tem um filme que chega, que lota, que duplica as semanas, que triplica, isso tudo faz acreditar que minimamente tudo valeu a pena, que não foi não foi uma energia que colocou ali em vão, que foi importante ver quando as pessoas vêm. Inclusive até quando elas vêm gratuitamente, e vêm gratuitamente por N motivos, mas isso já significa dizer que a gente conseguiu chegar nos mais diversos lugares. Então isso é muito importante”.

Confira a entrevista na íntegra:

Qual foi a maior conquista do Cine Casarão durante sua história?

Acho que a maior foi abrir, porque, por exemplo, faziam 15 anos que foi fechada a última sala e depois de 15 anos a gente abre o Cine Casarão. A maior conquista foi esse esforço de voltar uma sala de cinema no centro da cidade, fugindo de todos as outras fórmulas, de shoppings, de tudo, então essa é maior. Estamos completando seis anos e aí no meio disso ainda uma Covid, então é o maior mérito na sala.

E o maior desafio?

O maior desafio foi inicialmente convencer as pessoas a voltar para o centro. Convencer as distribuidoras a acreditar em mandar os filmes para a Região Norte, isso aí no início foi o nosso grande desafio. Fazer com que as pessoas entendessem o quanto era importante os filmes chegarem aqui estando em cartaz em São Paulo, em BH, no Rio e também estar em Manaus, por exemplo.

Saindo um pouquinho do aspecto apenas da exibição e falando de toda a corrente que tem no audiovisual, no ano passado, graças a “Noites Alienígenas”, o cinema da Região Norte ganhou uma notoriedade que talvez antes nunca teve no Brasil. O que falta, na sua visão, para que o audiovisual da Região Norte tenha o destaque que merece no cenário nacional?

Além do investimento, claro, acho que falta a formação. Porque essas pessoas que estão fazendo, estão em um lugar, a maioria das vezes, meio autodidata pelo que veem, pelo o que assistem pelo que conhecem. Então precisava fomentar mais esse lugar da formação e, claro, também tem essa outra questão: ao mesmo tempo que tem pessoas fazendo, tem poucos lugares para exibição. Então não consegue ter uma relação de consumo direto daquilo que está sendo produzido. Mas aí você vê filmes do Norte, mas falado por outras pessoas, quando poucos são falados e feitos pelo próprio nortista. Ainda tem esse bairrismo, mesmo local… se vem alguém falando do Norte de fora, para a gente interessa, mas quando é alguém daqui falando daqui, parece que não tem o mesmo dispositivo. Então isso é uma relação também natural da cultura, esse negar inicialmente o que é do lugar, mas isso muda. Acho que tivemos um grande exemplo, como você bem falou. O Noites Alienígenas foi um exemplo disso, um filme do Acre, que por exemplo aqui em Manaus passou e ficou quase três meses em cartaz. Então começa a reverberar essa ideia de consumir, de produzir, de fazer e de se perceber mesmo com a produção do que está acontecendo aqui no Norte, no Amazonas, no Pará ou no Acre. Isso começa a surgir, mas penso sempre nisso: a formação é um lugar que precisamos, porque é uma relação natural, essa mesma coisa de cooperação, as film commissions voltarem a se instalar aqui. Isso são dispositivos dessa ausência ainda do que poderia ser potente para uma maior produção do audiovisual aqui no Norte.

Você comentou sobre não ter tantas salas assim de cinema na região. O que poderia ser feito para melhorar essa situação de exibição? Tanto de Manaus, quanto do estado e região.

