22 Novembro 2024 | Yuri Codogno
"O protagonismo não tem que ser só na frente das telas, mas atrás dela também", diz diretora de "Avenida Beira-Mar" sobre representatividade
Portal Exibidor conversou com Maju de Paiva, diretora do longa, e Sabrina Nudeliman, CEO da Elo Studios
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Entrou em cartaz ontem (21) o primeiro longa-metragem dirigido por Maju de Paiva e Bernardo Florim. Avenida Beira-Mar (Elo Studios) aborda a temática LGBTQIAP+ e explora a amizade entre Rebeca e Mika, duas meninas de 13 anos que se tornam inseparáveis. Além de Milena Pinheiro e Milena Gerassi, que interpretaram as jovens, o elenco também traz as consagradas Andréa Beltrão e Isabel Teixeira, que dão vida às mães das garotas.
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Na trama, Rebeca é filha de pais separados, enquanto Mika é uma menina trans, ambas moradoras de bairros vizinhos em Niterói. Após se conhecerem, selam uma cumplicidade, mas os adultos não veem tal amizade com bons olhos, servindo como gatilho para uma série de ações extremas que impactarão a vida de todos em Avenida Beira-Mar.
O Portal Exibidor conversou com a diretora Maju de Paiva e também com Sabrina Nudeliman, CEO da Elo Studios. Confira a entrevista na íntegra:
Como surgiu a ideia de desenvolver “Avenida Beira-Mar”? Me conte um pouco sobre esse processo.
MAJU: Ele surgiu meio do nada, eu e Bernardo já éramos parceiros há algum tempo e propus a ele que a gente escrevesse um longa-metragem. Achei que era o momento de fazer isso. Ele me perguntou sobre o que eu gostaria de escrever e eu disse que gostaria de escrever um filme sobre duas meninas que fossem amigas, que criassem o elo da amizade em Piratininga. Então, muito antes de Mika e Rebecca tomarem forma, tinha essa praia, que foi uma praia que eu tinha acabado de visitar e fiquei fascinada por esse local.
Fui justamente no inverno, que é a época em que o filme se passa, então eram casas enormes, meio abandonadas, praia deserta, fiquei apaixonada por aquela locação e queria muito fazer um filme ali. E sempre fui muito fascinada pela infância, meus dois curta-metragens tratam desse assunto. Então foi um pouco natural buscar esse tema da infância trans, buscar essa infância que é pouco falada. A gente queria fazer um coming-of-age que fosse um pouco deslocado das coisas que as pessoas já tinham visto. Então, depois que a gente decidiu onde ia ser, quais seriam nossos personagens, a gente só foi acrescentando mais detalhes até chegarmos nesse filme.
Eu e o Bernardo temos um método meio engraçado de escrita. A gente parte direto para o roteiro, a gente não escreve o argumento antes. Então uma vez que o roteiro estava escrito, nós ganhamos o FRAPA, nós fomos para o Novas Histórias. O roteiro também foi se moldando com a opinião de consultores e de pessoas queridas, e todos esses laboratórios foram cruciais para entender o que queríamos e o que não queríamos. Acho que o que mais mudou, inclusive, foi a relação da Marta (Andréa Beltrão) com a Rebeca (Milena Gerassi). A gente trouxe muito mais a Marta pro centro desta narrativa, porque a gente achou que ela fosse essa terceira personagem principal. A personagem da Viviane (Isabel Teixeira) também mudou bastante, porque, a princípio, quem era a pessoa agressiva dentro da família era o pai. E aí a gente recebeu esse toque dentro de um dos laboratórios que é um clichê, o pai violento. Tentamos mudar isso para a figura da mãe. E claro que vai para um lugar completamente diferente, mas um lugar que a gente acha tão bom quanto. Então, até o filme ser feito, se passaram seis anos desde o primeiro tratamento. Muita coisa mudou, mas o cerne da narrativa, a ideia original, está ali, sempre esteve ali e eu acho que isso é muito bonito no projeto e muito particular.
Como está a expectativa para o lançamento de “Avenida Beira-Mar”? E quais foram os grandes desafios na distribuição desse filme?
