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Artigo / Tendências & Mercado

21 Setembro 2021

Uma câmera na mão e...

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Começar um artigo com um lugar comum pode não ser muito bem visto, mas nesse contexto e momento em que vivemos, ele serve bem. Fazer cinema, ou melhor, fazer audiovisual deixou de ser ou voltou a ser uma câmera na mão e uma ideia na cabeça?  A frase é de Glauber Rocha, referindo-se ao improviso da produção cinematográfica.

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Os suportes de exibição, antes dominados pelas telas gigantes dos cinemas e pela televisão, dividem espaço hoje com diversos tipos de telas, portáteis e de todos os tamanhos. Além do suporte, a distribuição, seja ela legal ou não, também está sendo propagada de formas antes inimagináveis, graças à evolução contínua da velocidade da Internet, se tornando um fenômeno cada vez mais popular.

A democratização de equipamentos de qualidade para captação e pós-produção também tornou mais fácil, na última década, o acesso à tecnologia e a iniciativa de mais pessoas criarem e divulgarem suas histórias. A qualidade obtida através da lente de um celular tranquilamente pode substituir uma câmera. Essa nova realidade pode ser refletida pelo vencedor do Oscar de melhor documentário em 2013, "Searching for Sugar Man" do diretor sueco Malik Bendjelloul, que ao ter seu orçamento se esgotando, terminou as captações do seu filme com um iPhone. Ou ainda em 2014, um comercial de um automóvel da marca Bentley que foi gravado também com um iPhone.

Para completar esse cenário, o público está mais diversificado e eclético. A Geração definida como Millennials (nascidos entre 1980 e 1995) e a geração Z (aqueles nascidos entre 1996 e 2010) estão mudando a forma de como consumir conteúdo audiovisual através das redes sociais e plataformas de streaming. A geração Z é a que mais usa suas redes sociais como meios de informação e consumo de conteúdo, segundo estudo da Rev de 2020, empresa norte-americana de transcrição de áudio. Esse estudo também mostrou que diariamente a geração Z passa maior parte do seu tempo no Youtube (37%) e Netflix (35%). Conteúdos informativos são vistos principalmente no IGTV do Instagram. A geração dos Millennials também passa a maior parte do seu tempo no Youtube ou Instagram, onde se informam, buscam aprender algo novo com tutoriais e realizam transmissões de conteúdos. Assim, a geração passa uma hora e meia diária em plataformas de streaming como Netflix, HBO e Amazon. Tendo tudo isso em vista, estúdios de cinema estão migrando sua distribuição de lançamento para os serviços de streaming ao invés das salas de exibição, sendo que na pandemia do SARS-COV2 esse movimento foi acelerado, algo que já estava previsto nos planos dos grandes estúdios.

Logo, aquela frase citada de Glauber Rocha, hoje, mais do que nunca, pode estar sendo seguida por essa geração. É um público que produz para si. Consome uma enormidade de conteúdos, de ideias, abrindo mão de qualidade e, por vezes, da criatividade. A relevância fica justamente no consumo, atraindo marcas que se libertam das grandes produções e das amarras dos 30 segundos da TV. A segunda década do século XXI foi o ponto de partida de uma revolução na produção audiovisual, para o bem ou para o mal, mas que trouxe, através da tecnologia, uma nova era no mundo da imagem e do som.

O imediatismo dessa nova geração criou regras de ouro para o que de mais valioso existe nas plataformas de conteúdo em redes sociais: a retenção do público. Essas regras mudam com o passar do tempo. Quem nunca ouviu que um vídeo, para "segurar" o usuário (como é chamado nosso antigo espectador), precisa que os primeiros 15 segundos sejam os que definirão o sucesso do resto do conteúdo? O imediatismo fez essa regra durar muito pouco, passando para 7 segundos e logo depois para 4. Como comunicar em 4 segundos? Como contar uma história que depende de um tempo inicial tão curto? Ou mais, a publicidade, que antes estava presa aos 30 segundos, hoje precisa comunicar num tempo 5 vezes menor que esse. Aqui a ideia na cabeça precisa ser mais forte que ter uma câmera na mão.

Já em plataformas de conteúdos rápidos e que buscam engajamento, a produção é feita de forma caseira, em sua grande parte, mas cheia de informação, relevante ou não. Essa que pode ser uma notícia, uma curiosidade, um meme ou nada. Tudo isso engaja e também se torna relevante, quando viraliza através de influenciadores digitais, que muitas vezes vivem dessa nova profissão. Contar uma história em redes como TikTok ou Instagram não necessita de qualidade na produção e nem de grandes recursos de equipamentos. Também não está no escopo uma edição com ritmo, um desenho de luz bem trabalhado ou uma captação de áudio de qualidade. O que importa aqui é viralizar e engajar.

Prever o que vai acontecer com as produções do cinema profissional daqui uns anos é difícil. É necessário entender rápido essa geração, consumidora voraz por conteúdo audiovisual e desprendida de qualidade. Ela terá, seguramente, grande influência na indústria audiovisual. Vimos no meio da década passada, roteiros recheados de termos, memes e referências ao início da Internet. Um longa-metragem ainda precisará ter no mínimo 70 minutos. Um curta metragem, 15 minutos, gostem as novas gerações ou não. Mas agora é preciso ser resiliente e entender como se comunicar com essa juventude, já que os millennials são a maior força de consumo mundial. A frase genial de Glauber Rocha não à toa se transformou num clássico das aulas de cinema, mas, depois de ficar anos deixada de lado, voltou de forma quase profética, com a releitura de que basta um celular na mão e um viral na cabeça.

Marcio Toson
Marcio Toson

Publicitário formado pela PUCRS, começou carreira na Zeppelin Filmes na área de finalização de comerciais e filmes para Cinema e TV. Anos depois fundou a Catraca Filmes, produtora em Porto Alegre. Produziu conteúdo audiovisual no Sport Club Internacional durante 12 anos. Hoje trabalha no Laboratório de Audiovisual da Escola de Comunicação, Artes e Design Famecos da PUCRS e é fundador e produtor de conteúdo da T2 Moving Arts, de animação gráfica voltada para redes sociais.

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