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29 Maio 2025 | Gabryella Garcia

Modelos de investimento privado inspirados no mercado externo são alternativas para impulsionar audiovisual brasileiro

Investimentos públicos ainda são insuficientes e incertos no Brasil, criando gap financeiro na indústria audiovisual

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(Foto: Portal Exibidor)

Na constante busca para estimular a indústria audiovisual brasileira, uma alternativa que se apresenta para o mercado são os investimentos privados, ainda que a passos lentos e cercada de dúvidas sobre seu funcionamento. Para esclarecer o funcionamento desse modelo de negócio, o painel "Desvendando Investimentos Privados para o Audiovisual" no Rio2C contou com a mediação de Edison Viana, Business Strategy Executive da produtora Moonshot, e participação de Laura Rossi, Head de Investimentos em Audiovisual da MUV Capital, Gustavo Mello, sócio e produtor-executivo da Boutique Filmes, e Fernando Figueiredo, Head Comercial da Belat Brasil.



Hoje a busca por financiamento é crucial para o crescimento e diversificação do mercado audiovisual brasileiro e, infelizmente, apenas investimentos públicos não dão conta da demanda da indústria. Com 13 anos no mercado, a Boutique Filmes foi responsável pelo lançamento de 3%, a primeira série original Netflix do Brasil e, após anos de investimentos em séries, começa a entrar no cinema e a rodar seus três primeiros longas. Gustavo Mello, entretanto, pontuou que o ecossistema da indústria coloca muitos obstáculos para o produtor independente e, uma alternativa para conseguir o financiamento de suas produções, foi buscar a internacionalização e parcerias de coproduções inspiradas no mercado externo, que é bem mais familiarizado com investimentos privados para o setor.

"Precisamos achar caminhos nesse momento crítico do mercado em que precisamos reinventar maneiras para conseguir investimentos. Basicamente nós temos um ecossistema que traz muita fragilidade para o produtor independente e, desde o momento em que as produções para streaming aumentaram e se popularizaram, o produtor deixou de ter a retenção de propriedade e isso gera um enfraquecimento dentro da indústria porque a exploração de direitos agrega valor. Temos questões atrasadas na regulação do streaming e no financiamento público e na Boutique tivemos que começar a procurar modelos alternativos para fazer a retenção de direitos de séries para plataformas", disse Gustavo.

Atualmente, a Boutique Filmes é responsável pelas séries Negociador e Sutura, ambas no Prime Video. Para a produção das obras, o sócio da produtora explicou que foi necessário se inspirar em modelos de negócios europeus e também buscar parcerias, inclusive de investimento, fora do Brasil.

"Sem a retenção de direitos para séries de streaming no Brasil, precisamos nos inspirar no mercado europeu, onde isso já existe há mais de 20 anos, e o produtor independente tem vias de acesso a investimentos. Pensamos criativamente em como produzir séries faladas em português que tivessem interesse também fora do Brasil e começamos a trabalhar em um modelo de pré-licenciamento para a América Latina. No momento, originais brasileiros têm ido bem fora do Brasil, então pensamos em séries que pudessem viajar o mundo e começamos a conversar com investidores privados para atrair dinheiro e completar o financiamento. Primeiro falamos com investidores no Brasil, mas tem track record e um histórico para trazer segurança, mesmo achando o modelo legal era muito risco colocar tudo em um único produto. Depois de mais de um ano sem retorno, o caminho foi procurar distribuidoras privadas e coprodutores fora do Brasil e foi dentro do modelo chamado standart, que é comum fora do Brasil, que conseguimos o investimento. Infelizmente o ecossistema do Brasil não colabora para isso", explicou Gustavo.

