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05 Abril 2024 | Gabryella Garcia

Equidade para quem? 100 filmes brasileiros de maior público nos últimos 5 anos tiveram apenas 20,9% de diretoras mulheres

Levantamento exclusivo feito pelo Portal Exibidor analisou os 20 filmes nacionais de maior bilheteria em cada ano, entre 2019 e 2023, totalizando 100 produções, e apenas 23 mulheres dirigiram as produções entre 110 profissionais

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"Minha Irmã e Eu", dirigido por Suzana Garcia, foi sucesso de público (Foto: Ellen Soares)

Apesar de estarem conquistando cada vez mais espaço dentro da indústria cinematográfica, um levantamento exclusivo feito pelo Portal Exibidor mostra que as mulheres ainda são sub-representadas em cargos de destaque no mercado brasileiro. Analisando os 20 filmes nacionais de maior público e renda em cada um dos anos, de 2019 a 2023, apenas 20,9% das diretoras dos filmes eram mulheres. Os dados foram retirados do Observatório Brasileiro do Cinema e do Audiovisual (OCA), da Agência Nacional do Cinema (Ancine)

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No período de cinco anos, foram 110 profissionais dirigindo as 100 produções com maior público, tendo em vista que alguns filmes possuem mais de um diretor. Deste total, apenas 23 profissionais eram mulheres. Algumas diretoras, inclusive, aparecem mais de uma vez na lista. É o caso de Susana Garcia (4 vezes), Cris D'Amato (3 vezes), Julia Rezende (2 vezes) e Vivianne Jundi (2 vezes). Susana Garcia, inclusive, é a prova da excelência feminina dentro do mercado audiovisual. A diretora é responsável pelos dois maiores públicos para filmes nacionais dentro do período analisado, com Minha Irmã e Eu (Downtown/Paris), que levou 2,28 milhões de pessoas aos cinemas e se tornou a maior bilheteria brasileira pós-pandemia, e com Minha Mãe é Uma Peça 3 (Downtown/Paris), que foi lançado em 2019 e, com um público total de 11,37 milhões de espectadores, se tornou a segunda maior bilheteria da história do cinema nacional.

Em entrevista exclusiva ao Portal Exibidor, Susana destacou que o avanço das mulheres dentro do mercado precisa ser coletivo, uma vez que os passos em direção a equidade de gênero ainda são muito lentos.

"Esses números mostram que a gente avança muito devagar e são um demonstrativo de como esse mercado ainda é dominado por homens brancos. As mulheres estão avançando e quando a gente vê um sucesso de bilheteria feito por uma mulher, serve como exemplo, como referência para incentivar outras mulheres a entrarem na indústria. Ainda existe uma insegurança de pertencer a um meio que é tão masculino, mas ver mulheres ocupando cargos de liderança fortalece e inspira outras mulheres", disse.

Dados do "Censo da Indústria Brasileira de Audiovisual" de 2019, mostram que profissionais mulheres representam cerca de 42,7% da força de trabalho de todo o setor audiovisual, mas sua ocupação ainda é minoritária em cargos de liderança. Além do levantamento exclusivo feito pelo Portal Exibidor, o estudo "A presença feminina nos filmes brasileiros", realizado pela Ancine, em parceria com o Instituto de Estudos de Gênero da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), em 2020, mostra que 25% de todos os filmes lançados no Brasil entre 2017 e 2019 tinham mulheres como diretoras.

A atriz e roteirista Veronica Debom ainda afirmou que os números levantados pelo Portal Exibidor mostram que as mulheres não são bem-vindas dentro da indústria cinematográfica. Para ela, a própria sociedade coloca a mulher em um papel de submissão, através de uma lógica machista e misógina, e por isso os números ainda são tão baixos quando falamos de mulheres na direção de grandes projetos.