SABRINA: A expectativa é extremamente positiva, pois o filme tem sido muito bem recebido por exibidores, festivais e pela crítica especializada. “Avenida Beira-Mar” já conquistou diversos prêmios importantes e teve a honra de abrir o MIX BRASIL, o que amplia ainda mais sua visibilidade e alcance.
Quanto aos desafios, destacamos a concorrência acirrada com outros filmes que têm obtido bons resultados nas salas de cinema. Apesar do crescimento no número de salas no Brasil – que atingiu um recorde histórico –, ainda existe uma enorme lacuna em municípios menores, onde muitas pessoas não têm acesso ao cinema. Além disso, a ausência de políticas públicas efetivas para democratizar o acesso, especialmente para as populações de baixa renda, é outro obstáculo significativo.
O que você destaca como os pontos principais de “Avenida Beira-Mar”? E como foi dirigir essas duas jovens atrizes que receberam essas importantes personagens complexas?
MAJU: Acho que um dos principais trunfos de “Avenida Beira-Mar” é justamente trazer um outro olhar para a infância. Um olhar dissidente, que geralmente é ignorado. Queríamos trazer à luz esse lado mais complexo e mais duro, mas ainda assim com alguma ternura. Outro trunfo é justamente naturalizar essa infância trans, mas não de uma maneira que essa personagem se torne um clichê, que ela se reduza ao fato de ser trans. A Mika é muito mais que isso. Ela é uma menina complexa, uma menina que tem desejos e que responde à altura. Outro ponto principal, justamente, é a dinâmica das personagens. Acho que o elenco inteiro está muito bem. A relação da Milena Pinheiro com a Andréa Beltrão em cena é incrível. E o mesmo eu posso dizer da Isabel Teixeira com a Milena Gerassi. Cada atriz traz seus pontos fortes e eles se destacam. Ninguém diz que esses dois pares não são mãe e filha, né? Eu acho que está muito natural a relação delas ali. E digo o mesmo pro resto do elenco, todos são excelentes. O nosso filme é o último filme do Emiliano Queiroz, e ele tem uma cena linda no final que acho que super vale a pena assistir por isso.
E sobre dirigir as jovens atrizes… bom, eu digo que, na verdade, essa foi a parte fácil. Porque tanto a Milena Pinheiro quanto a Milena Gerassi são duas atrizes extremamente profissionais. Elas amam o projeto, elas amam o filme. E a gente criou um laço de confiança, um laço muito amoroso, um laço de respeito umas com as outras. Então foi muito tranquilo. Elas estudaram muito os papéis delas e se entregaram muito. O que eu queria era criar um espaço seguro para as duas. Eu queria que elas tivessem essa confiança em mim e que estivessem à vontade dentro do set de filmagem. E acho que isso foi exatamente o que aconteceu.
Estamos em um mês em que um filme brasileiro ganhou todos os holofotes cinematográficos, inclusive ganhando mais atenção do que blockbusters de Hollywood, algo que há muito tempo não se via. Como você vê o atual momento do cinema nacional? E o quão importante é ter uma grande quantidade de filmes brasileiros entrando em cartaz simultaneamente?
SABRINA: O audiovisual brasileiro sempre se destacou por sua qualidade e diversidade – isso não é novidade. A Lei do Audiovisual, o Fundo Setorial do Audiovisual (FSA) e a entrada de grandes players de streaming ajudaram a impulsionar a indústria, que hoje tem um padrão reconhecido internacionalmente.
No entanto, enfrentamos desafios sérios em políticas de acesso, especialmente quando se trata de cinema. O público brasileiro aprecia conteúdos nacionais – basta olhar o sucesso contínuo das novelas –, mas muitas regiões ainda carecem de salas de exibição, e o custo do ingresso é elevado para a realidade do país. Como consequência, grande parte das pessoas só consegue assistir a um filme por mês, o que restringe as escolhas.
Embora a política de cota de tela seja uma ferramenta importante, ela não resolve completamente o problema. Acredito que uma política pública que ofereça benefícios fiscais vinculados à exibição de conteúdos nacionais a preços mais acessíveis poderia promover o acesso sem onerar os exibidores.
Sobre a questão de ter vários filmes nacionais em cartaz simultaneamente, isso pode ser benéfico, mas também gera desafios, considerando a limitação de salas disponíveis no país.