O trabalho da MUV Capital e da Belat Brasil é justamente encontrar esses investidores privados dentro do Brasil, sem a necessidade de buscar algum tipo de apoio internacional. A MUV, aliás, é o braço de entretenimento voltado para a indústria criativa do Grupo Hurst Capital. O carro-chefe da empresa é a música, mas, há seis meses, Laura Rossi assumiu a responsabilidade de fazer o mesmo trabalho feito com a música para o audiovisual. A parte musical, inclusive, já conseguiu R$ 250 milhões em investimentos desde 2020.

"A MUV é uma empresa full service, então buscamos soluções financeiras que funcionem para as empresas. Atuamos com crédito e antecipação de recebíveis, então é possível antecipar contratos ou algum tipo de ativo já performado e também ajudamos no fluxo de caixa. Fazemos ainda um mercado mais de risco, com gap finance, que é basicamente dar um crédito não performado com a promessa da recuperação de investimentos no futuro. Colocando bem entre aspas, mas o investimento privado entra como uma espécie de sócio no projeto", disse Rossi.

A Belat, por sua vez, é uma empresa que nasceu no Chile, há nove anos, e trabalha conectando financiadores a empreendedores nas áreas de educação, cultura, desenvolvimento social e meio ambiente através da estruturação de crédito para as organizações. Somando as operações da Belat no Chile, Uruguai e Argentina, já foram financiados mais de US$ 135 milhões na área da cultura, e 11 produtoras chilenas já conseguiram investimento privado através da empresa. No Brasil, a atuação com o audiovisual começou mais recentemente e, até o momento, a Belat já conseguiu o financiamento de um filme, que foi Inexplicável (Cinecolor Films Brasil).

"Nosso olhar não é somente para a produção em si, olhamos para produtoras, distribuidoras, pós-produção e toda a cadeia da indústria audiovisual. Nosso desejo é estar disponível para toda a cadeia e não vai existir uma indústria forte se houver elos fracos dentro dessa cadeia de negócios. No caso de 'Inexplicável', por exemplo, conseguimos enxergar o negócio em si e era muito claro quanto dinheiro ia, para onde ia, como voltava e quando voltava. Olhamos o fluxo de caixa para entender as necessidades e foi possível fazer o financiamento em um modelo que o mercado de crédito em si pouco faz, que é ter um pagamento único de antecipação de recursos. Eu te financio hoje para produzir e em certo tempo recebo de volta para quitar o financiamento. Temos que ter a capacidade de olhar esse processo financeiro, mas também é importante olhar para a capacidade de quem vai produzir para saber se o resultado será entregue", explicou Rossi.

Laura Rossi também afirmou que a busca por investimentos privados requer pensamento criativo e, no Brasil, quando pensamos em estruturas de negócios, muitas produtoras e até órgãos públicos ainda são muito fechados e pensam "dentro da caixa". Um exemplo do pensamento criativo buscado pela empresa foi um contrato fechado entre MUV Capital e Retrato Filmes no último ano que buscou soluções financeiras que praticamente não existem no Brasil. Foi feito um modelo de co-investimento com distribuição para a aquisição de vários projetos e investimento em comercialização em carteira. O acordo conta com um total de seis projetos onde o investidor, a MUV e a Retrato Filmes fazem um aporte e buscam atrair novos investidores. O chamado "pool de investidores" inclui também a distribuição e nos próximos meses serão lançados filmes que a Retrato Filmes adquiriu em Cannes e o retorno do investimento será baseado na receita da exploração comercial das obras.

"O histórico da empresa e o tracking record são primordiais para entender se há possibilidade de recuperação de investimento por parte do investidor. Isso sempre é olhado antes de um acordo para investimento privado, então se for uma empresa muito nova, por exemplo, provavelmente terá que se associar a uma empresa que já tem um histórico para conseguir acessar o recurso privado. Um dos pontos mais importantes que olhamos também é o plano de financiamento ou plano de negócios e como é a estrutura de direitos. Olhamos para o projeto audiovisual para entender se tem uma coprodução, e se já existe um contrato de direitos ou comissão porque isso também interfere. Quando olhamos para uma produção audiovisual, principalmente pensando nas receitas de exploração comercial, essa estrutura dos financiamentos e direitos vão ser muito relevantes, então é preciso 'organizar a casa' para entender como podemos entrar com o recurso privado. Em 2025, a MUV está mirando projetos pelo 50% financiados nas áreas de produção, pós-produção e comercialização. Hoje não olhamos para projetos em desenvolvimento", destacou a Head de Investimentos em Audiovisual da MUV Capital.