"Estamos tentando nos descolar disso enquanto sociedade e as mulheres estão batalhando muito. Isso ainda acontece a duras penas e a gente não é bem-vinda e nosso ponto de vista não interessa. Isso está virando conforme a gente entra no mercado de trabalho, à revelia dos homens héteros, brancos e cisgêneros, e ganhamos poder de consumo. Agora a gente já não precisa tanto dessa aprovação, apesar de precisar um pouco porque eles ainda estão no alto da pirâmide, mas precisamos menos dessa aprovação do que é uma narrativa interessante do ponto de vista deles. Ainda é difícil, mas a gente tem no poder de consumo e no poder de consumir outras mulheres o poder de começar a adaptar o mercado a uma demanda feminina. Esses números começaram a aumentar um pouquinho apesar do esforço contrário, porque a ideia é simplesmente tirar a gente de todos os espaços e preferencialmente aniquilar a nossa existência, mas não podemos deixar", disse.

Saindo um pouco do Brasil, a demanda feminina ficou em evidência no último ano quando Barbie (Warner), dirigido por Greta Gerwig, foi a maior bilheteria mundial de 2023 ao arrecadar US$ 1,44 bilhão. Com uma narrativa criada por mulheres e para mulheres, o filme passou um recado para a indústria sobre uma demanda que é real. Juliana Funaro, que é sócia e CEO do Departamento de Entretenimento da Barry Company e diretora do departamento Internacional do coletivo feminino de audiovisual +Mulheres, apontou que um dos fatores que leva a número baixo de mulheres na direção dos maiores sucessos do cinema brasileira é a questão orçamentária, diferente do que aconteceu com Barbie.

"O problema é que os maiores orçamentos são dados para os homens, então automaticamente isso reflete também na bilheteria. É um efeito dominó, então na realidade precisamos de mais valores investidos nas mulheres para que essas mulheres também comecem a ter maiores resultados nas bilheterias. Esses números [levantados pelo Portal Exibidor] mostram que a gente ainda tem um mercado muito masculino em quase todas as frentes. Não adianta você dar um orçamento de R$ 30 milhões para um homem e de R$ 3 milhões para uma mulher e achar que vão fazer a mesma bilheteria. Precisamos exigir que os orçamentos sejam equiparados, caso contrário, sempre teremos diretores homens nas grandes bilheterias", disse.

Barbara Sturm, criadora e coordenadora do Selo Elas, além de diretora de conteúdo da Elo Studios, também destacou que Barbie passou um importante recado para a indústria de que as mulheres estão cada vez mais lutando por seu espaço e que, o próprio poder de consumo que foi destacado por Veronica Debom, mostra que uma mudança se faz cada vez mais necessária.

"Pegando um exemplo hollywoodiano, Barbie comprovou e obrigou exibidores, distribuidores, produtores e pessoas que decidem e tomam decisões para os filmes a entenderem o que o filme estava falando. Acho que é por aí, porque vamos forçando e conseguimos romper uma barreira e fazer sucesso. Agora não são mais eles que estão deixando, são as mulheres que estão mostrando uma nova forma de falar com o público. Nos últimos anos vivemos crises em produção, distribuição e exibição, então a indústria também se viu obrigada a se abrir para outras coisas. Eu não vejo mais como andar para trás nesse sentido", afirmou.

Juliana Funaro, que representou o +Mulheres no European Film Market (EFM), ambiente de mercado que aconteceu entre 15 e 21 de fevereiro de 2024 durante o Berlinale, Festival Internacional de Cinema de Berlim, na Alemanha, e se reuniu com especialistas que debatem perspectivas femininas na indústria cultural de mais de 60 países, ainda afirmou ao Portal Exibidor que o Brasil opera em um modus operandi que exclui as mulheres da indústria cinematográfica, sempre privilegiando projetos masculinos. Ela destacou que apesar de mudanças estarem acontecendo, ainda há um longo caminho a ser percorrido para a equiparação de gênero.

"De fato há uma consciência maior da necessidade de ter mulheres liderando projetos, mas é um caminho grande da consciência e do início de uma inclusão até a equiparação. O caminho para uma paridade de gênero dentro dos projetos ainda é muito longo e temos que fazer isso acontecer no nosso dia a dia, porque o discurso já muito difundido, mas prática é muito menos positiva do que o discurso. Vejo todo mundo com um discurso muito bom, mas às vezes até produtoras lideradas por mulheres contratam mais homens do que mulheres. A gente precisa persistir na rotina de inclusão das mulheres, se não a gente nunca vai chegar de fato a essa equiparação", disse Juliana.

