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17 Agosto 2022 | Renata Vomero

José Eduardo Belmonte celebra ano movimentado no cinema: "gratidão, apreensão e satisfação"

Diretor estreou dois filmes em 2022 e ainda estreará o terceiro neste semestre

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(Foto: Bob Wolfenson)

José Eduardo Belmonte não tem do que reclamar de 2022. Em uma feliz coincidência, três filmes dirigidos por ele chegam ou já chegaram aos cinemas neste ano: Alemão 2 (Manequim), As Verdades (Gullane) e O Pastor e o Guerrilheiro, selecionado no Festival de Cinema de Gramado.



Aliás, O Auto da Boa Mentira (Imagem), também dirigido por ele, acaba de receber o prêmio de Melhor Filme pelo Júri Popular no Grande Prêmio do Cinema Brasileiro, que aconteceu na semana passada.

O período movimentado vem acompanhado de três sentimentos distintos: “gratidão, apreensão e satisfação”. Eles denotam o misto de sensações que foram alimentadas durante a pandemia e a crise política e cultural enfrentada pelo país, todas elas com efeito direto no mercado de cinema.

Veterano da indústria, Belmonte celebra mais de 25 anos de carreira atuando em diferentes frentes do audiovisual, como cinema, televisão, publicidade e videoclipes. Além do repertório, sua trajetória também acompanha importantes mudanças no mercado audiovisual brasileiro, tanto no âmbito político, quanto no de consumo, passando por todos os elos da indústria. O que nos leva ao presente momento:

“Temos muitos bons filmes acontecendo pelo país, porém precisamos ter mais diversidade, melhorar o debate e voltar a ter visão de futuro. Hoje temos mais realizadorxs de diversos cantos do país fazendo filmes. Quando comecei a filmar, quase toda a produção era feita por homens brancos do Rio-SP, mas sinto que ainda temos muito a melhorar nesse sentido. Quando falo de diversidade, penso não só em cineastas, mas também em executivos, críticos, curadores... e em aumentar a diversidade também de temas e gêneros. Parece que quando algo dá certo começa um movimento de looping e o mercado passa a fazer filmes parecidos. Assim vamos deixando de criar oportunidades”, ressaltou, ainda destacando também a dificuldade em superar a falsa dicotomia que há entre os filmes de arte e comerciais, assim como de pensar o futuro.

E quando falamos em futuro, fica impossível não buscar um pouco do Belmonte em início de carreira, o que o motivou a trabalhar no audiovisual, e o quanto esse mesmo cineasta iniciante ainda se faz presente no fazer do ofício do veterano.

“Ver as coisas do futuro é uma situação privilegiada. Talvez pudesse ser menos ansioso, mais simples, mais organizado, mas não fico me autoflagelando. Aprendi muito e isso foi bom. Envelheci amadurecendo, o que nem sempre acontece. Sei quando se está numa produção não dá para pensar só no seu ego. Vidas dependem daquele trabalho: é preciso ser estratégico. Lembro de uma frase do Scorsese que escutei quando estava começando, era mais ou menos assim: ‘Fazer um filme é fácil, difícil é construir uma carreira. Para isso é preciso unir pragmatismo com inconsequência’.  Penso que sigo nessa dialética, inquieto, preservando o espírito de invenção”, respondeu.

E de volta para o futuro, no perdão do trocadilho, há ainda este ano algumas novidades interessantes que passam pelo comando de Belmonte, como uma série de comédia para a TV Globo – onde Belmonte ocupa o cargo de diretor artístico – , que ainda não teve o nome divulgado, mas que é baseada em contos de Ariano Suassuna e protagonizada por Renato Góes, Leandro Hassum, Jesuíta Barbosa e Luís Miranda. O cineasta também coordena as filmagens da série Vizinhos, para o Canal Brasil.

Sem prazo definido, estão engatilhadas duas coproduções internacionais: Almost Deserted, que será rodado em Detroit, além de um filme sobre a travessia de crianças do México para os Estados Unidos, um documentário sobre a artista visual Rita Wainer, um thriller em parceria com o roteirista Raphael Montes, um longa de distopia ambientado no Japão e um filme em formato de stories no Instagram.

Tudo isso marca a versatilidade da trajetória e carreira de José Eduardo Belmonte, que ainda tem planos de filmar dois filmes com os quais sonha desde quando iniciou a carreira de cineasta, no entanto, sem detalhar tais projetos.

“A gente lança várias sementes no solo, mas não tem como saber como vai ser o futuro e nem quero me arriscar [a adivinhar]. A única coisa certa é que o audiovisual é intrinsecamente ligado à tecnologia e essa vem mudando velozmente. Tanto a forma de fazer quanto de consumir. Mas vai continuar a vontade de ouvir histórias, de acompanhar personagens que nos digam algo, que nos façam refletir e emocionar”, finalizou.

 

Confira a entrevista completa:

Você dirigiu três importantes lançamentos dos cinemas na pandemia, qual a sensação de conseguir chegar à tela grande neste momento e contribuir para o fortalecimento do mercado nacional atual? 