Inicialmente, alguns podem ser feitos como foi feito o Cine Casarão, de uma iniciativa privada minha, mas porque eu já tinha um contexto do Casarão com outras ações e outros pensamentos, mas começar uma sala a partir do nada é muito complicado. E aí é uma função do poder público ser esse parceiro, acreditar nisso e ao mesmo tempo retroalimentar tudo. Então no Norte, vamos pensar, temos em  Belém, tem a sala de Manaus, ali no Acre tem uma coisa que não tá muito bem definida. Então tem, vamos dizer, quatro salas [de cinema de rua]? Em uma região de quantos mil habitantes? Uma região de quantos municípios? Só o Amazonas são 62 municípios e nós temos uma sala. Então pensar nesse fomento de salas naturalmente também é engajar a produção do audiovisual, porque você teria para onde escoar. A ausência de um lugar de escoamento dessa produção interfere diretamente na produção e nos incentivos para que isso aconteça. Então o Norte tem essa relação, o Nordeste tem um pouco mais porque também, assim como no Sudeste, tem muitas salas de cinema que estão agregadas às instituições bancárias e fundações. No Norte não tem nada disso, a maioria das salas que estão aqui são de um outro recorte, ou na relação com o poder público, como é o Pará. Ou que também sofre isso: dependendo de quem é o gestor, muitas vezes não há interesse de investimento naquele lugar. Então essa é a primeira parte, que é uma obrigação do poder público assumir esse compromisso inicial de ser esse parceiro de começar. E claro que depois vai ser um trabalho individual desse gestor da sala, mas inicialmente é preciso isso, mais investimentos públicos, mais salas no interior, democratizar o acesso. Aqui no Casarão tem um preço popular, R$ 16 e R$ 8 (a meia) e também é um incentivo, quando na sala de Shopping são R$ 40, R$ 50. Então você, de alguma forma, tem uma contrapartida social mesmo sendo um investimento privado. Acho que isso também é uma devolutiva para poder público para que ele possa ser esse parceiro nessa caminhada.

Daqui a pouco vamos falar novamente especificamente sobre o Casarão, mas antes queria saber como você enxerga o atual momento do cinema nacional, passando tanto pela produção, distribuição e exibição, depois de alguns anos bem sombrios?

A lei Paulo Gustavo também vai ser essa injeção. Acho que 2023 não vai ser ainda o ano de execução, mas esse planejamento que tá acontecendo em 2023, acho que 2024 e 2025 vão ser anos muito potentes para o audiovisual pensando na produção de longa e tudo mais. Então os festivais de cinema voltando, tanto pela questão presencial, mas também pela questão do retorno dos patrocínios, porque eles conseguiram aprovar seus projetos nas leis de incentivo. Então esse fomento, essas atividades diárias, elas também diretamente influenciam o que vamos viver nos próximos anos dentro dessa questão da retomada do potencial do audiovisual e, mais do que isso, desses novos olhares porque é isso… a Lei Paulo Gustavo vem com orçamentos importantes e isso vem para o Norte. Vamos pensar: se cada capital aqui produz dois, três longas, nós vamos ter aqui quase 18 longas pegando a Região Norte. Então são 18 filmes que nunca tiveram a condição de serem produzidos. Então são 18 filmes que vão para o mercado e acreditamos que isso possa, de alguma forma, colocar o eixo Norte diferenciado nas salas, no processo de distribuição e tudo mais.

Voltando a falar do Casarão e da região como um todo, o que representou e o que ainda representa a reinauguração do Cine Casarão do cidadão de Manaus, sendo um espaço que tem como foco a cultura e a defesa da conservação do patrimônio histórico e artístico da capital?

Hoje o Casarão é uma relação para cidade de total fluição. Sabemos que se não tivesse aqui, não teria nenhum recorte cinematográfico da produção, por exemplo, audiovisual brasileira. Não chegaria aqui. Então entender isso, essa janela que o Cine Casarão possibilita é fazer a fluição de dizer que a gente tava ligado, minimamente conectado com o restante do país, porque senão nem teria nenhuma outra fluição, não teria mesmo, a não ser os filmes com uma produção maior, que ocupam as salas de cinema. Fora isso não teria nada, como foi no hiato de 15 anos. Então isso também é a importância do Casarão, porque se a gente ficou 15 anos sem uma sala de cinema, deixamos de fomentar uma geração. A geração dessa idade não consome cinema brasileiro ou de rua porque ela não tinha esse trabalho diário, então a geração que hoje consome o Casarão já vai ser uma geração que vai exigir que isso não aconteça novamente. Então tem um processo de formação de plateia, que fazemos aqui às quartas-feiras, colocando filmes diversos, trazendo gente, escola. Então essas pessoas já vão entender também qual é o outro viés de outra possibilidade de cinema que não seja o cinema das grandes massas. Então a sala hoje é isso: ela vai solidificar um processo que foi desfeito quando nós ficamos 15 anos sem nenhum lugar. Manaus teve uma época que teve mais de 20 salas de cinema no centro da cidade, então chegaram os centros comerciais, os shoppings, e acabaram todas. Então é uma geração que se perdeu porque não tinha lugar da fluição. O equipamento cultural é mais do que apenas um lugar enquanto arquitetura, ele é um lugar que possibilita que essas pessoas entendam o ponto de convergência. Então hoje o Casarão é um ponto de convergência na cidade de Manaus para fluição das artes. Você pode dizer “ah, do lado do Casarão tem o Teatro Amazonas”, que tem uma outra fluição pelo equipamento que ele constrói. Mas hoje o Casarão tem a mesma dimensão porque ele produz, ele retroalimenta diversas outras possibilidades de consumo de Cultura.

