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08 Junho 2024 | Yuri Codogno

Globo Filmes completa 25 anos apostando na diversidade: "Não dá para ouvir a mesma voz com figurinos diferentes"

Empresa se apresentou na edição 2024 do Rio2C

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(Foto: Divulgação: Rio2C/Wallace)

Orfeu, O Auto da Compadecida, Cidade de Deus, Carandiru, Meu Tio Matou um Cara, Se eu Fosse Você, Ó Paí, Ó, Meu Nome Não é Jhonny, Nosso Lar, Tropa de Elite 2, Que Horas Elas Volta?, Aquarius, Os Farofeiros, Bacurau, Marighella, Mussum - O Filmis e muito mais. Essa é uma pequena amostra quantitativa de alguns dos principais longas que a Globo Filmes assinou como produtora ou coprodutora entre 1998 e 2023, ano em que a empresa completou 25 anos de sua fundação. 



Não por acaso, muitos desses filmes são considerados alguns dos melhores da história do cinema nacional. Mas outro ponto também chama atenção: o quão diverso para a sociedade são suas histórias, personagens e também os profissionais que trabalham para levar essas produções às telonas. O painel “Globo Filmes 25 anos - Transformando a Tela de Cinema: Diversidade e Representatividade” trouxe ao Rio2C 2024 alguns importantes nomes para comentar sobre o assunto. 

A mesa foi composta por Simone Oliveira, head da Globo Filmes; a atriz e cineasta Bruna Linzmeyer; o roteirista de Medida Provisória, Elísio Lopes Jr; e contou com mediação do diretor e roteirista Jeferson De.

“A Globo Filmes surgiu em uma retomada do cinema do Brasil depois de Carlota Joaquina (1995) e Central do Brasil (1998), após o fim da Embrafilme. Começou com uma vontade da Globo de ter uma aproximação do mercado de cinema, porque antes você fazia TV ou cinema, então foi importante para essa união. E desde 1998 a gente tenta trazer essa diversidade. Hoje a gente tem tentado intensificar isso e estamos novamente passando por uma retomada. E temos um bom exemplo nesse começo de ano, que tivemos um aumento de 1000% entre janeiro e abril [em comparação com o mesmo período do ano passado]”, disse Simone. 

Esse aumento se deve muito a três filmes: Minha Irmã e Eu e Os Farofeiros 2, ambos distribuídos por Downtown/Paris e com coprodução do Globo Filmes, além de Nosso Lar 2: Os Mensageiros, com distribuição da Disney e apoio da Globo Filmes. Lançados após o aniversário de 25 anos da Globo Filmes, juntos esses longas levaram quase 5,8 milhões de espectadores às salas escuras.

Em relação à diversidade de gênero, sexualidade, etnia e de histórias no cinema, a mesa concorda que houve uma significativa melhora nos últimos anos - e os três últimos filmes citados são exemplos disso -, mas que ainda está bastante abaixo do ideal. 

“Semana passada me perguntaram sobre como vejo a representatividade atual e no impulso eu disse ‘péssima’. Não significa que não melhorou muito [nos últimos anos], mas ainda está aquém do que deve ser. Mas consigo ver evolução da jornada, dos papéis que me são oferecidos, como meu corpo é filmado, com que roupas sou filmada, como sou ouvida como uma atriz jovem. E também de coisas concretas de personagens que não são heteras. É mais emocionante poder assistir essas histórias”, contextualizou Linzmeyer. 

Os números conseguem ilustrar bem o que foi dito: o último Censo divulgado, no final do ano passado, apontou que a população masculina representa 48,5% dos brasileiros, enquanto as mulheres eram 51,5%. Segundo dados do Observatório do Cinema e do Audiovisual (OCA), entre 2018 e 2021, apenas 19,6% dos filmes lançados foram dirigidos por mulheres. E aqui vai uma importante contradição: apesar da representatividade estar abaixo do número ideal (que seria em torno dos 50%, como na sociedade), esses filmes lançados e dirigidos por mulheres entre 2018-21 representaram 44,6% das bilheterias do período.