A diretora do coletivo +Mulheres ainda citou o exemplo da França como um caminho a ser seguido para que o Brasil possa aumentar o número de mulheres em cargos de liderança dentro da indústria cinematográfica. No país, o CNC, que é uma espécie de Ancine francesa, possui uma legislação desde 2020 que diz que se a produtora demonstrar que tem paridade de gênero na equipe, recebe um acréscimo de 15% a 20% no aporte financeiro. Além disso, também existem medidas punitivas e, caso seja comprovado que uma mulher foi vítima de assédio moral ou assédio sexual em determinada produção, o CNC pode retirar completamente o dinheiro investido.

Dados do Censo Demográfico 2022 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que o Brasil tem 6 milhões a mais de mulheres do que homens, com elas representando 51,5% do total da população. Evidentemente ter apenas 20,9% dos filmes de maior público e bilheteria do país sendo dirigidos por mulheres não representa a realidade da população e, para Veronica Debom, apesar da necessidade de atuação do Estado na elaboração de políticas públicas que possam mudar o cenário, a união das próprias mulheres também é fundamental para o avanço da pauta

"A coisa que tem que ser feita de forma mais urgente é a ‘brotheragem’ feminina e a sororidade. A gente tem que se apoiar e se unir de forma irrestrita e irrefutável. A união faz a força e a gente precisa se unir ao invés de nos separarmos. Acredito na sororidade absoluta porque os homens já têm essa união entre eles há muito tempo, e isso os beneficia demais e nós ficamos em uma espécie de fechamento com eles. A gente acaba defendendo os homens e deixando as mulheres mais vulnerabilizadas, então eu sinto que ninguém abre mão de privilégios voluntariamente e, por isso, a gente tem que demandar. Precisamos ir atrás disso e a única maneira de conseguir ir atrás disse de forma sistemática, consistente e efetiva é na união", destacou Veronica.

Atitudes para mudar o cenário e modificar as estruturas que estão consolidadas dentro do mercado cinematográfico são urgentes, e Funaro ponderou que apesar de avanços nos discursos e até mesmo na representatividade nas telonas, o cenário ideal se dará apenas a partir de movimentações do governo e de novas legislações.

"Enquanto não tivermos leis que garantam incentivos para o setor, a equidade vai ficar só no discurso. Precisamos que uma legislação efetiva seja implementada no sentido de garantir e incentivar o aumento do número de mulheres. A partir do momento que a gente conseguir uma legislação que de fato proteja, e tivermos políticas de incentivo para essa inclusão de cada vez mais mulheres, a gente vai conseguir avançar. A gente não vai alcançar a equidade enquanto ficarmos só no discurso mas a prática não incentivar. A gente precisa que o governo caminhe junto no sentido de dar condições para que a gente efetive esse discurso que já está tão difundido sobre a necessidade de mulheres nas produções e principalmente nas funções criativas", disse Juliana.

Por fim, Barbara Sturm voltou a ressaltar que a realidade está se impondo cada vez mais, e não há como a indústria continuar fechando os olhos para mulheres que pedem passagem em posições de destaque. "A diversidade era uma cota e ela era sobre o diverso. Agora ela deu esse salto com certos produtos que fizeram muito sucesso de bilheteria e ela não é mais uma cota, agora é uma ação estratégica. A diversidade é uma parte fundamental das escolhas e não é mais um nicho. Saiu desse lugar e estamos indo para uma neutralidade, e não para uma diversidade", destacou.

