13 Agosto 2014 | Fábio Gomes
Ponto Cine redefine bairro de Guadalupe
Cinema vira ponto de cultura em bairro com um dos menores IDH do Rio
Um cinema que remodelou uma comunidade. Há oito anos localizado em Guadalupe, zona norte do Rio de Janeiro, Ponto Cine se tornou referência e local para encontros em um dos bairros de menor IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) da cidade.
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Conhecido por privilegiar o cinema nacional e filmes de arte, o local foi fundado por Adailton Medeiros, que começou sua vida adulta como meteorologista, mas com o tempo deixou seu amor pela arte falar mais alto. “Assim que fiz 20 anos e fui para a região amazônica e lá fiquei por onze anos. Quando retornei, meu bairro havia perdido os dois cinemas e, então, o que aconteceu: comecei a me envolver com um projeto chamado longas culturais e depois fui para o cinema BR Em Movimento, com um circuito fora de rede comercial. Por fim, comecei a fazer exibições no Guadalupe Shopping”, afirmou.
As exibições foram um sucesso logo de cara e, contrariando pessoas que lhe disseram que não daria nem 40 pessoas, o longa Tainá - Uma Ventura na Amazônia atraiu pouco mais de 800 espectadores. “A segunda foi com Deus é Brasileiro, que lotou o shopping. E, assim, o proprietário me convidou para montar um cinema”, explicou.
Como não tinha dinheiro para começar sua jornada, Adailton preferiu inciar com um cine-clube. Conseguiu um projetor e algumas poltronas e partiu atrás de conteúdo e, assim, acabou na porta da RioFilmes, que viu nele uma pessoa que poderia investir e, ao mesmo tempo, achou uma forma de divulgar seus longas.
A empresa criada para fomentar os filmes cariocas entrou com um investimento de R$ 81 mil para ajudar no desenvolvimento do novo cinema. “Eles gostaram do espaço, apoiaram, mas só condenaram as cadeiras. Explicaram que precisava de cadeiras novas e partimos para as obras, que inicialmente durariam 3 meses. No fim, acabou levando 1 ano e 3 meses, mas criamos a primeira sala digital popular do Brasil”, disse o proprietário.
O Ponto Cine se tornou um marco zero na cidade e se concentrou em exibir filmes do país a um valor acessível ao morador mais humilde (inicialmente R$ 6,00 e, hoje, R$ 8,00). Com isso, criou um público fiel ao cinema brasileiro e conta com um grande número de espectadores, inclusive, para documentários. “O que acontece aqui, muitas vezes, é que quando um filme estrangeiro fica muito tempo em cartaz as pessoas reclamam e falam: ‘nossa, vocês não vão mais exibir filme brasileiro?’ Mas isso só ocorreu pois conseguimos criar este tipo de público”, disse Adailton. Graças a dedicação aos filmes nacionais, o local já venceu por seis anos consecutivos o PAR – Prêmio Adicional de Renda – concedido pela ANCINE, como maior exibidor de longas nacionais em todo o território brasileiro.
Para divulgar os novos lançamentos, foi criada a tela móvel. Ela consistia em uma mini van que abria a porta traseira e exibia os trailers dos filmes em cartaz nas ruas e praças do bairro. Para atrair ainda mais as pessoas, ao lado do “cinema móvel” ficavam uma pipoqueira, um baleiro e um lanterninha para convidar novos espectadores para o cinema.
Porém, o local não se limita apenas aos filmes e se tornou um ponto de convivência e cultura. Diversos projetos culturais nasceram no lugar, como o ProSocialCinema (Promoção Social de Cinema), que busca formar novas platéias para o cinema brasileiro; o projeto Oficine-se – que apresenta a alunos de instituições públicas o olhar por de trás das câmeras, com oficinas que mais do que ensinar operar um equipamento, propõe ver o mundo com outro olhar; Cine Literário, que leva midiotecas com livros e filmes nacionais para dentro das escolas públicas, afim de aproximar o cinema e a literatura da realidade da sala de aula; e o Diálogos Com o Cinema, que ocorre quinzenalmente aos sábados e segundas-feiras.
O Diálogos com o Cinema exibe um filme brasileiro e, em seguida, apresenta um debate com diretores, atores e profissionais do audiovisual. Com isso, nomes como Cacá Diegues, Malu Mader e Selton Mello já compareceram para conversar com os espectadores do Ponto Cine.
O cinema, também, deu atenção para a questão ambiental e decidiu plantar mais de 12 mil mudas de mata atlântica, em uma área de cerca de 27 campos de futebol. Com isso, se tornou o único cinema da América Latina a receber o selo Carbon Free, por compensar suas emissões de carbono na atmosfera.
Atualmente, o cinema é um dos grandes atrativos do bairro e, oito anos após o seu nascimento, mais 17 salas nasceram no local. “Mudou muito desde que começamos. A gente fala aquele discurso de cultura como ferramenta de transformação social. Mas com o Ponto Cine conseguimos transformar o ambiente geográfica e visualmente. Quando iniciamos, aqui não tinha nem sinalização, mas os diretores começaram a vir pra cá e falavam na imprensa para nos ajudar. O que aconteceu? Colocaram semáforo na frente do cinema, placas informando como chegar aqui, operação tapa buraco tem sempre... E isso provocou uma situação bacana, pois os vizinhos começaram a arrumar a casa, o centro comercial do outro lado de Guadalupe passou pro lado de cá, o Ponto Cine ajudou a redefinir o bairro”, finalizou.
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