07 Maio 2025
A urgência de uma política integrada de fomento
Felipe Lopes, professor de Cinema e Audiovisual da ESPM-Rio
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Uma atividade econômica pressupõe fluxos que envolvem desde o desenvolvimento de um produto até o seu consumo pelos clientes. Na cadeia cinematográfica, em que há a divisão entre os elos da produção, distribuição e exibição, é fundamental que haja uma integração e visão estratégica entre esses segmentos para que a indústria tenha um desenvolvimento eficaz. Considerando o cinema brasileiro, é fundamental compreender a importância de políticas públicas de investimento ao setor audiovisual e também o papel do governo na regulação do setor para que não haja desequilíbrios que prejudiquem a indústria nacional.
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Na história recente, o Fundo Setorial do Audiovisual (FSA) se firmou como um importante mecanismo para potencializar a produção de filmes e séries do Brasil. E esse potencial só é atingido em sua máxima eficácia com análises e ações que considerem a complexidade da economia audiovisual. Este artigo chama a atenção, entretanto, para o desequilíbrio de investimentos nos diferentes elos da cadeia, fazendo com que não se pense cada obra com a finalidade pública de se alcançar a população do Brasil e do mundo.
Desde o surgimento do FSA, houve quatro chamadas públicas específicas de comercialização, sendo a última em 2018. Do início do FSA até o ano do último edital, apenas 3,6% dos valores disponibilizados pelo Fundo foram para a distribuição, segundo a Ancine. Ressalta-se que são investimentos retornáveis.
Foram anos de luta por parte dos distribuidores, e com apoio de muitos produtores, exibidores e profissionais do setor, para que houvesse um maior investimento na comunicação dos filmes brasileiros. Afinal, não faz sentido em nenhuma indústria só se investir para criar um conteúdo e não fechar o ciclo até os espectadores. Apenas em 2024, o Plano Anual de Investimento (PAI) da ANCINE trouxe de volta uma linha específica para a distribuição, com a promessa de R$ 60 milhões em uma chamada inicialmente prevista para dezembro daquele ano.
Mesmo com casos pontuais de sucesso, estudo da Associação Nacional de Distribuidoras Audiovisuais Independentes (ANDAI) estima uma quantidade de 300 longas-metragens brasileiros, produzidos com recursos de políticas públicas como a Lei Paulo Gustavo, Aldir Blanc e o próprio FSA, que não possuem investimento para a distribuição. Isso afeta a difusão do cinema brasileiro, a diversidade cultural, o desenvolvimento do setor, e a democratização do acesso a essas obras.
Tudo isso ocorre em um ano em que vimos de forma massiva a importância de campanhas de marketing para nosso cinema, com a vitória do Oscar por ‘Ainda Estou Aqui’, uma exceção no modelo de financiamento do país. Obras como ‘Parasita’, que também colocaram um país como a Coreia do Sul em destaque internacional, contam com apoio público para sua difusão. E até obras independentes americanas, como ‘Anora’, são publicamente conhecidas como exemplo de investimento estratégico em comercialização, trazendo retorno positivo.
Mesmo com compromissos firmados pelo Ministério da Cultura, ainda não houve a convocação de reunião do Comitê Gestor do Audiovisual para pautar a linha de fomento aprovada no PAI de 2024. A Ancine não se pronuncia oficialmente e parece não se movimentar para a execução de forma eficaz dos investimentos do FSA. E quase metade do ano cria um contingente de obras que não conseguem ter um investimento para que inicie um trabalho qualificado para alcance de público e retorno positivo para a sociedade brasileira. Reiterando que outras políticas de formação de público, circulação e exibição são necessárias para complementar esse ciclo virtuoso que podemos ter para o cinema do Brasil. Até quando o setor vai precisar lutar para que haja uma integração de fato da cadeia de cinema, ampliando seu potencial de sucesso?

Felipe Lopes
Felipe Lopes é professor da ESPM-Rio e sócio-diretor da distribuidora Retrato Filmes. Mestre em Cinema e Audiovisual e Bacharel em Comunicação pela UFF; pós-graduado em Gestão Empresarial e Marketing pela ESPM. Tem mais de 15 anos de atuação no audiovisual, com destaque nas áreas de políticas públicas e na distribuição. Lançou filmes como "Bacurau", “Nosso Sonho”, "A Vida Invisível", "O Farol", “Retratos Fantasmas” e a versão restaurada em 4K de "Cidade dos Sonhos".
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