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Artigo / O status do cinema como arte e os primeiros cineclubes - Parte 02

09 Junho 2021

O status do cinema como arte e os primeiros cineclubes - Parte 02

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No artigo anterior, de mesmo título, falei acerca das primeiras teorias que buscaram dar o status da arte para o cinema, nas décadas de 1910-1920 e como as reflexões sobre a linguagem cinematográfica foram tardias no Brasil, cabendo as primeiras iniciativas aos nascentes cineclubes.

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Em 1917 um grupo de jovens, no Rio de Janeiro, já começava a atuar no que seria um embrião de cineclube, assistindo filmes e debatendo posteriormente, esse coletivo era formado por Adhemar Gonzaga, Álvaro Rocha, Pedro Lima e Paulo Vanderley, entre outros.

Todavia, formalmente, no Brasil o primeiro cineclube, o Chaplin Club, foi fundado em 13 de junho do ano de 1928 no Rio de Janeiro, persistindo até o advento do cinema sonoro. Seus fundadores eram pessoas de grande prestígio intelectual no Brasil, como Otávio de Faria, Almir Castro, Cláudio Mello e Plínio Sussekind Rocha. O Chaplin lançou, em agosto deste mesmo ano, o primeiro número de O Fan, sua publicação oficial, que foi mantida durante dois anos, com o total de sete números, os cinco primeiros como jornal e os demais como revistas.

 

O CHAPLIN foi o mentor a cultura cineclubista no Brasil, herdeiro da tradição da vanguarda francesa. Durante a sua curta existência, pautou a sua atuação em defesa dos ideais estéticos de seus sócios: o cinema silencioso. O CHAPLIN exibiu, em primeira mão, o filme brasileiro mais importante deste período Limite, de Mário Peixoto. A sessão aconteceu no imponente CAPITÓLIO, de Francisco Serrador em 1931. Os seus dois mais notórios sócios, Faria (Otávio) e Rocha (Plínio Sussekind) desempenharam importante papel na formação da cultura brasileira e cinematográfica, influenciando personalidades de gerações distintas como: Vinícius de Moraes, Paulo César Saraceni entre outros. (GATTI, André. Cineclube. in: RAMOS e MIRANDA, 2000: 128)[i]

 

Nas décadas seguintes o Brasil vivenciou mais e mais jovens se interessando por agregar aos seus conhecimentos tanto a técnica quando a estética cinematográfica. Quem tinha condições financeiras buscava estudar nas emergentes escolas europeias, a quem ficava restavam os cursos livres ligados ao ensino mais técnico, sendo que as reflexões e debates teóricos esquentavam e aumentavam o número de cineclubes.

Em agosto de 1940, foi criado outro importante coletivo cineclubista, na Faculdade de Filosofia da Universidade de São Paulo, o Clube de Cinema de São Paulo, que realizou diversos debates e sessões públicas “foi a primeira manifestação concreta do interesse intelectual por cinema que começa a surgir em São Paulo” (GALVÃO, 1981:28)[ii].

Seus organizadores foram pessoas essenciais na construção das atividades de ensino e pesquisa do cinema no Brasil, muitos deles fundando organizações que se tornariam, direta ou indiretamente, escolas de cinema reconhecidas até hoje. Vale citar Paulo Emílio Sales Gomes, Décio de Almeida Prado, Lourival Gomes Machado, Antonio Cândido, Ruy Coelho e Cícero Cristiano de Souza.

O Clube de Cinema de São Paulo existiu por apenas um ano, sendo fechado pelo DEIP, Departamento Estadual de Imprensa e Propaganda.

Esta censura estatal acabou por mandar para clandestinidade toda e qualquer atividade cineclubista, que só foi retomada após a Segunda Guerra Mundial.

Em 1946 dois importantes cineclubes foram criados: um segundo Clube de Cinema de São Paulo, que iniciou suas atividades no auditório do Consulado Americano e foi o germe da Filmoteca do Museu de Arte Moderna de São Paulo e da Cinemateca Brasileira, e o Clube de Cinema da Faculdade Nacional de Filosofia, no Rio de Janeiro, estruturado por Plínio Sussekind Rocha.

O Clube de São Paulo teve papel intenso no meio cinematográfico da época, mantendo ações de formação e estimulando a criação de novos cineclubes.

Dois anos após a criação do Clube de Cinema da Faculdade Nacional de Filosofia, o Rio de Janeiro testemunhou a formação de outro cineclube importante, o Círculo de Estudos Cinematográficos (CECRJ), composto pelos críticos Luiz Alípio Barros, Alex Viany e Moniz Vianna. No Rio Grande do Sul, o Clube de Cinema de Porto Alegre surgiu sob direção de outros crítico, P.F. Gastal.

Entre o final dos anos 1940 e os anos 1980, particularmente nos anos 1950, foram criados cineclubes de vital importância em todas as regiões brasileiras, como o Cinema de Arte de Salvador, organizado por alunos e ex-alunos do Colégio Central da Bahia, entre eles, Glauber Rocham e cineclubes ligados aos CPCs – Centros Populares de Cultura - da UNE.

Em São Paulo, no ano de 1950, há que se destacar a fundação do Centro de Estudos Cinematográficos, CECSP, que funcionava junto ao Museu de Arte de São Paulo, que também sediou o Seminário de Cinema, que foi responsável pela realização, no mesmo ano, do Congresso de Clubes de Cinema.

