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Artigo / Audiovisual

25 Novembro 2020

Realidade bárbara

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Durante a pandemia o aumento na audiência favoreceu especialmente alguns gêneros televisivos, como jornalismo e entretenimento. Na busca pela informação em relação ao novo coronavírus, a TV aparece como meio mais confiável para 79% da população. Quinto gênero mais comentado do Twitter até então, o jornalismo passou para o segundo lugar, perdendo apenas para os reality shows. Formato esse que encontrou no Brasil um público devoto e apaixonado – e a pandemia só fez catalisar o clima de romance. Há dentro do universo audiovisual quem torça o nariz para reality shows, porém são eles que dominam os assuntos nas redes, com 15 vezes mais impactos que os conteúdos de streaming e programas sob demanda. E não sou eu quem diz isso, mas sim a CEO do Kantar IBOPE Media no Brasil, Melissa Vogel, em entrevista concedida ao portal Tela Viva em novembro de 2020.

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O primeiro reality estreou no Brasil em 2001, já batizado pela polêmica “No Limite ou Casa dos Artistas?”. Difícil responder qual veio antes, pois ambos estrearam no mesmo dia – um na Globo e o outro no SBT; com acusações de plágio, choro e ranger de dentes por parte da emissora carioca – um enredo digno de novela da Record, (que nessa época nem sonhava com A Fazenda), estava lançado e abrasileirado, um novo modelo midiático que suscitaria amor e ódio dentro e fora das telas.

Minha intenção não era exatamente falar dos reality shows em geral, tão pouco da audiência extraordinária da última edição do BBB que, apesar de ter alcançado a longeva idade de 20 anos no Brasil, completou três meses ultrapassando a marca de 165 milhões de pessoas alcançadas na audiência acumulada no PNT[1]. A edição registrou, no período de 21 de janeiro a 21 de abril, média de 25 pontos em São Paulo e 27 no Rio de Janeiro, isso representa um crescimento de 5 pontos em São Paulo e outros 5 no Rio – os dados que impressionam, são do portal F5 em reportagem de maio de 2020. Sem falar no já citado A Fazenda, que em sua décima segunda edição, vai esticar a atual temporada também devido aos altos índices de audiência – assim como fez o BBB 20; a previsão é que Marcos Mion e a turma rural fiquem ao todo 101 dias na grade, outro recorde.

Quero voltar à Casa dos Artistas – só dei essa volta pra não sobrarem dúvidas de que o gênero além de forte, movimenta muito nosso setor – esse reality, que trouxe entre seus participantes uma esfuziante Bárbara Paz. Pouco conhecida do grande público, tinha no currículo participações pontuais em novelas e programas como Retrato Falado da Denise Fraga (saudade que fala?) – pois ela apareceu como uma força da natureza, ganhou o prêmio de 300 mil reais, valor bem módico para os padrões atuais, e roubou nossos corações.

E quando digo nossos, me refiro a todos, não só aos corações quase quarentões, que como o meu, foram alimentados audiovisualmente com super doses de trapalhões e programas infantis oxigenados, que esperamos ansiosos pelo beijo nunca consumado entre Angélica e Supla no rocambolesco Uma Escolha Atrapalhada; pois todos vibraram quando Bárbara (tão linda e na época tão loira quanto as apresentadoras da minha infância) engatou um romance com o Papito. Romance talvez não seja exatamente o que se viu, a relação era em outro canal – e nesse, se me permitem um pequeno devaneio, imagino Del Rangel assistindo sôfrego, se perguntado atônito como lhe escapara atriz tão oportuna para Os Maias... Mas como disse, pura digressão.

Pena que a relação elétrica pós confinamento não decolou. Mas a da Bárbara conosco, esta foi alçada à outra categoria, pensar que só queríamos um namorico de verão...

Poderia ter desaparecido como apareceu, uma estrela (de)cadente de reality show, como tantas e entre tantas – mas ficou e foi além. Fez novela mexicana no SBT, fez novela de autor famoso na Globo, fez teatro, Bárbara fez cinema; ela faz cinema...

E é no cinema que foi indicada com seu filme, Babenco – alguém tem que ouvir o coração e dizer: parou, para representar o Brasil no Oscar. Nesse ano tão ímpar, pela primeira vez um filme do gênero documental foi indicado como representante no Brasil. Vejam bem, nessa terra de Eduardo Coutinho, Helena Solberg, Joel Zito Araújo – e de tantos outros documentaristas brilhantes, como um documentário ainda não havia sido indicado pela Academia Brasileira de Cinema e Artes Audiovisuais? Revelador 2020.

Pois voltando ao filme, que é tão singelo quanto intenso, que desnuda a relação de Babenco, não só com Bárbara, com quem de fato teve amor – mas com o cinema, e como o diretor foi salvo pelo fazer audiovisual. É delicado, é intenso, verdadeiro. Um reality, só que esse é impensável a comparação com os anteriores, até sacrilégio seria.

Quisera ter assistido esse filme incólume, não deu – especialmente sendo eu tão conectada à imagem – fiz imediatamente paralelos e ramificações ao que os filmes do Babenco trouxeram pra minha vida. Conceber um filme é um oficio árduo, balsâmico, necessário, com momentos reconfortantes e também perturbadores; me despertou uma gratidão doída... Porque assistindo esse documentário tive aquela rara certeza de que a vida é breve, e linda, e surpreendente – ficando nela as historias que valem a pena. Bárbara que nos diga...

 

[1] Painel Nacional de Televisão

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