10 Setembro 2025 | Redação
"O Brasil é protagonista no consumo do audiovisual, mas estamos cansados de não sermos protagonistas no mercado produtor e distribuidor", destacam fundadores da Gullane
Fabiano Gullane e Caio Gullane falam sobre homenagem à produtora que acontecerá na Expocine 2025
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Quando pensamos em produtoras brasileiras, é impossível deixar a Gullane de fora da conversa. Prestes a completar 30 anos, a produtora carrega consigo a chancela de grandes sucessos de público e crítica recentes. Além de clássicos como Carandiru e Que Horas Ela Volta?, o atual momento também se mostra bastante promissor. No último ano, por exemplo, a produtora levou Motel Destino para a competição de Cannes, lançou Arca de Noé, considerada a principal animação brasileira, e a série Senna se tornou a maior série feita na América do Sul. Para consolidar, o documentário Milton Bituca Nascimento (Gullane+) foi sucesso de crítica em 2025. Esses são apenas alguns dos predicados que levaram a Gullane a ser a homenageada da EXPOCINE 25 na categoria produção.
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Reconhecida como uma das maiores produtoras do audiovisual brasileiro, desde de a sua fundação em 1996, a Gullane já foi responsável por mais de 100 longas e séries, além de trazer no currículo mais de 500 prêmios e seleções em festivais como Cannes, Veneza, Berlim e Sundance. Para celebrar o momento da produtora, Fabiano Gullane e Caio Gullane passaram à limpo toda a história de sucesso, relembrando das dificuldades, da perseverança e da importância de união de todos os elos da cadeia do audiovisual, além de destacarem a importância do reconhecimento dado na Expocine 25, e também a relevância do evento para o mercado.
Dando sequência às entrevistas com os homenageados da Expocine, o Portal Exibidor conversou com a dupla, que fez uma análise do mercado como um todo, abordando até mesmo a importância da internacionalização de obras brasileiras e a necessidade da regulação do streaming. Vale ressaltar que, enquanto algumas perguntas foram feitas por nossa equipe de redação, parte da entrevista foi retirada do podcast OdeioCinema, que está exibindo episódios oriundos de uma parceria do grupo AdoroCinema com a Tonks, conglomerado que detém os direitos da Expocine e do Portal Exibidor.
"Quando escolhemos o cinema, foi uma escolha ousada porque estávamos no início dos anos 1990, com uma recessão enorme para a cinematografia brasileira e extinção da Embrafilme, então tivemos que insistir muito. Logo em seguida, nossos amigos e amigas que também faziam cinema se interessaram em fazer comerciais de TV e o comercial tinha um mercado muito pujante naquela época. Pela nossa natureza, nunca nos interessamos e insistimos em fazer o que hoje chamamos de conteúdo, que era fazer filmes, e isso foi uma escolha muito certeira e estamos trabalhando há 30 anos com isso", resumiu Caio sobre o início da produtora.
A conexão dos irmãos com o cinema e audiovisual começou quando ainda eram jovens e Fabiano começou a trabalhar com dublagem e edição de som, enquanto Caio trabalhava como ator e palhaço fazendo performances. Rapidamente o audiovisual fez brilhar os olhos da dupla, que ingressou na faculdade de cinema na FAAP. Devido ao momento de recessão citado anteriormente, o início não foi fácil. Entretanto, com perseverança, Fabiano e Caio encontraram na produção de curtas-metragens um caminho para seguirem com seus sonhos.
"Passamos por todo tipo de dificuldade e provação. Tivemos que dobrar a aposta no sentido de realmente querer seguir com essa carreira e tivemos muita resiliência porque foram muitos ‘nãos’ e portas fechadas, mas nunca abandonamos o sonho de viver com cinema. Diante disso, queria deixar uma primeira mensagem para não desistirem, porque é difícil mesmo, e uma segunda porque na faculdade todo mundo quer dirigir e não sobra ninguém para outras funções. O audiovisual não é só direção e existem muitos começos como, por exemplo, montador, diretor de fotografia, fazer trilha sonora. Existem muitas carreiras lindas no cinema. Além disso, os primeiros passos de qualquer pessoa são em curtas-metragens. Não dá para querer pegar um atalho e é importante experimentar, errar, acertar e ter ambição com seu curta. Antes de fazer nosso primeiro longa, fizemos 15 ou 16 curtas, e é aí que você tem um aprendizado sem tanta cobrança", destacou Fabiano.
Os percalços, inclusive, ajudaram a Gullane a conhecer diferentes universos e adquirir experiências que resultaram em um catálogo bastante diverso com animações, séries e longas, por exemplo. Caio também destacou que a produtora seguiu um caminho de empreendedorismo, mas sempre priorizando produções criativas e artísticas. O executivo afirmou que a Gullane não "embarca" em nenhum projeto que não acredite artisticamente, mas, principalmente, não abraça projetos que não tenham "a linha de chegada" do filme bem definida. Desta forma, a Gullane se mantém sempre atenta aos movimentos e rumos do mercado.
