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Artigo / Panorama Jurídico

06 Julho 2022

Músicas e Plataformas de Streaming Audiovisual: A Importância do Clearance Musical

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As mudanças no mercado audiovisual dos últimos anos são inegáveis. Entre as mudanças principais está a consolidação das plataformas de streaming audiovisual entre os principais financiadores de produções brasileiras. E enquanto financiadoras da totalidade do orçamento de produção, exigem o cumprimento de suas políticas, que ainda não são costumeiras na realidade brasileira. Entre essas políticas estão algumas negociações que devem ser previstas durante o clearance musical, e que podem ser desafiadoras às produtoras audiovisuais contratadas.

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As plataformas possuem políticas próprias sobre os mais diversos temas que podem ser enfrentados durante uma produção audiovisual. Sendo que geralmente tais políticas são aplicadas de forma global e vem das matrizes das plataformas, geralmente localizadas fora do Brasil. E mesmo que seja discutível a aplicação de políticas inadequadas ao mercado e à legislação brasileira, o fato é que, sendo a plataforma a financiadora da produção, é preciso observar e aplicar tais políticas durante a produção.

Em linhas gerais, a política principal é transferência à plataforma de toda a cadeia de direitos (“chain of title”) da obra audiovisual. Ou seja, os direitos autorais patrimoniais sobre tudo que possa ser passível de proteção devem ser repassados pela produtora à plataforma. Deve a produtora, então, garantir a cessão ou licença de direitos em todas as contratações realizadas ao longo do projeto. Isso pode parecer trivial, mas quando tratamos de músicas, a situação é bastante complexa.

Antes de aprofundar no tema, vale fazer uma breve explicação sobre os direitos autorais que recaem sobre as músicas no Brasil. O direito brasileiro oferece proteção tanto aos compositores, isto é, o(s) autor(es) do ritmo, melodia, harmonia e letra/poesia de uma canção, isto é, o(s) autor(es) de uma obra musical (art. 7º, V, da Lei 9.610/98), quanto aos artistas intérpretes ou executantes da obra musical protegida (art. 7º, XIII, da Lei 9.610/98). Sendo que os direitos de intérpretes pressupõem a fixação da interpretação da obra musical; essa fixação é chamada de fonograma (art. 5O, IX, da Lei 9.610/98) e deve ser autorizada previamente pelo autor da obra musical (art. 29, V, da Lei 9.610/98).

A lei brasileira permite que os direitos autorais patrimoniais sobre as obras musicais e os fonogramas sejam administrados por terceiros que não os próprios autores e/ou intérpretes. Esses terceiros são comumente: as editoras (art. 5º, X, da Lei 9.610/98), que realizam a divulgação e autorização da inclusão das obras musicais em produtos fonográficos; e as gravadoras ou produtores fonográficos (art. 93 da Lei 9.610/98) são titulares dos direitos conexos dos fonogramas, podendo autorizar a sua reprodução, distribuição, execução pública e quaisquer outras modalidades de utilização.

Em termos práticos, o mercado musical possui agentes e estruturas específicas que precisam ser consideradas para a produção de uma obra audiovisual. As editoras e gravadoras atuantes no Brasil possuem também suas próprias políticas e estavam acostumadas à negociação que vinha sendo feita antes das plataformas de streaming audiovisual. Sendo que, as editoras e gravadoras tem força suficiente para declinar o pedido de sincronização de uma música na obra audiovisual. E agora, as plataformas vem tornando a negociação mais complexa, já que suas políticas exigem a autorização para diversos usos, que não eram usuais para o mercado brasileiro até então, sem a necessidade de novas autorizações ou novos pagamentos.

Entre os direitos que costumam ser negociados, vale chamar a atenção para os seguintes: (i) o uso promocional, ou em obras derivadas da obra audiovisual (como novas temporadas de uma série), da obra musical e/ou fonograma no mesmo contexto em que é utilizada na obra audiovisual (uso “in-context”); (ii) o uso promocional, ou em obras derivadas da obra audiovisual, da obra musical e/ou fonograma de forma isolada do contexto em que foi sincronizado na obra audiovisual (uso “out-of-context”); (iii) a possibilidade de realizar traduções ou dublagens da obra musical, uma vez que a obra audiovisual será exibida em diversos países ao redor do mundo; (iv) exploração do fonograma em álbuns de trilha sonora da obra audiovisual. O ideal é que a produtora considere esses itens (sem prejuízo de outros que possam aparecer nas políticas) ao estimar o orçamento musical da obra audiovisual, já que esses usos seguramente irão encarecer o licenciamento da obra musical e do fonograma em questão.

Ainda, a produtora precisa considerar que também a trilha sonora original da obra audiovisual precisará seguir as políticas da plataforma contratante. Como mencionado acima, será preciso garantir a cessão integral sobre todos os tipos de direitos autorais patrimoniais que recaiam sobre as obras musicais e fonogramas da trilha sonora; ou seja, os direitos de sincronização e os direitos conexos de intérprete. Em alguns casos requer-se a aquisição total de direitos, o comumente chamado “buy-out”.

Outro ponto bastante relevante é a negociação com os autores das obras musicais quando a obra audiovisual é baseada em, ou possui como premissa principal, obras musicais, histórias sobre conjuntos e/ou bandas musicais; por exemplo, musicais e/ou biografias de cantor(es) e/ou compositor(es). Aqui, o ideal é, antes mesmo de se iniciar o desenvolvimento de roteiros e outras contratações, obter a autorização dos detentores dos direitos autorais sobre as obras musicais que serão utilizadas, bem como a autorização dos direitos de personalidade do artista ou de todos os integrantes do conjunto/banda a ser biografado. Tudo isso considerando, é claro, as políticas da plataforma contratante.

Falando em obras musicais, vale alertar sobre a contratação de atores e atrizes que também possuem carreira musical, ou vice-versa. Muito provavelmente esses artistas terão contratos de exclusividade com editoras e/ou gravadoras, que deverão participar da negociação dos contratos de atuação na produção audiovisual. Sendo assim, será preciso negociar em tal contrato os interesses tanto da plataforma exibidora quanto da editora e/ou gravadora, em especial quando a participação do(a) artista na obra audiovisual envolver a composição e/ou interpretação musical.

Em síntese, o maior desafio para as produtoras audiovisuais é conseguir satisfazer as políticas da plataforma, ao mesmo tempo em que é preciso garantir a qualidade criativa da obra audiovisual, e ainda respeitar o orçamento e o cronograma acordado. Disso vem a necessidade de uma verdadeira profissionalização das produções audiovisuais brasileiras, alinhada à supervisão e clearance musical, mais uma assessoria jurídica especializada, auxiliando as negociações e a contratações do projeto, para que estas sejam feitas de forma condizente às políticas das plataformas.

 

Marina Vilela
Marina Vilela

Advogada associada do CQS/FV Advogados

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