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Artigo / Ancine

02 Julho 2020

A BUSCA DA EFICIÊNCIA DA ANCINE

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Após anos construindo um complexo sistema de normas que acabaram por criar um efeito “bumerangue” sobre o próprio órgão, a gestão atual da Agência Nacional do Cinema – ANCINE vem desenvolvendo esforços e ações no sentido de retirar o peso que acabou por retirar sua eficiência operacional.

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O viés da ANCINE a partir de 2003 foi estabelecer uma crescente atuação expansionista num modelo de regulação onde o Estado era penetrante, envolvente e absorvente. Por anos os agentes regulados foram recebendo uma carga enorme de encargos regulatórios e burocráticos, muitos desmedidos, desnecessários e os necessários, implantados sem uma concepção de intervenção mínima e eficiente. A própria Lei 12.485/2011, que regulou os serviços de televisão por assinatura, tem como um de seus princípios o da mínima intervenção.  Todavia, não foi o que se viu desde então.

A ANCINE acabou sendo vítima da lei do retorno. Para cada obrigação que se cria ao empreendedor particular surgem deveres de controle e fiscalização do Estado, tornando a regulação um circulo vicioso, que após a volta de 360º atinge seu ponto de partida. A própria agência.

Com tantos tentáculos a ANCINE não conseguiu dar cabo da sua obrigação de regular, controlar e fiscalizar os processos de fomento, notadamente de apresentação e prestação de contas de projetos audiovisuais incentivados.  

Como se sabe a questão chegou ao Tribunal de Contas da União – TCU e ficou claro os nós que foram se formando com o tempo.

A Agência percebeu que é necessária a urgente revisão das prioridades, vem aos poucos retirando obrigações e encargos não essenciais para a sua função e daqueles que com ela se relacionam. Mas foram muitos anos de investimento, no passado, em montagem de uma estrutura regulatória complexa, detalhista e transbordante.  A conta chegou para a ANCINE, caiu no colo dos gestores atuais e do mercado audiovisual, que não imaginavam uma pandemia por cima de tudo.

O tema das prestações de contas certamente ocupará ainda a atenção da Agência e dos agentes do mercado por bastante tempo. Por um lado, porque é necessário se criar um sistema eficiente para que o fomento possa continuar. De outro, porque a ANCINE terá que lidar com o estoque de contas não apuradas, conforme prometeu no plano apresentado ao TCU.

A ANCINE informou aos agentes do mercado audiovisual e a todos os interessados sobre a disponibilização em Consulta Pública para obtenção de subsídios necessários ao debate sobre as alterações pontuais da atual Instrução Normativa n. 150/2019, que dispõe sobre os procedimentos para a apresentação e análise das prestações de contas de recursos públicos aplicados em projetos audiovisuais.  A Agência declarou que visa a desburocratização e simplificação de processos: redução de diligências, melhoria na comunicação e envio de documentos por sistemas; harmonização com as normas relativas ao fomento;  maior clareza nos comandos normativos, com preenchimento de lacunas; alinhamento com as boas práticas recomendadas pelos órgãos de controle e avanço institucional;  evolução dos processos e seus modelos de análise à luz das inovações tecnológicas ou das práticas de mercado.

As prestações de contas são reguladas pela IN 150/2019, que foi publicada no DOU de 25/09/2019. Ainda que recentemente editada a IN 150 estabeleceu o prazo de 6 (seis) meses a partir da sua entrada em vigor para avaliação dos seus efeitos e impactos e eventual aperfeiçoamento e revisão normativa. Por outro lado, a Deliberação de Diretoria Colegiada nº 412-E, de 2020, que aprovou o calendário de reexame de atos normativos da ANCINE, colocou a IN 150 na primeira etapa do cronograma de normas. O prazo desta consulta pública é 29 de julho de 2020.

No mesmo prazo a ANCINE também lançou a proposta de consulta pública da IN 125 que regulamenta a elaboração, apresentação, análise, aprovação e acompanhamento de projetos audiovisuais.  O objetivo principal informado é dinamizar e otimizar os processos operacionais da ANCINE, aumentando as ferramentas de controle e gestão de prazos, bem como garantir a eficiência nos procedimentos de tomadas de decisão da Agência, visando revitalizar a capacidade operacional da Agência. Espera a ANCINE atingir os seguintes resultados: racionalização do processo: foco do acompanhamento nos projetos que alcancem a captação mínima para sua execução; avanço institucional: unificação dos fomentos indireto (leis de incentivo) e direto (recursos orçamentários, incluindo o FSA); desburocratização: eliminação de exigências desnecessárias ou em duplicidade com outras etapas e redução das diferenças de regras/marcos a partir da harmonização com o fomento direto; remanejamento de força de trabalho: redução das demandas de análise de projetos em sua fase anterior à execução, liberando parte da equipe para outras áreas/processos, especialmente para o acompanhamento físico-financeiro; maior controle: eliminação de risco de execução de despesas em projetos que não logrem êxito em captar e liberar recursos e, finalmente, a redução de projetos enquadrados em disposições transitórias e maior objetividade dos critérios.

É essencial para o futuro do mercado audiovisual brasileiro que as contribuições à essas Consultas Pública, bem como que as consequências resultantes delas, tragam um projeto eficiente para a apresentação de projetos e para a prestação de contas, sob pena de se criar uma lacuna irrecuperável no fomento ao conteúdo nacional. A participação do mercado é recomendada e premente.

De outro lado, será desafiador enfrentar o “passivo” das tomadas de contas pendentes, após tantos anos de atraso neste trabalho. Empresas conseguem guardar comprovantes de despesas, mas por é muito tempo para se reconstituir fatos relacionados a produções que são realizadas em curto período e alto volume de pequenas transações.

Esse estoque de prestação de contas pode vir a se tornar, na verdade, o grande gargalo do futuro do fomento ao audiovisual na medida em que transformarem o cotidiano das produtoras num trabalho hercúleo de reconstituição de informações documentais e burocráticas de um passado distante. Eventuais falhas voluntárias ou não serão seguidas de potenciais sanções administrativas e obrigações que podem chegar até a restituição de valores, com consectários legais. Estará formado então um contencioso que pode ser a segunda onda de um mar revolto ainda não navegado pelo audiovisual brasileiro. É um momento de atuação responsável e diligente para todos.

Marcos Alberto Sant’Anna Bitelli
Marcos Alberto Sant’Anna Bitelli | marcos.bitelli@bitelli.com.br

Marcos Alberto Sant’Anna Bitelli Doutor e Mestre em Direito pela PUC-SP Especialista em Direito do Entretenimento, Audiovisual, Propriedade Intelectual, Comunicações e Telecomunicações Sócio de Bitelli Advogados

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