São três sentimentos: gratidão, apreensão e satisfação. 

Gratidão porque aconteceu algo singular comigo: projetos que passaram anos represados acabaram sendo filmados em datas próximas e, consequentemente, foram lançados em períodos próximos. Como eram projetos de gêneros distintos, de orçamentos variados e filmados em cidades diferentes, essa proximidade serviu de aprendizado intensivo, tanto para entender as dinâmicas de produção, de lançamento e do atual momento do mercado, quanto para organizar e alinhar equipes, dominar melhor o ofício, buscar as formas mais eficientes de contar diferentes histórias. Além da experiência técnica que te faz um realizador com mais conhecimento, foi também uma experiência humana. Contar histórias

de diversas realidades com muitas questões pertinentes para se pensar o mundo e o país e ouvir várias pessoas, de grupos sociais variados com suas questões, serviu para amadurecer, sair da “caverna”. Se não tivesse sido assim, esses filmes não teriam acontecido. 

A satisfação vem pelo fato de que, ao ver estes filmes prontos, eu me senti realizado. A gente sempre acha que pode fazer melhor, mas acho que consegui manter um padrão em circunstâncias que muitos diziam que não era possível, assim como tocar esses projetos ao mesmo tempo. Mas lutei o bom combate, mantive minha fé (risos). Consegui me organizar, tive bons parceiros, fiz experimentações. Creio que os filmes contêm mensagens pertinentes para o atual momento do país. 

A apreensão vem do momento complexo que estamos vivendo. A experiência de assistir a uma obra audiovisual está cada vez mais fragmentada e, por mais que a produção tenha aumentado, o mercado exibidor de cinema não cresceu na mesma proporção.  É importante que o mercado exibidor se restabeleça e a produção audiovisual brasileira, que sempre esteve à margem dentro do seu próprio mercado, mais ainda.  Fico pensando se estamos de fato, todos os segmentos do mercado, pensando em estratégias e políticas para poder não só recuperar o espaço, como expandi-lo, ou se estamos em um clima de “dance enquanto a música toca”. Não sou apocalíptico como alguns colegas, mas é preciso estarmos mais atentos e/ou menos assustados e/ou conformados.

Qual análise você faz deste momento do cinema nacional? 

Temos muitos bons filmes acontecendo pelo país, porém precisamos ter mais diversidade, melhorar o debate e voltar ter visão de futuro. Hoje temos mais realizadorxs de diversos cantos do país fazendo filmes. Quando comecei a filmar, quase toda a produção era feita por homens brancos do Rio-SP, mas sinto que ainda temos muito a melhorar nesse sentido. Quando falo de diversidade, penso não só em cineastas, mas também em executivos, críticos, curadores... e em aumentar a diversidade também de temas e gêneros. Parece que quando algo dá certo começa um movimento de looping e o mercado passa a fazer filmes parecidos. Assim vamos deixando de criar oportunidades. 

E ainda não conseguimos superar a falsa dicotomia entre filmes de arte versus filmes comerciais. Este era um dos assuntos sobre os quais eu falava no lançamento de “Se Nada Mais Der Certo”, antes de fazer “Billi Pig”. Creio que piorou desde então. O encapsulamento, a ausência da busca pela dialética, pela abertura de caminhos.... É estranho que isso ocorra em uma arte tão jovem como o cinema. Os festivais de cinema são fundamentais como centros de reflexão sobre isso... mas sinto que alguns deles ainda estão voltados para formatos do século 20. Me parece que, nesse sentido, há uma crise do debate. Ele trabalha em uma lógica esquemática, simplista, ainda que alguns coloquem o problema utilizando de bela retórica. No fim das contas, há pensamentos simplistas regidos pela imaturidade do mercado, contaminado pela cultura autoritária brasileira, que procura uma “verdade” única. Um raciocínio que já foi superado na análise da produção nacional em outras artes. No audiovisual, não: sempre tem isso, que o caminho para o nosso cinema é X ou Y, que para se ter um bom filme tem que usar isso ou aquilo, que filmes que usam certos elementos já não são bons... Escuto falas assim desde que comecei a filmar, no fim dos anos 1980. Faz lembrar meus tempos de escola: quando os valentões queriam matar aula, eles obrigavam todo mundo a matar também para não levarem falta. É cansativo, mas seguimos.

O que me leva à terceira questão: deixamos de pensar o futuro. Talvez por causa dos tempos duros e beligerantes, estamos mais apegados a distopias que utopias. E isso é terrível. Outro dia li um crítico da velha guarda que elogiou novos realizadores não exatamente pelos filmes, mas pela atitude de fazerem filmes que se parecem muito com filmes da época da juventude dele. Esse tipo de validação traz uma adesão estética e os realizadores acham que estão fazendo vanguarda. Vamos fazer um exercício de

imaginação: “Deus e o Diabo na Terra do Sol” sendo exibido 20 anos antes do lançamento. Seria um choque maior ainda do que foi nos anos 1960. Agora, vamos pegar alguns filmes contemporâneos e exibi-los nos anos 1960. Causaria o mesmo estranhamento? Tenho dúvidas.

