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Artigo / Cinema

30 Julho 2020

Mulheres no Cinema Peruano

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O cinema peruano é pouco exibido no Brasil devido a questões comerciais de distribuição que não alcançam nosso território no mesmo ritmo de sua pujante produção atual. Algumas poucas produções, como o filme Retablo (2017), chegam às salas comerciais brasileiras, e outras só são exibidas em festivais, mostras (ex: Mostra de Cinema Peruano no Cine Ceará 2018), ou em plataformas de streaming como a Retina Latina que exibe gratuitamente filmes latino-americanos.

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Essa dificuldade de circulação acaba escondendo fatos essenciais como a profusão de mulheres atuando profissionalmente no cinema peruano. Desde o início do século XX, elas atuam em diversos setores dessa cadeia produtiva, principalmente como atrizes atravessando décadas, mas também noutras funções que aqui recuperamos e reparamos historicamente, como: Maria Isabel Sanchez Concha, a primeira mulher a escrever o roteiro do segundo filme de ficção feito no Peru chamado Del manicomio al matrimonio (1913). Stefania de Nalecz Socha, nascida na Polônia, dirigiu Los abismos de la vida (1929) e foi a primeira diretora de ficção radicada no Peru. No âmbito da crítica cinematográfica, a escritora María Wiesse é a pioneira, tendo contribuído nos anos 20 com a célebre revista Amauta fundada pelo pensador marxista José Carlos Mariátegui. Patricia Pardo de Zela foi roteirista do filme Sabotaje en la selva (1953) que contou também com trilha musical da importante cantora peruana Chabuca Granda. A escritora e reconhecida poetisa Branca Varela foi crítica de cinema, e escreveu para a revista político-cultural Oiga entre os anos 1962 e 1964 usando curiosamente um pseudônimo de “Cosme”. O filme Seguiré tus pasos (1967) teve Josefina Vicens como roteirista. A primeira diretora de fotografia foi Rosalío Solano que trabalhou no filme El tesoro de Atahualpa (1968). Maria Esther Palant foi roteirista dos filmes El embajador y yo (1968) e Nemesio (1969), e nos anos 70 começa a dirigir seus próprios filmes.

Como visto nesse pequeno recorrido histórico até o final dos anos 60, algumas mulheres já trabalhavam com cinema no Peru e a análise aprofundada do levantamento completo (séculos XX e XXI), em breve será publicada cientificamente, como resultado de estudo sobre Mulheres no Cinema Peruano no contexto da pesquisa mais ampla sobre cinema no Peru.

Importante destacar que nossas fontes revelaram uma atuação mais expressiva de mulheres a partir dos anos 60, no bojo de uma guinada político-estética mundial, quando outras aparecem em destaque na história do cinema desse país. E nesse clima surge também a primeira diretora peruana, a consagrada Nora de Izcue reconhecida internacionalmente e principalmente no cenário do cinema latino-americano. Ela merece proeminência por sua longa trajetória na direção cinematográfica e por fazer um tipo de cinema que percorreu o Peru profundo para além da capital Lima. Evidenciamos alguns de seus documentários e ficções: Encuentro (1967), Filmación (1970), Runan Caycu (1973), Guitarra sin cuerdas (1974), Te invito a jugar (1976), El Juancito (1978), Canción al viejo Fisga que acecha en los lagos amazónicos (1978), Las pirañas (1979), El viento de Ayahuasca (1982), Pobladoras de cerros y arenales (1986), Como una sola mano (1987), Color de Mujer (1990), Para vivir manãna todavía (1991), Elena Izcue, la armonía silenciosa (1998), El viento de todas partes (2004), Responso para un abrazo, tras la huella de un poeta (2013), entre outros. Alguns destes filmes podem ser vistos na plataforma de streaming Retina Latina, no Vimeo e também no próprio canal da diretora no Youtube. Nora de Izcue é um ícone vivo do cinema da América Latina, e continua colaborando com o mundo cinematográfico por meio de participação em eventos de cinema, entrevistas, e como conselheira em instituições. Paralelamente a Nora e também depois dela, muitas mulheres começaram a trabalhar com cinema em diversas funções. Ressaltamos outros nomes, dessa vez mais contemporâneos, como forma de difusão ao público brasileiro.