No início da conversa, comentamos sobre o maior destaque e  você falou que é ele ter ressurgido depois de tanto tempo e também dos desafios. Além desses dois momentos, você conseguiria lembrar de um ponto negativo e um ponto positivo muito fortes, algo que marcou bastante? 

Um ponto de muita fragilidade foi saber se ia voltar ou não no pós-Covid. Porque teve todas essas questões da Covid, mas o que aconteceu: o cinema não abriu. Voltaram os shows, voltaram os teatros, mas o cinema, por ser uma sala menor, pequena, fechada e com ar condicionado, não conseguiu a liberação. Foi algo que ficamos tentando entender, então foi muito marcante. E também volta com um grande sucesso, com filmes que foram muito importantes para isso e nos dá um fôlego. Então, nesses seis anos, teve um hiato de dois, um ano e meio aí. Então saber se ia voltar depois da pandemia e saber se o streaming não ia consumir os nossos clientes. E a gente viu que não consumiu. As pessoas querem vir para o cinema, elas querem comungar, elas gostam dessa coisa de sair, de comprar pipoca, de sentar ali. Pode até ter diminuído, sabemos que diminuiu, por todas as facilidades, mas sabemos que essa prática não vai deixar de existir.

E o futuro do Casarão? O que você pode revelar, quais são os planejamentos? 

O futuro do Casarão é ampliar. Estamos com projeto de abrir mais uma sala para o ano de 2024 e uma sala que vá poder dialogar com filmes que não conseguimos [por enquanto], que a ideia é fazer uma sala, ter um projetor com um DCP, poder receber filmes que a gente não consegue hoje, por conta da questão da mídia. E dar uma fluição maior para as pessoas e acho que é isso, que aí vamos conseguir passar o Avatar com o preço mais barato e vamos conseguir com que mais pessoas assistam. Então vai ser nosso grande desafio e é o nosso planejamento principal: colocar mais uma sala com o mesmo número de cadeiras, talvez 40 cadeiras, e também colocar toda a parte de acessibilidade que não temos. Então são os dois projetos para colocar na sala, essa questão de acessibilidade, e a nova sala já abrir com todos esses itens nesse pensamento de democratização de acesso.

São quantos assentos na sala?

São 35. E aí funciona de quarta a domingo. 

E você queria acrescentar mais alguma informação?

As vezes é uma luta meio que isolada, porque por mais que você saiba onde estão os outros cinemas, não há uma relação de você conversar, de saber, então assim você fica ali apostando, tentando sozinho e aqui no Norte isso é muito mais complicado e difícil, até mesmo pelo acesso, pela geografia. Mas para nós que fazemos isso, enquanto acreditava numa transformação, toda vez que tem um filme que chega, que lota, que duplica as semanas, que triplica, isso tudo faz acreditar que minimamente tudo valeu a pena, que não foi não foi uma energia que colocou ali em vão, que foi importante ver quando as pessoas vêm. Inclusive até quando elas vêm gratuitamente, e vêm gratuitamente por N motivos, mas isso já significa dizer que a gente conseguiu chegar nos mais diversos lugares. Então isso é muito importante.

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