Do outro lado da mesa de negociação, Gustavo Mello também explicou que, para buscar o investimento privado, uma produtora deve ter ao menos um roteiro desenvolvido e, no caso de uma série, um episódio piloto e, no caso de filmes, os tratamentos um e dois desenvolvidos. Isso é primordial para que o investidor já consiga visualizar o projeto para diminuir os riscos, tornando-se inviável a busca por investimento privado tendo, por exemplo, apenas uma sinopse do projeto. Além disso, também destacou que é importante os projetos conseguirem performar bem também fora do Brasil, pois isso diminui os riscos e aumenta a confiança dos investidores.

"Nossa indústria é baseada em tentativa e erro e sempre vai ter um grau de acerto e um grau de erro que fazem parte do negócio. Nós buscamos construir projetos criativamente fortes com capacidade de fazer as produções se comunicarem com a audiência e conversar com as pessoas. No caso do investimento privado, é muito importante que as produções possam 'viajar' e se conectar com uma audiência internacional. Hoje olhamos para fora e vemos séries com performance sólida em outros territórios. O streaming ajudou muito nisso e teve um impacto muito forte para o nosso mercado, porque até 2016 ou 2017 existia um paradigma de que séries faladas em português não conseguiam viajar e isso criava uma grande barreira. Hoje podemos nos conectar com o mundo e enxergamos isso como uma oportunidade, até para atrair investimentos privados", explicou o sócio da Boutique Filmes.

Durante o painel também foram abordados investimentos públicos, com o consenso dos participantes de que o próprio modelo de investimento público deveria incentivar o investimento privado. Hoje o mercado audiovisual traz riscos inerentes ao negócio, e Laura Rossi apontou que uma alternativa que ajudaria a estimular a indústria audiovisual seria o investimento híbrido, com parcerias público-privadas.

"A RioFilme e a Spcine, por exemplo, estão de parabéns pelos seus mecanismos e políticas criadas. Ainda há muito a melhorar e crescer no nível de recursos, mas as políticas dialogam bem com a forma como a indústria mundial funciona. O FSA ainda é um calcanhar de Aquiles no Brasil, e acredito muito no investimento híbrido. Queremos trabalhar e fazer funcionar junto com o FSA, mas ainda é um fundo que precisa de melhorias para ser pensado de fato para uma cooperação entre iniciativa pública e iniciativa privada porque no discurso a Ancine prega muito isso, mas na prática quando escrevem os editais, essa pretensão de estimular e fomentar o investimento híbrido fica esquecido", disse.

Por fim, diante das dificuldades de investimentos híbridos ou públicos, Gustavo Mello destacou a importância de parcerias internacionais para conseguir tirar alguns projetos do papel: "O investimento público voltado para a indústria do audiovisual tem que ser objetivo e é interessante citar que nossas coproduções internacionais só aconteceram porque houve um financiamento pelo cash rebate de São Paulo. O cash rebate é um mecanismo que se conecta com o investimento privado enquanto mecanismos como o FSA, por exemplo, têm uma dificuldade tremenda de se conectar com investimentos privados. Os investidores internacionais não entendem o nosso sistema e para impulsionar a indústria com rapidez deveríamos ter mecanismos mais claros", finalizou.

Ao final do painel, Belat e MUV Capital ainda disponibilizaram um guia para explicar como captar recursos privados para projetos audiovisuais que está disponível neste link.

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