Rosa María Oliart é professora universitária de Som no Audiovisual, diretora de pós-produção de som, e já trabalhou com som direto. Atualmente é diretora da Fade Out, empresa de Desenho e Mixagem de som. Atuou em diversos filmes importantes na história do cinema peruano como: Wiñaypacha (2017), La Casa Rosada (2016), Av. Larco, la película (2017), Wik (2016), Rosa Chumbe (2016), Solos (2015), Sigo Siendo (2013), Paloma de Papel (2003), Alias ‘La gringa’ (1991), e há outros em sua vasta atuação. Destacamos que Rosa Maria Oliart também trabalhou no som do filme Antuca (1991), obra de ficção que denuncia os maus tratos às empregadas domésticas e as tristes contradições que as mulheres migrantes andinas são obrigadas a passar. Este filme emblemático da história do cinema no Peru teve direção de María Barea (1943), uma das fundadoras do Grupo Chasqui bastante conhecido nos anos 80 por exibir e debater filmes em cidades distantes sem salas de cinema e onde o cinema em geral não chegava. Para o filme Antuca, María Barea formou uma equipe majoritariamente composta por mulheres incluindo a saudosa Chalena Vazquez na direção musical. O filme “Antuca” está disponível no Youtube.

Outra referência contemporânea é Mónica Delgado, crítica de cinema desde 1998, jornalista, pesquisadora, diretora da revista Desistfilm e colaboradora do portal de jornalismo independente Wayka. Seus textos contribuem com a difusão de filmes nacionais e internacionais no Peru, e ela tem circulado em festivais pelo mundo. Monica reivindica que a crítica de cinema no Peru não é espaço exclusivo de homens.

Listamos a seguir outras mulheres bastante atuantes e reconhecidas no cinema peruano: Claudia Llosa (diretora), Melina León (diretora), Ana Caridad Sanchez (diretora), Karina Cáceres Pacheco (diretora), Enrica Perez (diretora), Rossana Diaz Costa (diretora), Malena Martínez Cabrera (diretora), Marianela Vega (diretora),  Joanna Lombardi (diretora), Nuria Frigola (diretora), Barbara Woll (diretora), Cecilia Cerdeña (diretora), Maria Ruiz Vivanco (produtora), Nathalie Hendrickx Pompilla (produtora), Carolina Denegri (produtora), Ani Alva (produtora), Julia Gamarra (produtora), Fabiola Reyna (diretora de festival), Marta Méndez (diretora de arte), Cecilia Montiel (diretora de arte), Giovanna Pollarolo (roteirista), entre tantas outras. E devemos sempre lembrar as inúmeras atrizes históricas como Delfina Paredes, Saby Kamalich, Elvira Travesi, Mariella Trejos, Élide Brero, Patricia Pereyra, Magaly Solier, Monica Sanchez, Elena Romero, Tatiana Astengo, Liliana Trujillo. 

Mesmo com tal volume de mulheres trabalhando no cinema peruano ainda há dificuldades na difusão de seus trabalhos no próprio país e fora dele, o que aponta para assimetrias nas regras de mercado e ausências em ações efetivas de políticas públicas para o cinema. Pensando nisso, algumas ações começaram a surgir de forma mais organizada, incisiva e reivindicatória. No âmbito da difusão e exibição, foi criado o “Festival de Cine Peruano Hecho por Mujeres”, e mais recentemente a “Asociación de Mujeres Audiovisuales (AMA/Perú)” com objetivo de lutar por direitos e mais espaços na indústria audiovisual em geral. De algum modo, este texto colabora com a divulgação dessas profissionais e suas obras diante de possíveis apagamentos de suas existências. Outrossim, contribui com a ampliação de repertórios sobre cinema peruano no Brasil.

 

*Todos os dados dispostos neste texto são fruto de pesquisa ampliada em andamento sobre cinema do Peru coordenada pelos pesquisadores Carla Rabelo e Fernando Llanos.

 

Carla Rabelo
Carla Rabelo

Professora Adjunta do bacharelado em Produção e Política Cultural da Universidade Federal do Pampa (UNIPAMPA). Doutora e Mestra pelo PPGCOM/ECA/USP. Integra os comitês editoriais das revistas Imagofagia e Cadernos Forcine. Foi docente de Linguagem do Cinema e Audiovisual na UNIMONTE, FIAM-FAAM/FMU e UNINOVE. Trabalhou como assessora institucional e coordenadora de projetos no Centro Cultural São Paulo (CCSP/SMC-SP). Atuou na área de produção audiovisual na TV Cidade de Aracaju (SE).

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