"Deixamos de ser guerreiros do cinema para nos tornarmos empresários bem-sucedidos no setor audiovisual. Isso mostra a maturidade do mercado brasileiro e dos mercados independentes em todo o mundo, que estão cada vez mais se apropriando de seus mercados domésticos, e cada país tentando exportar cada vez mais seu audiovisual. Então junto com a qualidade artística e relevância das obras, tem que ter uma organização para poder competir de forma profissional e em alto nível", completou Fabiano, já introduzindo a importância da internacionalização.
Cerca de 80% das produções consumidas em todo o mundo, aliás, são na língua inglesa. Isso obviamente dificulta a internacionalização de obras brasileiras, uma vez que essas e produções em outras línguas de todo o resto do mundo brigam por uma parcela de apenas 20% do mercado. Diante desse cenário, a Gullane tem como uma de suas missões um olhar atento ao mercado para conseguir levar suas ideias, mensagens e reflexões para todo o mundo, e não apenas para o Brasil.
Essas mensagens e reflexões, aliás, possuem uma importância de resguardar memórias e a história através do audiovisual. Para a dupla, o cinema é também um lugar de educação e cultura, indo muito além de uma peça de entretenimento e ajudando a enobrecer e formar opiniões do público como um todo. Carandiru, inclusive, é um exemplo desse papel do audiovisual.
"Com o cinema e o audiovisual nós revisamos, guardamos e resguardamos a memória e o orgulho de coisas e histórias que vivemos. 'Carandiru' é um exemplo que talvez muitas gerações nem saibam o que é, mas foi uma das prisões mais violentas e superlotadas do mundo, onde houve um dos massacres mais graves do mundo, e temos essa história para contar e formar a memória. As pessoas vão saber que isso aconteceu e 'Carandiru' é um exemplo prático da importância e relevância do cinema e do audiovisual em qualquer país ou lugar do mundo", refletiu Fabiano.
Durante a conversa, Fabiano também destacou que tão importante quanto produzir é saber comercializar e distribuir os filmes. Nos primeiros anos de existência da Gullane, o executivo teve a percepção que faltava ao mercado dar a devida importância para distribuição e comercialização, e enxergando essa brecha a produtora foi se inserindo no mercado para ocupar esse espaço e trilhar seu próprio caminho de sucesso.
"Já tínhamos o ímpeto de produzir e decidimos juntar com pelo menos uma tentativa de ir para os festivais, tentar uma distribuição e um caminho em que o filme fica pronto e nasce para o mundo. Em 'Bicho de Sete Cabeças', por exemplo, começamos sem nada e agregamos uma coprodução da Itália, a Sony para distribuir, agregamos festivais e fomos para Toronto e muitos outros festivais, e o filme virou um sucesso. A Gullane nasceu assim e entramos no cinema pelo lugar que víamos que necessitavam de esforço e não tinham pessoas com essa intensidade e intenção artística de produzir e ali criou-se um caminho", disse.
Abordando o mercado como um todo, Caio também afirmou que, embora o Brasil tenha uma das políticas públicas para o audiovisual mais celebrada das últimas décadas, é necessário fazer ajustes, sobretudo, em relação à regulação do streaming. Ele destacou que diversos países já passaram por esse processo e é essencial que o Brasil também delimite regras a serem seguidas por geradores de conteúdo internacionais.
"Estamos vivendo um momento interessante no Brasil e em uma mão temos as políticas de fomento e incentivo, e na outra temos as plataformas olhando para o Brasil sedentas, porque é um país continental e com um público muito grande. Discussões entre essas partes do setor não são produtivas porque somos o mesmo setor e na Gullane vamos fazer tanto filmes e séries independentes, quanto para as plataformas. Essa é uma tendência universal, temos alguns projetos tramitando e somos presentes nessa discussão que é muito importante para nós. Temos regras e leis que nosso país coloca e trabalhamos com elas, mas é importante que instituições e geradores de conteúdo internacionais também se adaptem às regras", afirmou.
Por fim, tendo como referência um cinema que frequentavam em São Simão, no interior de São Paulo, quando eram jovens, Caio e Fabiano também revelaram o desejo de atuar como exibidores no futuro. Para eles, em uma cidade pequena, por exemplo, o cinema pode ter um uso misto e servir como teatro, para debates e até mesmo de tornar um auditório para eventos que ajudem na difusão cultural.
"O audiovisual é um conjunto e a gente participa da criação, do financiamento, da produção, do lançamento, da promoção, e temos muita vontade de participar também da exibição. A sala escura e a tela grande, com todo respeito às outras telas que também trabalhamos muito, mas a tela do cinema e a experiência de estar concentrado só naquela história não tem nada igual. Íamos no Cine Oásis em São Simão e temos essa vontade. O cinema é um lugar de ritualizar na sala escura e um lugar de encontro. É uma atividade que se completa quando chega no público e entendemos o cinema como um lugar de educação e cultura também", destacou Fabiano antes de fazer uma reflexão sobre o papel de protagonismo que o Brasil deve assumir no mercado de produção e distribuição. "O Brasil é um dos maiores protagonistas mundiais no consumo de audiovisual. É número dois na Netflix, número dois na HBO e estamos entre as cinco ou oito maiores bilheterias de filmes do mundo. Nós geramos uma riqueza muito grande como mercado consumidor e somos protagonistas nesse mercado, mas estamos cansados de não sermos protagonistas no mercado produtor e distribuidor", finalizou.
