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Artigo / Tendências & Mercado

25 Agosto 2021

A Importância das empresas de entretenimento se comprometerem com políticas de diversidade

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Atualmente existem alguns (poucos) institutos que se debruçam para um recorte de diversidade na indústria audiovisual no mundo, infelizmente no Brasil a Ancine que deveria olhar para isto interrompeu o trabalho de grande relevância encabeçado por Debora Ivanov quando Diretora da Agencia dentro do OCA. Nossos dados já são antigos, entretanto o retrato não difere muito de alguns anos atrás, infelizmente. Dados mais recentes coletados pelo Instituto Geena Davis para Gênero e Mídia mostram por exemplo no report “Representation of Black Women in Hollywood” que apenas 3.7% dos filmes de maior bilheteria na década foram protagonizados por mulheres negras, elas tem muito mais chances de serem sexualizadas se comparadas com mulheres brancas (13% contra 9%) e duas vezes mais chances de serem personagens violentas em relação a mulheres brancas, o mesmo se aplica em séries. Os dados falam da narrativa, do conteúdo, qual a surpresa se formos olhar quem está por trás? Ou seja produzindo, dirigindo e roteirizando...dica, não serão pessoas negras. O report do Annenberg Inclusion Iniative traz números tão ruins quanto em seu report sobre os 1300 filmes mais populares entre 2007 e 2019. Peguemos personagens trans, uma tragédia, personagens transsexuais com FALAS em 600 filmes entre 2014 e 2019: 4, totalizando 2 minutos na tela. E eu aposto que eram transfakes. Resumindo o report em dados nada animadores, dos 1300 filmes, 57 foram dirigidos por mulheres, 6% foram dirigidos por pessoas negras, 15% dos personagens eram negros (asiáticos, latinos, indígenas tem números ainda mais desoladores), 2,3% eram PcD e ridículos 1,6% eram LGBTQIA+. Bem, nossos números também não seriam tão diferentes se fossem coletados.



Em 2019 A.C (antes do covid) o instituto olhava para os grandes estúdios, os streamings sequer entravam na lupa, porém em uma linha, perdida no meio do report lá está a Netflix. 57 mulheres dirigiram certo? 12 foram de filmes da empresa, ou seja 20% deste montante.

E assim podemos entrar propriamente no texto: A Importância das empresas de entretenimento se comprometerem com políticas de diversidade. Bem, vamos começar pela própria Netflix. A empresa de Los Gatos possui uma sólida política de diversidade dentro da empresa, para olhar para fora, é preciso antes olhar para dentro, ou seja o quadro de funcionários. Recomendo entrar em no site da Netflix, além dos reports sobre suas produções propriamente ditas, existem dados bastante interessantes sobre quem trabalha lá. Uma das iniciativas mais atraentes são os grupos de funcionários: LGBTQIA+, mulheres, negros, indígenas, PcD, etc, importante ter espaços de acolhimento e de trocas, com certeza isto deve auxiliar para as relações estabelecidas (tem vídeos muito bons inclusive sobre isto no site). Se os grupos considerados minorias estão em posição chaves ou possíveis de opinar (como parece ser a cultura Netflix) mais chances de a produção refletir isto. Evidentemente que há planejamento, desde 2013 eles publicam no site dados de diversidade da empresa e em 2021 lançaram o primeiro report bem completo sobre como esta questão é trabalhada e quais políticas existem para que não seja da boca para fora. Além de terem com o próprio Annenberg Iniciative um report sobre representatividade em seus produtos. Algo importante de notar são iniciativas como as brasileiras Boost the Base e Shadowing, programas desenvolvidos aqui para acelerar carreiras, principalmente de pessoas negras: acelerando a base técnica e criativos em estágio já intermediário. Atualmente estão indo também para o segundo round de incubação de roteiristas negros.

Acelerações e capacitações são ótimas não só para o óbvio: aprender, mas também criar relacionamentos, circular pelo mercado. Num ambiente tão fechado, no qual as pessoas estão acostumadas a trabalhar com as pessoas de sempre, é importante furar a bolha e conhecer pessoas que muitas vezes só precisam de uma oportunidade. E estas pessoas aceleradas acabam indo não apenas para a própria Netflix, mas encontram sucesso em outros grupos de entretenimento.

Como por exemplo a Amazon que recentemente lançou uma robusta política de diversidade elaborada novamente pela Annenberg Inclusion Iniative e outros parceiros: olhar para dentro, para o quadro de funcionários, políticas internas de salários e licenças (o mesmo vale para Netflix) e o olhar para fora: equipe atrás das câmeras e em frente delas. Vale destacar que a Amazon possui metas definidas para cada grupo, o que torna a política muito interessante por ter lastro, ser possível.

Outra empresa que tem uma política bastante interessante é a Viacom com programas customizados para cada canal pertencente ao grupo. Inclusive entre os canais está o Showtime, importante canal para conteúdo LGBTQIA+ como Queer As Folks, The L Word entre outros. Dentro da VIS foi criado o Narrativas Negras, um núcleo de roteiristas negros brasileiros para desenvolvimento de produtos em formatos variados. Sem contar o BET, canal do grupo, voltado 100% para conteúdo negro que chega ao Brasil de forma gratuita no Pluto TV.

O resultado são produções mais inclusivas. A pandemia veio para embaralhar a indústria, os streamings nadaram de braçada. Ao olhar os filmes vai vistos da Netflix começamos a ver uma pequena mudança: entre os 10, metade são protagonizados por mulheres (e 3 deles não são comédias românticas/romance), 3 são dirigidos por mulheres (Old Guard tem uma equipe majoritariamente formada por mulheres), entretanto apenas 1 protagonista negro, nenhum asiático, LGBTQIA+ ou PcD. Já quando olhamos para as séries, os números melhoram e pela primeira vez um trans masculino é protagonista (The Umbrella Academy).

As pessoas querem se ver na tela, as histórias são universais porém a identificação é importante como referencia, para engajar. As mudanças estão ocorrendo e para além de políticas publicas consistentes é necessário que as empresas se engajem como vem acontecendo. Nada ocorre da noite para o dia, citando a juíza Ruth Ginsburg “Real change, endure change, happens one step at time”, se não é castelo de areia que cai com qualquer sopro. Diversidade é sobre olhar para o todo, todos os grupos, compreender os gaps, entender o amadurecimento de cada um para ser trabalhado e perseguir metas reais. É um jogo que precisa ser jogado por todes.

Malu Andrade
Malu Andrade

Malu Andrade é fundadore da rede Mulheres do Audiovisual BRASIL, membre do + Mulheres, Diretore da Coração da Selva e foi Diretore de Desenvolvimento Econômico e Políticas Audiovisual da Spcine.

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