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Artigo / Audiovisual

02 Junho 2020

O trabalho do supervisor musical nas produções audiovisuais

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As trilhas sonoras são parte integrante da experiência cinematográfica e desempenham um papel essencial na definição do tom, no aumento da tensão e no efeito emocional de um filme ou série, muitas vezes criando momentos icônicos. “Tiny Dancer”, do inglês Elton John, na cena do ônibus em Almost Famous (2000), “Cold Little Heart” de Michael Kiwanuka na abertura de Big Little Lies (2017/2019), ou “Mystery of Love” do Sufjan Stevens no longa Call Me By Your Name (2017) são alguns poucos exemplos de músicas que imediatamente nos remetem às cenas em que foram usadas.



Na maioria das vezes essas escolhas são resultado de um longo trabalho de pesquisa e negociações, com muita tentativa e erro, e os profissionais envolvidos nesse processo são chamados Supervisores Musicais.

A profissão já existe há bastante tempo, especialmente na indústria americana. O veterano Joel Sill, que foi executivo do departamento musical de estúdios como Paramount Pictures e Warner Bros e que tem em seu currículo trabalhos como First Love (1977), La Bamba (1987), e Twister (1996), pode ser considerado um dos pioneiros dessa profissão. Ele começou a carreira como produtor executivo da trilha sonora do filme Easy Rider (1969), e eternizou a canção “Born to Be Wild”  com a famosa cena em que Peter Fonda e Dennis Hopper aceleram suas motos na estrada ao som de Steppenwolf.  

De acordo com a definição do Guild of Music Supervisors, entidade americana que representa o setor, o Supervisor Musical é “um profissional qualificado que supervisiona todos os aspectos relacionados à música no cinema, televisão, publicidade, videogames e quaisquer outras plataformas de mídia visual existentes ou emergentes”.

Mas o trabalho de supervisão musical vai muito além da parte criativa de encontrar as músicas certas para ajudar a contar a história, contextualizar uma cena, causar emoção ou dar sentido aos personagens. Requer conhecimento técnico nas áreas de pesquisa, jurídica e administrativa, porque a trilha sonora dos sonhos também tem que estar dentro da realidade legal e financeira do projeto.

No melhor cenário, o trabalho do Supervisor começa na pré-produção com a leitura do roteiro, para entender quais os objetivos do projeto, identificar músicas que já fazem parte da narrativa e ajudar a produtora na criação de um conceito musical. Se contratado nessa fase, pode ainda assessorar na criação do orçamento musical, para que seja elaborado de forma realista em relação às pretensões, evitando problemas futuros como ter que cortar músicas ou remanejar outras despesas.

É fundamental que essa avaliação financeira seja feita logo no início da produção, porque limitações de orçamento podem afetar escolhas artísticas. Um exemplo disso ocorreu no longa-metragem Match Point (2005), que teve um orçamento de 15 milhões de dólares, considerado como low budget para os estúdios americanos. O diretor Woody Allen teve que abrir mão de vários elementos que tinha idealizado para o projeto, dentre eles algumas músicas, devido ao custo. A escolha das óperas que compõem a trilha do filme não foi somente uma decisão artística, mas também o resultado de uma estratégia comercial inteligente para cortar despesas com direitos musicais, utilizando quase cem por cento de obras em domínio público.

No decorrer da produção de uma obra audiovisual, todas as músicas selecionadas precisam ser autorizadas por seus titulares: editoras, gravadoras, autores e artistas. E uma falha por parte da produtora pode ameaçar a capacidade de concluir o projeto dentro do prazo e do orçamento, ou até causar consequências de outra ordem, como ocorreu com a série House M.D. (2004-2012). A música de abertura, "Teardrop" do Massive Attack, utilizada nos Estados Unidos e alguns outros territórios, teve que ser substituída por um tema original em alguns países europeus, devido a problemas relativos aos direitos, não resolvidos no momento da negociação.

Um bom Supervisor Musical saberá conduzir os licenciamentos, garantindo que sejam realizados na forma e extensão necessárias para que o projeto possa ser exibido, comercializado e divulgado nos prazos e territórios que a produtora precisa, e no caso de alguma limitação ou impedimento, irá instruí-la sobre  o que fazer. E pode ainda pensar em possíveis parcerias com editoras, gravadoras, de acordo com a demanda e o tamanho do orçamento, pois saberá apontar quais as músicas e/ou artistas que não se encaixam no valor disponível, apresentando alternativas que sejam financeiramente viáveis e interessantes sob o ponto de vista criativo.

O trabalho de supervisão musical também pode incluir a indicação e contratação de compositores e artistas para criação de trilha original ou gravação de faixas exclusivas para o projeto, auxílio à produtora na confecção de cue-sheets, e consultoria em relação ao lançamento e comercialização de trilha sonora.

A figura do Supervisor Musical é relativamente recente na indústria audiovisual brasileira, mas um trabalho semelhante é praticado há muitos anos pelos produtores musicais, especialmente nas emissoras de TV. Mas eles são responsáveis apenas pela parte criativa (escolha de músicas), deixando de fora funções como administração do orçamento e licenciamentos, que são realizados por outros profissionais ou, no caso das emissoras, por outros departamentos.

Uma característica das produções de filmes e séries brasileiros é que os diretores geralmente têm uma idéia bastante clara sobre a música que desejam para seus projetos. Além disso, os compositores de trilha original também sugerem repertório e muitas vezes atuam como Diretores Musicais. Nesses casos o papel do Supervisor Musical é viabilizar essas escolhas, realizando o licenciamento das músicas e substituindo as que eventualmente não cabem no orçamento, além de outras funções que variam de acordo com a demanda.

No entanto, com a entrada dos serviços de streaming no Brasil, bem como uma maior internacionalização dos filmes e séries produzidos no país, cada vez mais o trabalho do Supervisor Musical brasileiro se assemelha ao da indústria americana.

Afinal uma produção audiovisual possui muitos elementos e a produtora tem que lidar com centenas de assuntos, sendo a música apenas um deles. Assim, ter um profissional cuidando de todas as demandas musicais e apresentando soluções para os problemas está se tornando cada vez mais imprescindível.

Patricia Portaro
Patricia Portaro

É advogada e supervisora musical. Formada em Direito e com mestrado em Music Business, atua há quinze anos nos mercados audiovisual e publicitário. Trabalhou em mais de duzentos projetos dentre filmes, séries e comerciais, na América Latina, Estados Unidos e Reino Unido. Atualmente mora em Los Angeles e faz parte do time da empresa Air Lumiere.

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