Inclusive, em abril deste ano, o Portal Exibidor realizou e publicou uma importantíssima matéria sobre o assunto, demonstrando o contraste entre a ausência de equidade e os ótimos números de bilheteria que os filmes dirigidos por mulheres alcançam: Equidade para quem? 100 filmes brasileiros de maior público nos últimos 5 anos tiveram apenas 20,9% de diretoras mulheres.

A própria Globo Filmes, que tem números um pouco melhores, reconhece que também está aquém do ideal na representatividade feminina. 30% dos seus projetos lançados no mesmo período foram dirigidos por mulheres, enquanto 17% dos roteiros foram exclusivamente escritos por mulheres. Bruna Linzmeyer aproveitou para exemplificar que as mudanças estão ocorrendo: “Qualquer desconforto no set, vai estar em cena. [A presença de um set mais feminino] impacta de modo que é difícil descrever porque é um tipo de comunicação não verbal. A gente sente quando é confortável. E aí acho que é a virada: no momento que não preciso me preocupar se estou sendo ouvida, consigo fazer meu trabalho. Posso me emocionar, posso opinar. Se a gente não precisasse se preocupar com essas questões, o quanto mais a gente poderia fazer?".

A questão étnica também foi abordada, apesar de não terem números apresentados pela Globo Filmes. Segundo o Censo, a população parda (45,3%), preta (10,2%), indígena (0,6%) e amarela (0,4%) somam 56,5% do Brasil, de modo que brancos não são nem metade da população. E mesmo assim, o cinema brasileiro é dominado por pessoas brancas. 

Na visão de Elísio, isso também é contrastante, porque ele tem a impressão que o cinema brasileiro sempre foi um lugar onde a diversidade existiu, muito por causa de uma menor cobrança menor pela beleza e comportamento e mais pela necessidade de atrair o público, visto que o cinema tinha que refletir a bilheteria e o que o público quer ver, algo não visto na televisão”.

Inclusive, o roteirista complementou a ideia de Bruna sobre se sentir confortável no set, ressaltando que é algo empírico. “‘Medida Provisória’ é um bom exemplo disso. 85% da equipe era de pessoas pretas, três roteiristas pretos, um diretor preto. Existem construções simbólicas e sensoriais que só são possíveis por quem vivencia. Não é correção social, [que também] é importante, mas a questão é que é chato ouvir uma única voz. É pobre para um filme, para um sistema cultural, ter uma voz única se tem uma multiplicidade cultural e étnica. Não dá para ouvir a mesma voz com figurinos diferentes”, disse Elísio.

O roteirista aproveitou para contar uma história curiosa sobre Medida Provisória: o filme começou a ser desenvolvido antes de 2018 e a ideia já era criar um Brasil distópico em que pessoas negras eram deportadas para a África. Só que com a ascensão do governo bolsonarista, o filme começou a ir de encontro com uma realidade ainda mais racista do que se enxergava nos governos anteriores. E para quem acha que é absurdo comparar um governo conservador com a distopia do filme, trago para vocês o que o parlamento do Reino Unido aprovou: deportação de imigrantes para Ruanda. Leia mais sobre na CNN ou G1

A mesa aproveitou também para citar que a pressão popular por histórias mais diversificadas é um poder que o público tem. No fim das contas, o trabalho de produtores de conteúdo passa muito por uma escuta, ouvindo a demanda do público, que cada vez mais exige se ver nas telonas. 

Por fim, cada palestrante comentou sobre seus futuros projetos. Simone ressaltou os seguintes filmes que devem estrear ainda neste ano com coprodução da Globo Filmes: Colegas 2 (um filme afirmativo protagonizado por pessoas com deficiência); Assexybilidade, documentário sobre como PCD’s fazem sexo; Tô de Graça; Câncer com Ascente em Virgem; Motel Destino; Manas; Casa Branca; e os infantis Arca de Nóe e Perfecta.

Bruna Linzmeyer, por sua vez, destacou dois filmes que esteve em importantes festivais. Um deles é Cidade; Campo, que rendeu à diretora Juliana Rojas um prêmio de direção no Festival de Berlim, e Baby, em Cannes. Ela também está para estrear a série Máscaras de Oxigênio (Não) Cairão Automaticamente, do Max. Além disso, a atriz também está escrevendo projetos autorais.

Finalizando, Elísio Lopes Jr. está trabalhando na série Reencarne, da Globoplay.

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