Confira os filmes nacionais com maiores públicos e rendas que foram dirigidos por mulheres de 2019 e 2023, e sua posição dentro do respectivo ano:

2019

  • - 2º: Minha Vida em Marte (Downtown/Paris) - 4.118.042 espectadores e renda de R$ 63.826.575,56 (Susana Garcia)
  • - 3º: Minha Mãe é Uma Peça 3 (Downtown/Paris) - 2.561.415 espectadores e renda de R$ 41.100.292,13 (Susana Garcia) [filme lançado em dezembro de 2019 e com o público do ano seguinte foram 11.375.190 espectadores no total e uma renda de R$ 179.747.621,61]
  • - 5º: De Pernas Pro Ar 3 (Downtown/Paris) - 1.834.407 espectadores e renda de R$ 28.309.454,29 (Julia Rezende)
  • - 10º: Sai de Baixo - O Filme (Imagem Filmes) - 467.878 espectadores e renda de R$ 6.906.008,55 (Cris D'Amato)
  • - 13º: Detetives do Prédio Azul 2 - O Mistério Italiano (Downtown/Paris) - 362.442 espectadores e renda de R$ 4.761.433,10 (Vivianne Jundi)
  • - 14º: Ela Disse, Ele Disse (Imagem Filmes) - 240.118 espectadores e renda de R$ 3.397.250,75 (Cláudia Castro)

2020

  • - 1º: Minha Mãe é Uma Peça 3 (Downtown/Paris) - 8.813.775 espectadores e renda de R$ 138.647.329,48 (Susana Garcia) [filme lançado em dezembro de 2019 e com o público do ano anterior foram 11.375.190 espectadores no total e uma renda de R$ 179.747.621,61]
  • - 3º: 10 Horas Para o Natal (Downtown/Paris) - 29.596 espectadores e renda de R$ 458.863,63 (Cris D'Amato)
  • - 9º: Babenco - Alguém Tem Que Ouvir o Coração e Dizer: Parou (Imovision) - 6.897 espectadores e renda de R$ 97.590,34 (Bárbara Paz)
  • - 16º: Bixa Travesty (Arteplex Filmes) - 2.071 espectadores e renda de R$ 15.260,72 (Claudia Priscilla e Kiko Goifman) [filme lançado em dezembro de 2019 e com o público do ano anterior foram 13.727 espectadores no total e uma renda de R$ R$ 85.870,10]
  • - 17º: Açúcar (Boulevard Filmes) - 1.723 espectadores e renda de R$ 18.998,05 (Renata Pinheiro e Sérgio Oliveira)
  • - 18º: Modo de Produção (Sem distribuidora) - 1.162 espectadores e renda de R$ 5.041,19 (Dea Ferraz)

2021

  • - 4º: A Sogra Perfeita (Downtown/Paris) - 66.136 espectadores e renda de R$ 840.090,57 (Cris D'Amato)
  • - 5º: Amarração do Amor (Downtown/Paris) - 24.154 espectadores e renda de R$ 406.795,19 (Caroline Fioratti)
  • - 9º: Depois a Louca Sou Eu (Downtown/Paris) - 12.631 espectadores e renda de R$ 230.973,26 (Julia Rezende)
  • - 15º: Pixinguinha, Um Homem Carinhoso (Downtown/Paris) - 5.527 espectadores e renda de R$ 107.104,39 (Denise Saraceni e Allan Fiterman)

2022

  • - 10º: Pluft - O Fantasminha (Downtown/Paris) - 122.735 espectadores e renda de R$ 2.232.486,61 (Rosane Svartman)

2023

  • - 2º: Minha Irmã e Eu (Downtown/Paris) - 469.274 espectadores e renda de R$ 8.820.460,06 (Susana Garcia) [filme lançado em dezembro de 2023 e com o público do ano seguinte foram 2.282.597 espectadores no total e uma renda de R$ 43.612.631,06]
  • - : Ó Paí, Ó 2 (H2O Films) - 162.957 espectadores e renda de R$ 2.963.320,33 (Viviane Ferreira) [filme lançado em novembro de 2023 e com o público do ano seguinte foram 168.839 espectadores no total e uma renda de R$ 3.062.645,49]
  • - 8º: Meu Nome é Gal (Paris Filmes)  - 153.574 espectadores e renda de R$ 3.294.910,17 (Lô Politi e Dandara Ferreira)
  • - 12º: Perdida (Disney) - 91.907 espectadores e renda de R$ 1.690.395,85 (Katherine Chediak Putnam)
  • 14º: Uma Fada Veio me Visitar (Imagem Filmes) - 63.663 espectadores e renda de R$ 1.204.999,98 (Vivianne Jundi)

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