Quão significante é para vocês receber prêmios como o Melhor Filme Brasileiro (Festival do Rio/Prêmio Felix) e Melhor Direção (Festival de Guadalajara)?
MAJU: Receber esses prêmios é muito gratificante, muito gratificante mesmo. Já havíamos recebido alguns prêmios com o roteiro, e eles ajudaram a gente a chegar até a parte do financiamento, conseguir um distribuidor, conseguimos a coprodução com a Elo Studios, com o Telecine… Então prêmios sempre agregam muito, tanto para as nossas carreiras quanto para a carreira do filme. Eles são selos, eles fazem com que o público tenha curiosidade de assistir ao filme. E também é uma honra enorme ter o nosso trabalho reconhecido.
Fazer cinema no Brasil é muito difícil, então isso dá um gás para a gente. Faz querer seguir em frente e reafirmar esse desejo de fazer cinema, especialmente prêmios como o Félix, porque são prêmios de uma importância gigantesca. São prêmios justamente voltados para filmes LGBTQIAPN+, e isso incentiva com que outros filmes sejam feitos, porque existe uma necessidade de se falar sobre esse assunto, existe uma necessidade de tratar sobre essas comunidades. Então, para a gente é de uma importância imensa.
Através da perspectiva da distribuição, quais ações a própria indústria pode fazer para fortalecer e dar espaço para produções com protagonistas de grupos sub-representados?
SABRINA: Acreditamos que a política atual já tem iniciativas voltadas para essa inclusão, mas podemos ir além. O conceito de “entretenimento de impacto” é algo que defendemos: criar boas narrativas que ultrapassem bolhas e quebrem barreiras, levando mensagens importantes para públicos diversos.
Foi essa a abordagem que adotamos na distribuição de “Medida Provisória”, por exemplo. Nosso objetivo era alcançar não apenas o público óbvio, mas também despertar o interesse e a reflexão de quem normalmente não consome esse tipo de conteúdo. É assim que o entretenimento pode realmente promover mudanças de percepção e, quem sabe, de atitude.
E através da sua perspectiva de cineasta, o que pode ser feito para fortalecer e dar espaço para produções com protagonistas de grupos sub-representados?
MAJU: Da minha perspectiva, enquanto cineasta, o que pode ser feito para fortalecer as produções com protagonistas de grupos sub-representados é justamente dar espaço para esses grupos contarem suas histórias e protagonizarem suas histórias. Eu sou uma cineasta mulher cisgênera branca, então eu ainda estou dentro de um grupo privilegiado dentro do audiovisual, de certa forma, que não é nem tão privilegiado assim, porque ainda existem poucas mulheres longa-metragistas, infelizmente.
Mas existem menos ainda cineastas mulheres negras, cineastas mulheres trans, cineastas homens trans, homens negros também. Eu acho que a maneira de fortalecer esse espaço não está na contação de história em si, mas está na representação por trás das câmeras, está em mudar a nossa indústria, tornar a nossa indústria mais aberta a pessoas trans, a pessoas negras, empregar essas pessoas. Acho que existe uma falta muito grande disso no audiovisual brasileiro. Não é dada a oportunidade dessas pessoas de filmarem seus longas, muitas vezes até curtas, porque cinema é uma arte ainda muito cara. A gente precisa de políticas públicas que dêem conta disso, que dêem conta de tornar acessível o fazer cinema a todos. E, claro, não é uma obrigação desses grupos contar histórias. É sobre todos poderem contar as histórias que quiserem. O protagonismo não tem que ser só na frente das telas, mas atrás dela também. Com essa liberdade, eu acho que aí sim nós teremos todos os grupos lindamente representados no cinema.
Por fim, o que você destaca de “Avenida Beira-Mar” para os exibidores?
SABRINA: “Avenida Beira-Mar” é uma história inédita, com direção primorosa e que já conquistou diversos prêmios internacionais. O filme conta com atrizes consagradas, como Andréa Beltrão e Isabel Teixeira, além de duas jovens atrizes mirins que são talentos natos. É uma obra que combina força narrativa com atuações memoráveis e uma estética marcante – um verdadeiro convite para atrair e encantar os espectadores.
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