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Artigo / Cinema do Interior

14 Outubro 2021

A potente microhistória do cinema nacional

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Quando ouvimos falar de Laboratórios de Cinema, logo pensamos em plataformas de elaboração de projetos internacionais, em que cada obra vai sendo moldada a partir de uma mediação entre autores e diversos profissionais consultores que conectam curadores de festivais e filmes que participam, desde o embrião da empreitada autoral, até à linha de chegada de um investidor internacional e, - quem sabe - uma premiação que abra os olhos de distribuidoras globais. Um mercado de cinema como arte consolidado por sua determinada por décadas de tentativa e erro: um mercado com menor risco possível, que, na opinião de alguns, pode gerar produções padronizadas - que também não se aventuram por medo de serem reprovadas em algum lugar de todo esse processo.

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Talvez a maior marca do cinema interiorano emergente seja o olhar para dentro, e não para fora, e isso é demonstrado pela elaboração de uma nova cinefilia: a dos filmes que são realizados aqui, fora dos centros, assim como ques de fora da historiografia do cinema brasileiro oficial, dos embates das cidades de rio-são paulo. Podemos conferir isso a partir da publicação de outubro da primeira edição da Revista ICine - Tintura de Amora, dedicada especialmente às cineastas mulheres do interior paulista, coordenado por Kit Menezes e Priscila Sales e disponível em https://www.icineforum.com.br/revista-icine.

Realizada colaborativamente, a publicação independente e despretensiosa deserpertou o interesse acadêmico das próprias universidades do interior paulista, cujas linhas de pesquisa continuam marcadas por um olhar centralizador ou exterior. Isso vem se modificando a olhos vistos, em especial, a partir de novos olhares acerca de acervos regionais audiovisuais, que lançam luz à produções locais que foram sendo apagadas dos cânones do cinema nacional ao longo do tempo. A sua própria materialidade, muitas vezes em película, é uma evidência incontestável da vocação dos e das cineastas ‘caipiras’ antepassadas, que arriscavam (quase) tudo por um filme.

Essas trajetórias foram a “microhistória” do cinema brasileiro, cujo pioneirismo contrasta com o atual mercado cinematográfico nacional globalizado: muitos sentem falta de olhares preponderantemente brasileiros em produções brasileiras, e o Brasil, em sua maior parte, é o Brasil Profundo, em especial, daqueles que nunca tiveram oportunidade de viajar fora. Em que filmes o brasileiro consegue identificar um olhar preponderantemente brasileiro, sem crivos ou balizas internacionais? As tentativas existentes não repercutem, muitas vezes, por conta de um fetichismo midiático e do próprio setor audiovisual, das “premiações internacionais”. Não seriam as premiações nacionais tão ou mais importantes quanto?

Uma oportunidade de experimentação desse novo tipo de cinema foi o Laboratório de Criação Cinema do Interior - LARB, finalizado no dia 2 de outubro após 4 meses de encontros virtuais, idealizado por Ramiro Rodrigues e coordenado nesta primeira edição por ele e Mariana Vita. Em parceria com o ICine, e a APAN, que representam o cinema brasileiro descentralizado contemporâneo, foram selecionados 20 projetos, de 17 municípios espalhados por todo interior paulista. Com paridade de gênero, e metade dos projetos selecionados oriundos de proponentes negros e pardos, fica evidenciada uma tentativa de construção de uma cinema representativo desde os atuais primórdios da industrialização do cinema do interior.

O maior diferencial, no entanto, é a quebra da figura de um mentor ou consultor, que guia os projetos rumo a uma hipotética aprovação em laboratórios e festivais internacionais. No LARB, todos os selecionados são consultores dos roteiros de seus pares, e autores de projetos que participam da edição, de forma autônoma e horizontal, pois é um espaço de colaboração e não de aprovação -  inspirado nas mesmas reflexões que fervilham no movimento pela descentralização do cinema nacional: o desejo de contribuir para a formação de um ecossistema do cinema interiorano por vias próprias e autônomas.

Oriundo do Programa de Ação Cultural da Secretaria de Cultura e Economia Criativa do Estado de São Paulo e do Governo Federal - Lei Aldir Blanc, como contrapartida do projeto “Preservação Audiovisual: Criação e Desenvolvimento” (ProAC Lei Aldir Blanc nº 54/2020), como dito em seu site https://www.larbinterior.com.br/, o LARB promete retornar maior ano que vem. E coincidente e novamente acompanhado de novas edições de uma revista que veio para modificar as paisagens da produção brasileira, com sua Tintura de Amora ICinematográfica.

Ramiro Rodrigues
Ramiro Rodrigues

Ramiro Rodrigues é cineasta e antropólogo - ex-presidente do ICine (Fórum de Cinema do Interior Paulista - 2020) e mestre em Artes da Cena (Dança, Performance, Teatro) pela Unicamp. Atualmente coordena o Restauro do Acervo do Museu da Imagem e Som de Campinas.

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