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Artigo / Tendências & Mercado

27 Maio 2022

Política cultural no centro do desenvolvimento econômico

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O desenvolvimento humano é condição para o desenvolvimento econômico. Exatamente como acreditava o economista Celso Furtado, é no desenvolvimento humano que vemos uma nova perspectiva para todas as questões econômicas que nos são apresentadas. Para que ambos aconteçam, as políticas sociais são ações necessárias. E, de quebra, ainda ganhamos um meio ambiente melhor. Pronto, a plataforma de sustentabilidade está minimamente descrita.

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Políticas sociais tendem a gerar, nas palavras de Furtado, “um perfil de utilização do excedente gerado pelo sistema econômico mais condizente com os objetivos e aspirações da coletividade do que seria aquele produzido pelas forças do mercado”. São estas proposições políticas que favorecem, ou deveriam favorecer, a diminuição das disparidades socioeconômicas. “Existe uma problemática da desigualdade que se manifesta, sobretudo, como desigualdade socioeconômica. E existe uma problemática da diferença, visível principalmente nas práticas culturais”.

A política cultural, que maneja o simbólico e as artes como instrumental, consiste em um conjunto de medidas que trazem como finalidade maior orientar o desenvolvimento para a progressiva realização das potencialidades dos membros da coletividade. Ou seja, a política, no caso das artes, pressupõe um clima de liberdade e a atuação dos poderes públicos com foco em priorizar o social. Em um certo sentido, prevê-se que uma política cultural seja potente de forma a florescer e celebrar as diferenças culturais e minimizar as desigualdades socioeconômicas. E, neste caso, é no diálogo – na comunicação – que isso se manifesta; o intercâmbio entre culturas é requisito para essa política. 

Ao ponderarmos a ideia proposta pelo filósofo Jürgen Habermas de que, nas sociedades modernas e contemporâneas, a constituição democrática da opinião converteu-se em ferramenta para a “promoção da igualdade social no sentido de maximizar a distribuição igual do produto social entre os indivíduos”, percebemos que a decisão coletiva sobre o bem comum para a felicidade do homem distancia-se do modelo de diálogo e de alteridade.

Podemos traçar um cenário de dificuldades e perceber que o capitalismo impossibilita a existência da política, uma vez que a condição para sua existência – a liberdade dos indivíduos – é oposta às leis que regem tal sistema econômico – a necessidade. Quando há necessidade, não há liberdade. Entretanto, ainda podemos ter esperanças e acreditar que, mesmo com uma estrutura que impossibilita o público, o novo pode surgir. E é nesta dualidade que estabelecemos um ponto importante para nosso raciocínio. 

Na era moderna e, com mais potência, na contemporaneidade, o interesse particular levantou-se em oposição ao público, transformou-se em virtude e em norma ética e estabeleceu condições para que este lugar entre indivíduos – que permite a comunicação e a pluralidade – fosse se perdendo. Quando há esta minoração de entendimento da ideia de público, não há mais a condição de convivência, de interlocução e, portanto, a violência -- supremacia de um indivíduo sobre o outro -- assenta-se como alternativa à ausência de espaço compartilhado.

Estruturalmente, no capitalismo, a política deixa de ser a gerência do bem comum para se tornar a administração das necessidades dos indivíduos. Ou seja, política é apropriada por técnicas privadas de administração da vida do indivíduo, destituindo o ator político de sua capacidade de atuar politicamente. Entretanto, é neste momento em que verificamos o surgimento de movimentos de indivíduos requerendo espaços para a existência de suas identidades; movimentos em que solicitam, apenas, a condição de existir publicamente. Essa requisição acontece de diversas formas, mas ganha muita força quando realizada por meio da manifestação em locais visíveis. E é nas artes que vemos o lugar apropriado para que os diálogos aconteçam.

Porém, é neste cenário que se desdobra o juízo social sobre as artes. Se a imprecisão do entendimento sobre o que é público e o que é privado é estrutural na sociedade brasileira, podemos inferir que a assimilação sobre a importância das artes segue o mesmo caminho. A privatização do público na contemporaneidade acontece pela dependência que as identidades sociais têm do capital e dos modos de consumo, transformando-os em meios de controle social e, assim, isolando o entendimento da importância das manifestações artísticas para a construção de uma sociedade equitativa.

Nesta perspectiva, inquieta-nos a ideia de que na contemporaneidade o agir político não possa ter espaço para o conflito – já que não permite que a diversidade ocorra – e, em decorrência, para as soluções mais plurais e coletivas; inquieta-nos a percepção de que a pluralidade é uma ideia produzida sem condição de aplicação. Se para que ela aconteça o espaço de comunicação precisa acontecer, como podemos, na perspectiva de produção das artes, colocar em diálogo culturas distintas sem que os processos sejam estabelecidos de forma intervencionista e, consequentemente, assimétrica, privilegiando apenas os códigos daquela que desfruta de posição dominante? 

E, então, caro colega das artes, pergunto a todos nós: que espaço estamos dando para que esse pensamento aconteça de forma a favorecer um novo pensamento político entre nós e, consequentemente, a partir de nós?

Gisele Jordão
Gisele Jordão

Gisele Jordão é coordenadora do curso de Cinema e Audiovisual da ESPM São Paulo, professora da ESPM São Paulo e sócia da 3D3 Comunicação e Cultura. É doutora em comunicação e práticas de consumo, mestre em gestão internacional e graduada em comunicação social (ESPM São Paulo). Tem experiência na área de artes e gestão cultural, atuando principalmente nos temas: comunicação, gestão colaborativa, escuta afetiva, patrocínio e políticas culturais.

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