05 Agosto 2025 | Yuri Cavichioli
Disrupção, raízes e emoção: “Paterno” gera debates sobre gênero e território no cinema brasileiro
Diretor e elenco falam da importância de mostrar pluralidade brasileira em novo longa
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Com a proposta de olhar de uma perspectiva atípica, Paterno (Filmes do Estação), dirigido por Marcelo Lordello, traz à tona temas como gentrificação e relação paternal. Sua estreia será na próxima quinta-feira (7), após uma longa trajetória de produção iniciada em 2017 e finalizada em 2022, passando por festivais desde que foi finalizado.
Na semana passada, o Portal Exibidor conversou com Marcelo Lordello, que também assina o roteiro (ao lado de Fábio Meira e Letícia Simões) e com os atores Marco Ricca e Tomas Aquino a respeito de Paterno. O bate-papo foi marcado por temas importantes que vão desde o mercado cinematográfico até a importância da pluralidade geográfica e representativa dessas obras ao descentralizar as produções do sudeste do país.
Na trama, Marco Ricca interpreta um empresário e arquiteto que tem interesse na região de Brasília Teimosa (PE) e tenta convencer moradores a aceitarem as ofertas de aquisição de seus imóveis. No entanto, a relação com a família — que detém os negócios da empreiteira —, unido à conflitos internos, dão o tom desse drama com Ricca, além de Tomas Aquino, Rejane Faria, Gustavo Patriota, Nelson Baskerville e muitos outros do elenco.
No cerne da narrativa, o empresário Sérgio transita entre tensões familiares e o impacto da especulação imobiliária no popular bairro Brasília Teimosa, de Recife. Segundo os entrevistados, a filmagem trouxe à tona discussões sobre relações intergeracionais, legado paterno e alienação urbana — explorando conflitos como a gentrificação e a herança moral em famílias brasileiras em crise. Há, por parte do protagonista, uma busca por inovação na empresa e uma consequente fuga da sombra paterna, que assola a ele e o irmão.
O diretor, ao discutir o processo criativo, destacou o valor de retratar o olhar do opressor e também como oprimido, afastando-se de protagonistas heroicos comuns ao cinema nacional. “Essa era a ideia da gente se aproximar do público e dele [Sergio], gerando algum tipo de empatia e compreensão por parte de quem assistia”, afirmou Lordello.
Exibido no 11º Olhar de Cinema de Curitiba, 25º Festival do Rio, 46ª Mostra de São Paulo e 17º Fest Aruanda, Paterno teve passagem destacada pelo circuito de festivais e recebeu diversos prêmios, entre eles o Prêmio da Crítica, Melhor Ator para Marco Ricca e Melhor Atriz Coadjuvante para Rejane Faria.
“A recepção em festivais foi uma surpresa positiva, especialmente pela potência da narrativa. Mesmo nós dentro da equipe, não tínhamos noção completa do impacto que teria, até sermos chamados, sermos premiados, sermos vistos como filme poderoso”, ressaltou Lordello.
Realidades do mercado cinematográfico
Ambientada em áreas populares de Recife, Paterno optou por um tom intimista, ao se alocar em certo momento do filme, dentro da casa de moradores de bairros como Brasília Teimosa e Santo Amaro, ocasionando em diálogos e em uma narrativa mais verossímil, segundo elenco e o diretor. Lordello conta que as experiências externas trouxeram autenticidade aos personagens, onde os diálogos com as famílias e a vivência cotidiana permeavam o roteiro e a atuação, fazendo tudo ser “mais poroso” e menos óbvio.
“Ainda sonho que o nordeste seja uma grande produção que as pessoas queiram ir e morar. No começo da minha carreira, tive que sair de Recife para tentar ‘algo a mais’, porque sabia que o centro financeiro está mais no sudeste, principalmente no Rio [de Janeiro] e São Paulo. Tive que construir a minha carreira nesses estados, para hoje poder ter a escolha de onde realmente quero morar”, declara Tomar Aquino.
Esse êxodo em busca de espaço no mercado pode ser combatido a partir de políticas públicas como forma de incentivo cultural. O ator Marco Ricca comenta que, quando há pessoas interessadas em compreender que a cultura é relevante e que o fomento para também descentralizar esses investimentos no cinema do eixo Rio-São Paulo, tem muito valor e potencial. Ele ainda comenta que houve um movimento fervoroso para essa descentralização, e aponta que é uma luta constante, por existir talentos incríveis por todo o território brasileiro.
Por outro lado, Lordello mostra que os investimentos tiveram um resultado positivo na realidade dele e de outros diretores da cena, de sua geração: “Diretores como Lírio [Ferreira], Claudião [Cláudio Assis], Paulo Caldas, Hilton [Lacerda] vieram para São Paulo e Rio de Janeiro em uma época. Já da minha geração, como Gabriel Mascaro e Leonardo Lacca, não necessariamente precisaram se mudar. Isso é efeito de políticas públicas. Acho que temos que lutar por essa multiplicidade. E os exibidores também têm que entender que o brasileiro quer se ver na tela de diferentes formas”, completa Lordello.
Diversidade de olhar
Paterno reafirma a necessidade de descentralização no cinema brasileiro. A produção retrata o talento regional e ecoa a urgência de um mercado que valorize produções locais e diferentes narrativas. Os atores destacaram que muitos artistas ainda migram para o sudeste por falta de oportunidades, o que reforça a importância de políticas culturais eficientes nos estados.
O diretor conta que a pesquisa o fez conhecer melhor o local. Em Brasília Teimosa, quando houve a locação, foi feito uma busca com famílias dispostas a abrir suas casas que, ao explicarem a proposta a respeito do propósito do filme e o tipo de abordagem que era pretendido, foi essencial para o acolhimento e imersão dos personagens.
“Era um lugar que eu conhecia pouco, mas a pesquisa fez com que me debruçasse mais. Na locação, fomos atrás de família que abrissem as casas em Brasília Teimosa. A conversa com a família foi muito importante. Explicar o que era esse filme, que tipo de abordagem queríamos ter, acho que essa transparência foi importante para que eles abraçassem a causa”, conta Lordello.
Os anos entre filmagem e estreia
Protagonizado por uma linha temporal atípica, onde foi iniciada as filmagens em 2017, sendo finalizado em 2022 e será lançado ao público em geral em 7 de agosto de 2025, Paterno ganha relevância numa retomada do cinema nacional pós-pandemia.
Os desafios envolveram muitas variáveis, como lembrou Lordello: “Passamos por eras, como mudança de governo, pandemia, escassez de recursos. Mas isso nos forjou, e hoje ele chega num momento favorável para o cinema brasileiro onde o público valoriza o olhar diverso e o filme respira nesse novo cenário”.
É justamente neste agosto de 2025, em um ano em que o cinema nacional vem ganhando força, que Paterno pode encontrar um público mais disposto a ver diferentes olhares refletidos na tela. A produção afirma-se não só pela qualidade dramática, mas também pela urgência narrativa num país ainda marcado por desigualdades urbanas e tensões de classe.
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