Acho importante olhar para trás, honrar nosso passado, mas dialogar com o que já foi feito. Reciclar não é copiar, não é ser nostálgico e/ou submisso. Paramos de pensar no novo e, além dos realizadores, penso que a crítica e as escolas de cinema não souberam dar resposta às tensões geradas para um mercado que se tornou mais duro. E, sim, óbvio que há pessoas fazendo diferente. Citando excelentes realizadores em atividade, com diferentes idades e formações: Ruy Guerra, Cássio Pereira, a Filmes de Plástico de André Novais Oliveira, Gabriel Martins e Maurílio Martins, Gabriel Mascaro, Marcela Lordy, Iberê Carvalho, Clarissa Campolina, Marília Rocha, Rodrigo Siqueira, Ary Rosa, Glenda Nicácio, Camilo Cavalcanti, Cintia Domit Bittar, Marton Olympio, Bruno Costa, Alice Furtado, Daniel Nolasco... Existem também coletivos e curadores que não estão só olhando pelo retrovisor. Sou

otimista, sempre acredito que a vida acha uma forma de acontecer.

 

Você tem uma carreira que passa por diversas frentes do audiovisual, seja

televisão, videoclipe e cinema, qual balanço você faz desta trajetória e como cada uma destas frentes te ensinou e moldou você a ser o cineasta que é hoje? 

Comecei em uma época em que as fronteiras destas formas de criação foram se borrando. Os filmes influenciavam a publicidade e vice-versa. A videoarte contaminava os comerciais, o cinema influenciava os games, as séries começaram a ter personagens e histórias às vezes mais complexas que os filmes e por aí vai. Ter vivido essas experiências me fez ter a percepção de onde estou pisando e quais são os códigos de cada terreno. É possível trazer ideias de um lugar para outro, mas evitando se perder. Entender o tom e a intensidade de cada projeto.

Falando em trajetória, ao longo destes anos de atuação, o cinema e o mercado passaram por diversas transformações, no Brasil e no mundo, desde políticas públicas até a forma de consumir esses conteúdos, qual sua análise dessas transformações? 

Acredito que já falei sobre essa questão nas respostas anteriores. Mas, para acrescentar, lembro uma frase do Billy Wilder que dizia que não importava se um filme era exibido em uma tela redonda ou qualquer forma que fosse. Depois de assimilada a novidade, o que interessa a quem assiste é o que está se falando, quem são aquelas pessoas, quais as relações entre elas. Ou ainda, Peter Brook falava que você se conecta com a arte que imprime vida e não parece mofada, morta. É essa a arte que permanece.

Quando olha para trás, o que diria para o José Eduardo Belmonte no início da carreira e o que ainda carrega dele? 

Ver as coisas do futuro é uma situação privilegiada. Talvez pudesse ser menos ansioso, mais simples, mais organizado, mas não fico me autoflagelando. Aprendi muito e isso foi bom. Envelheci amadurecendo, o que nem sempre acontece. Sei quando se está numa produção não dá para pensar só no seu ego. Vidas dependem daquele trabalho: é preciso ser estratégico. Lembro de uma frase do Scorsese que escutei quando estava começando, era mais ou menos assim: “Fazer um filme é fácil, difícil é construir uma carreira. Para isso é preciso unir pragmatismo com inconsequência”.  Penso que sigo nessa dialética, inquieto, preservando o espírito de invenção.  

Pensando no futuro, quais são seus planos para ele e quais as perspectivas que têm para a indústria como um todo?

Da minha parte, quero seguir expandindo. Acho que deveríamos fazer mais filmes internacionais. E isso não é ir para Hollywood ou ter estrelas americanas, mas sim pensar em histórias comuns que dialoguem com outros povos. Há todo um mercado na América Latina com os quais dialogamos muito pouco, por exemplo. É algo que começo a testar em breve com “Almost Deserted”, um thriller sobre imigração ilegal, com vários talentos latinos, a ser rodado em Detroit. Tenho alguns projetos imaginados com ingleses, japoneses, alemães, argentinos, mexicanos... histórias com talentos nossos e desses países, com temas em comum. Nesse sentido, acho muito inspirador a carreira internacional do Alberto Cavalcanti. Em outra direção, estou, enfim, me dedicando a dois filmes que penso em fazer desde os tempos da faculdade. Tenho treinado e estudado durante todo esse tempo para esses dois filmes, vamos ver o que acontece.

Também estou buscando/estudando novas narrativas como podcast, filmes em formato de stories, para as redes sociais, filmes em VR, games...  A gente lança várias sementes no solo, mas não tem como saber como vai ser o futuro e nem quero me arriscar [a adivinhar]. A única coisa certa é que o audiovisual é intrinsecamente ligado à tecnologia e essa vem mudando velozmente. Tanto a forma de fazer quanto de consumir. Mas vai continuar a vontade de ouvir histórias, de acompanhar personagens que nos digam algo, que nos façam refletir e emocionar.

 

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