EXPOCINE 25
Sendo a Gullane a grande homenageada da EXPOCINE 25 no segmento de produção, a própria história da produtora já começou mostrando que o sucesso seria questão de tempo. Mesmo diante das dificuldades, Bicho de Sete Cabeças, o primeiro filme assinado pela Gullane, já se mostrou a frente do seu tempo pelo simples fato de já no início dos anos 2000 explorar a possibilidade de coprodução internacional com profissionais de outros países. Além disso, o longa levou diversos prêmios nacionais e internacionais, mostrando que havia muito potencial naquilo que estava nascendo.
Hoje, mesmo com uma trajetória de sucesso, os irmãos Gullane ainda enxergam dificuldades dentro do mercado audiovisual independente, que vão desde questões burocráticas até a falta de previsibilidade de nossas políticas públicas, passando pelo sempre presente desafio de atrair o público brasileiro para assistir obras nacionais nos cinemas. Entretanto, devido a perseverança, otimismo e resiliência em seguir um sonho, a produtora foi alçada ao patamar de ser homenageada no maior evento voltado ao mercado cinematográfico da América Latina.
Nos tempos atuais o Brasil se consolidou como um dos principais mercados de consumo audiovisual do mundo, e na visão da dupla, a Expocine surge exatamente como um espaço essencial para que esse enorme mercado seja discutido.
"Como avançar cada vez mais como grande mercado consumidor? Como atrair mais público para os cinemas? Como aumentar ainda mais nossa audiência nas plataformas de streaming e no universo digital? Como criar propriedades intelectuais de sucesso que permaneçam sob controle da indústria nacional? A Expocine é uma grande oportunidade de nosso mercado para analisarmos nosso passado, planejar e agir no presente e construir e sofisticar nosso futuro", destacam Fabiano e Caio.
Os irmãos também fizeram questão de enaltecer a importância estratégica da Expocine ao aproximar toda a cadeia do audiovisual (produção, distribuição e exibição), e também destacaram o papel crucial que o evento exerce na defesa da janela de cinema.
"Para a Gullane, ser homenageada pela Expocine 2025 é uma honra sem palavras. Ficamos muito emocionados, felizes e satisfeitos por esse reconhecimento. São quase 30 anos dedicados ao audiovisual brasileiro, em um trabalho que passou por várias frentes, como: Desenvolver nossa indústria, histórias e talentos; colaborar na criação dos mecanismos de produção; colaborar na estruturação da política pública de regulação e fomento do mercado audiovisual no Brasil; conquistar o mercado brasileiro, atraindo e construindo parcerias com distribuidoras, televisões e plataformas de streaming; buscando sempre a inserção da obra audiovisual brasileira nos principais festivais internacionais, nas coproduções e no concorrido mercado das vendas internacionais, além de tantas outras atribuições e desafios. Toda essa trajetória está reconhecida nesta homenagem. Em nome da Debora Ivanov, do Caio Gullane, do Fabiano Gullane e, de todos os nossos colaboradores e colaboradoras, diretores, diretoras, coprodutores, roteiristas, atriz
Por fim, os sócios também destacaram que a Gullane segue muito comprometida com o cinema brasileiro, investindo cada vez mais nas histórias que o Brasil quer ver e nos filmes que o Brasil quer contar, e que o foco agora está em grandes projetos que tenham ambição tanto para o mercado nacional, quanto internacional. O catálogo para o futuro da produtora conta com filmes de realizadores importantes como Cao Hamburger, Roberto Santucci, Laís Bodanzky, Karim Ainouz, Viviane Ferreira, Sandra Kogut, Sabrina Fidalgo, Sérgio Machado, entre outros e, por isso, a Gullane tem o objetivo de cada vez mais se consolidar como uma importante criadora e produtora audiovisual, combinando qualidade artística com relevância comercial, sempre priorizando histórias autenticamente brasileiras que tenham potencial de conquistar audiências globais.
"Também queremos destacar o crescimento da Gullane+, nossa área de distribuição liderada pela Debora Ivanov. Temos muita convicção de que, neste primeiro momento da Gullane+ no mercado, nosso maior foco é o conteúdo brasileiro distribuído no Brasil e no mundo, com projetos como 'Rio do Desejo' de Sérgio Machado, 'Milton Bituca Nascimento', da Flavia Moraes, '3 Obás de Xangô', de Sérgio Machado, 'Para Vigo Me Voy', de Lírio Ferreira e Karen Harley, 'O Projeto', de Sabrina Fidalgo e muitos outros. Acreditamos que o Brasil tem todas as condições para ser um protagonista mundial na indústria audiovisual, e a Gullane quer estar na linha de frente dessa transformação", encerraram Caio e Fabiano.
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