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Artigo / Diversidade

20 Abril 2021

Sobrevivendo ao inferno

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O Nostradamus report para 2021 não traz nenhuma novidade chocante: pequenas empresas irão sofrer, eventualmente desaparecer, convergência de janelas, lançamentos em cinemas com menor tempo, ou inexistente e o financiamento de filmes sofrerá impactos. Roberto Olla crava que filmes puramente artísticos continuarão sendo produzidos 100% com dinheiro público, bem como os blockbuster continuarão a ganhar muito dinheiro com os investidores privados, serão os filmes do meio que sofrerão, uma vez que o dinheiro privado será caro para eles e os fundos público terão menos dinheiro, já que governos precisarão colocar dinheiro em outras áreas também.

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Esta parte é preocupante: filmes do meio evaporarem, pois são o coração do cinema, não só porque trazem volume, mas porque são a maneira mais eficiente de as cinematografias viajarem (para além dos originais das  plataformas de streaming).

“Parasita” custou em torno de 11,5 milhões de dólares e arrecadou no box office praticamente 260 milhões, já “Relatos Selvagens” custou 3,3 milhões de dólares (o real estava em média U$2,4, ou seja o custo em reais foi de aprox. 7,9 mil reais) e arrecadou no box office 30 milhões. Nada mal, ambos. Entretanto, um produtor com ampla experiência internacional comentou em conversa que era bom nos acostumarmos no Brasil com filmes de 1 milhão de...reais! Sim, um milhão de reais. “Mas é nada para um longa de ficção”, pois é, porém  no período de escassez, a reinvenção é a palavra de ordem. Equipes bem mais enxutas (sem tornar o set um ambiente de relações exploradoras), modelos de negócio que consigam encontrar saídas e principalmente roteiros que deem conta desta nova realidade.

“Las Insoladas” de Gustavo Taretto, roteiro de Gabriela Garcia, Maria Gabriela García e do próprio Taretto, é um exemplo de uma bela comédia com custos enxutíssimos. Uma locação - ok duas, o teatrinho no final - a laje de um prédio, algumas personagens e um roteiro para lá de afiado. É um modelo. “Latitudes” é outro. Eu posso ouvir a Rita Moraes falar deste case mil vezes, porque de fato é um case a ser estudado. Tudo para ser caríssimo, porém LB Entertainment (à época Los Bragas) conseguiu dinheiro bom em parcerias com empresas (product placement e meio brand content) para produzir o conteúdo, equipe super enxuta viajando. São dois exemplos de produções que podem servir de referência para roteiros inventivos que enxugam os custos, sem perder a qualidade, e de modelos de negócio e produção. Nem estou contando aqui com as novas tecnologias como o uso de engines de games para produção de sets através de paineis de LED, a Quanta vem usando em trabalhos de publicidade, o quão é realista para produções menores, descobriremos e espero que seja.

O que coloco parece ser alguns passos para trás em relação onde estávamos, orçamentos maiores, porém a historiadora que habita em mim sabe que linha reta civilizatória de progresso é uma doce e perigosa ilusão, estamos numa espiral sem fim e ondas são previstas neste percurso conturbado chamado História (não significa aceitar sem luta, muito pelo contrário, mas uma vez a situação dada, como sair dela para voltarmos ao patamar anterior e superá-lo).

Nem estou entrando no mérito da distribuição destas obras, o que vale para europa não necessariamente vale para o Brasil, uma vez que não estamos sequer perto de uma regulamentação de vod, não temos um modelo de negócio de broadcasting forte para produção e consequentemente distribuição de filmes, etc (e neste momento a televisão se encontra em crise). Vemos, no entanto, a aquisição por parte das plataformas de filmes menores e médios, elas também precisam de volume.

A pergunta que precisa ser feita é: após a tempestade qual estrutura temos para a produção local? Teremos condições de produzir filmes de grandes ou médio orçamentos em volume, sem depender exclusivamente dos streamings no modelo de cessão total dos direitos patrimoniais? Daqui três anos?

Qual incentivo público também teremos? A Ancine não só se encontra neste impasse como a PEC emergencial traz algumas questões para os próximos 02 anos. Os entes regionais nacionalmente colocam pouco dinheiro. Em São Paulo, o Estado cortou a linha do fomento e pelos próximos dois anos retirou o ICMS (era uma morte anunciada com a isenção de ICMS para vários setores suspensa), o próprio município coloca em média 14 milhões na Spcine e um quinto vai para editais, porque a empresa faz (e bem) milhares de coisas para o setor, ao passo que o fomento ao Teatro tem 16 milhões, assim como outros fomentos tem valores superiores e a pergunta é: quem retorna em empregos e desenvolvimento econômico para a cidade? E esta pergunta deve ser feita em cada estado para cobrar medidas, sem contar a  luta quixotesca com a Ancine.

Nesta equação para os próximos 05 anos precisamos olhar para o que esperamos dos entes públicos, como trabalhar com as plataformas de streaming num processo mais sustentável e como conseguir investimentos privados, sendo que neste primeiro momento será necessária muita inventividade para entregar o máximo com bem menos. 

Malu Andrade
Malu Andrade

Malu Andrade é fundadore da rede Mulheres do Audiovisual BRASIL, membre do + Mulheres, Diretore da Coração da Selva e foi Diretore de Desenvolvimento Econômico e Políticas Audiovisual da Spcine.

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