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Artigo / Audiovisual

08 Outubro 2020

Uma questão de forma

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Uma das características do sentido da vista é o campo visual.  Com a vista fixada direto para frente, a imagem percebida pela combinação dos dois olhos resulta ser maior no sentido horizontal que no sentido vertical. Naturalmente, isto se manifesta nas imagens projetadas. No cinema e a televisão, a relação entre a largura e a altura da imagem e chamada de “relação de aspecto”.

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As primeiras projeções com slides de vidro em lanternas magicas tinham formato circular ou quadrado, e quando as imagens ganharam movimento, foram implementadas inúmeras relações de aspecto, já que evidentemente o formato quadrado não parecia ser confortável, e sempre se incrementou a largura. No cinema mudo o favorito era um retângulo na proporção 4 a 3, ou seja 1.33 a 1, depois adotado pela televisão analógica. Mas a partir de 1927, com a introdução do som registrado numa trilha na mesma película de 35 mm junto com a imagem, foi necessário alocar espaço para esta banda e se optou por um fotograma de tamanho menor, mas com relação de aspecto 1.37 a 1. 

Isto continuou por décadas, com o som em formato mono. Mas na década dos 50, com a crise provocada nas bilheterias pela chegada da televisão, o cinema começou a se reinventar  introduzindo muitas novidades nos formatos de som e imagem, algumas espetaculosas, criando uma boa diferença com o que a televisão oferecia, com as suas telinhas em branco e preto e relação de aspecto 1.33  a 1.  Cada estúdio lançou seu próprio formato, alguns utilizando   o bom e velho filme de 35 mm, outros em filme de 70 mm. O denominador comum das novidades foi incrementar a largura da tela. Mais a bitola maioritaria e mais econômica em termos relativos sempre foi a de 35 mm. Para poder implementar uma imagem bem mais larga no mesmo filme onde se já imprimia em relação de aspecto 1 a 1.37, se optou por uma solução engenhosa, o anamorfismo. O tipo utilizado neste caso, age sobre a largura. Mediante uma ótica especial, a imagem se comprime lateralmente durante a captação, e na hora da projeção, uma lente especial a estica na mesma relação para recuperar as proporções corretas. A mesma técnica se utilizou por diferentes estúdios, cada uma com alguma variante e registrada com seu nome proprietário, mas a que sobreviveu comercialmente e virou o padrão anamórfico favorito foi o Cinemascope, introduzido pela Twentieth Century Fox. O sistema se baseava numa invenção do século XIX devida ao genial astrônomo e optico Henri Chretien. Como a única modificação necessária era a ótica da câmara e do projetor por meio de uma simples substituição da lente, não afetava maiormente o processo de fabricação dos negativos nem do copiado, utilizando as mesmas bitolas das máquinas de copiado, revelado e do projetor. Posteriormente a Panavision introduziu melhoras na imagem deste formato. A relação de aspecto que finalmente se adotou na película foi a de 2.39 a 1 e ganhou o apelido de “Scope”. Mas a imagem não anamorfizada chamada de “plana” com relação de aspecto de 1.85 a 1 continuou em uso, e isto tem a ver com conceito estético.  

Esta história é importante porque hoje no sistema digital DCI, herdamos estas relações de aspecto e nomes. Ou seja, os DCP’s atuais vêm em dois formatos: “Scope” e “Plano”, e incluso estão incluídas na identificação do DCP como “F” por “Flat” e “S” por “Scope”. Importante, porque a seleção da relação de aspecto na projeção não está automatizada e o operador precisa ler com cuidado a etiqueta e programar adequadamente.

Mas aqui temos que colocar dois formatos de imagem numa mesma tela. E há duas maneiras de fazer isto. Ou mantemos a largura fixa, por exemplo quando pretendemos utilizar esta dimensão da sala na sua totalidade, e aqui necessariamente a projeção terá que adequar-se mudando a altura da imagem, sendo esta menor para o formato “Scope”. Ou bem podemos manter a altura da tela constante, e ali mudará a largura da imagem, sendo esta mais estreita para a projeção “Plana”. Naturalmente, em qualquer uma das duas opções, sempre existirá uma parte da tela não utilizada. Uma solução elegante é utilizar o “masking”, que são painéis escuros automatizados que deslizam sobre a parte branca exposta da tela, seja na horizontal ou na vertical. Ou aproveitar em parte as cortinas deslizantes, uma raridade hoje em dia. Essa mudança na posição dos painéis é parte da automação que pode também ser programada na playlist. A parte não utilizada da tela quando fica exposta, não resulta ser muito evidente durante a projeção, já que a atenção está voltada para a imagem. Em relação ao projetor, quando recebe a instrução de cambio de formato, muda em forma interna a relação de aspecto da imagem, sem necessidade de mudar a lente. O que acontece no projetor nesse momento são várias operações, cuidadosamente reguladas na hora da instalação do projetor para adequar a projeção à tela instalada, mas para o operador se reduz a um comando programado e disparado logo antes do filme. Quando se implementa o masking, este muda simultaneamente.

Existem outras relações de aspecto em uso nos cinemas, por exemplo no sistema IMAX, mas estas são salas especializadas.  Já a televisão digital implementou o formato 16:9, ou seja 1 a 1.77. Isto afeta a projeção de eventos especiais, como ser projeções ao vivo de eventos esportivos ou teatrais, já que estas apresentações utilizam a infraestrutura de broadcasting. Geralmente nestes casos, existirá um recorte da imagem, já que a projeção normalmente só está preparada para Plano ou Scope.

Estes dois formatos são utilizados normalmente e não oferecem maior dificuldade de operação. Isto é fundamental, já que só sobrevive no cinema aquilo que a estética precisa, enriquece a experiência e não complica demasiado. Nos acompanharam durante setenta anos e incluso atravessaram a traumática mudança para o sistema digital

Carlos Klachquin
Carlos Klachquin | CBK@dolby.com

Carlos Klachquin é gerente da DBM Cinema Ltda, empresa de serviços, projetos e consultoria na área de produção e exibição cinematográfica. Formado como engenheiro eletrônico fornece suporte de engenharia em tecnologias de áudio, entre outras empresas, para Dolby Laboratories Inc, sendo responsável também pela administração de operações vinculadas à produção Dolby de cinema e ao licenciamento das mesmas na América Latina. Desde 2013, trabalha na implementação do programa Dolby Atmos na América Latina, incluindo a supervisão da instalação e a regulagem dos sistemas em cinemas e estúdios e da produção de som Atmos no Brasil.

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