Naturalmente, o movimento cineclubista também crescia dentro das escolas, o Cine Clube Universitário, após movimento liderado por Plínio de Arruda Sampaio, foi inaugurado em 1952. Em 1954 Saulo Pereira de Melo e Joaquim de Pedro Andrade fundaram o Centro de Estudos Cinematográficos na Faculdade de Filosofia do Rio de Janeiro.

No ano de 1960 a Federação dos Cine-clubes do Rio de Janeiro efetuou cursos de iniciação cinematográfica em dez escolas de segundo grau, criando os cine- clubes do Colégio Aplicação, Colégio Andrews, Colégio Melo e Souza, Colégio Jurema, Colégio São Fernando e Colégio Jacobina.

Consta que o primeiro cineclube de Belo Horizonte foi o Clube de Cinema de Minas Gerais, criado em 1947, por iniciativa de Jacques do Prado Brandão, Oscar Mender, Edmur Fonseca e os irmãos Geraldo e Renato dos Santos Pereira.

Minas Gerais, aliás, teve grande atividade cineclubista, com destaque ao Centro de Estudos Cinematográficos de Minas Gerais, CEC-MG,  inaugurado em 1951 por Jacques do Prado Brandão, que foi seu primeiro presidente, acompanhado de  Cyro Siqueira e Fritz Teixeira Salles. Sua primeira publicação foi a revista Cinema, como órgão divulgador, que teve um único número

Um outro cineclube mineiro importante foi o Cine-clube Belo Horizonte, que iniciou formalmente suas atividades em 3 de fevereiro de 1959, ligado à Igreja Católica, que nesta época vinha participando ativamente do estudo do cinema, estimulando e fundando cineclubes:

            Em 1962, da união do movimento cineclubista e da militância católica mineira no cinema, surgiu a primeira escola de cinema em uma universidade no Brasil, a Escola Superior de Cinema da Universidade Católica de Minas Gerais, fundada pelo frei Urbano Plentz, Carmem Gomes, militantes do cineclubismo católico, e pelo padre Edeimar Massote que junto com José Lopes, Hélio Furtado do Amaral e Humberto Didonet, seria responsável por significativos cursos de cinema.

Sobre a orientação de atuação da Igreja Católica no cinema, ministrando seminários em escolas de segundo grau e em universidades para formação de público, começando através da conservadora Encíclica Vigilanti Cura até as transformações e compromissos sociais assumidos advindos da Encíclica Mater et Magister, falarei no próximo artigo para a Exibidor.

Para não me alongar mais, trago mais algumas informações rápidas acerca dos cineclubes brasileiros.

A exemplo do que falei em artigo anterior, sobre os cineclubes no mundo, no Brasil particularmente os anos 50 e 60 foram fundamentais para o movimento, resultando na criação do Conselho Nacional de Cineclubes, hoje denominado Conselho Nacional de Cineclubes Brasileiros. Essa associação foi essencial e bastante ativa para a propagação da atividade.

Entretanto o fechamento do Conselho Nacional de Cineclubes e a extinção das federações cineclubistas acabaram por prejudicar sobremaneira o movimento, fundamental para difusão e formação de público, só sendo retomadas anos depois. Saliente-se que, apesar da repressão militar, alguns cineclubes mantiveram-se, embora na clandestinidade, assumindo caráter de grande engajamento político, dentro de coletivos como associações estudantis e operárias, situação que não conseguiram manter nos anos de 1980.

Os anos 2000 trouxeram boas novidades, impulsionadas por políticas públicas do Ministério da Cultura, MinC, quando o movimento cineclubista viu uma retomada do movimento.

O MinC lançou o programa Cine Mais Cultura, em 2007, para fomento de cineclubes em todo o País, reconhecendo-os como polos essenciais de multiplicação do cinema nacional, chegando onde os circuitos comerciais não chegam. O Cine Mais Cultura fornecia equipamentos, treinamentos e acervo de filmes. Segundo o MinC, até o ano de 2011 foram criados quase 1050 cineclubes em todo o Brasil, situação que, infelizmente, não é a mesma em tempos atuais.

Concluo o tema ressaltando a importância das atividades cineclubistas, que depois de 100 anos de história, não perderam seus valores, principalmente dentro de escolas, para formação de público e pensamento crítico.

Infelizmente, há várias tentativas, de criminalizar o papel dos cineclubes,  como o famoso caso do Cine Falcatrua, em 2007, quando a UFES foi sentenciada a pagar indenização pela exibição do filme “Fahrenheit 911”, por culpa de uma legislação que não reconhece a importância que os cineclubes ainda podem desempenhar, de fornecer reflexão e estimular a existência de um público mais qualificado, principalmente quando o ato de assistir obras audiovisuais vem se tornando, infelizmente, cada vez mais individual e cada vez menos crítico.

 

[i] RAMOS, Fernão (org.). & MIRANDA, Luiz Felipe (org.). Enciclopédia do Cinema Brasileiro. São Paulo: Editora SENAC, 2000

[ii] GALVÃO, Maria Rita E. Crônica do Cinema Paulistano . São Paulo, Ática, 1981

Luciana Rodrigues
Luciana Rodrigues

Luciana Rodrigues é coordenadora da Pós-Graduação em Gestão de Produção e Negócios Audiovisuais da FAAP e professora na mesma instituição. É parecerista da ANCINE, colaborou na criação e foi presidente do FORCINE- FÓRUM BRASILEIRO DE ENSINO DE CINEMA E AUDIOVISUAL. É Doutora e Mestre na área do Audiovisual pela USP, possui bacharelados em Comunicação- com Habilitação em Cinema- e em Direito.

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