16 Julho 2021
Que tal voltarmos a nos espelhar no que está ocorrendo no mundo para não ficamos para trás? - Parte I
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Na Europa, a França foi o primeiro país a introduzir uma obrigação de investimento para os provedores de VOD em 2009, estendendo a taxa que já incidia em outros mercados para a venda e aluguel de filmes online. E, depois de anos de discussão, em 2018, cria uma base legal, permitindo que seja estendida aos provedores de VOD estabelecidos fora da França, como Netflix, e plataformas de compartilhamento de vídeo, como o YouTube, uma taxa sobre faturamento do VoD no país.
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A partir de 2020, a alíquota desse imposto passou de 2% para 5,15%. Em dezembro de 2020, a França anunciou que planejava também aumentar a taxa de sua obrigação de investimento direto para serviços de VOD para 20%-25%. Esta nova taxa seria aplicável a partir de 1º de julho de 2021, tornando a França o estado-membro da comunidade europeia com as maiores contribuições para ofertas de serviços de VOD.
E foi essa a grande novidade anunciada pelo governo francês em 2021, com o Decreto conhecido como SMAD – Serviços de Mídias Audiovisuais sob Demanda, que também inclui os serviços de Catch-Up. Os conglomerados de vídeo por demanda terão que investir em obras audiovisuais francesas. Somente este investimento pode significar para a França, se considerarmos apenas a empresa NETFLIX, cerca de R$ 1.2 bilhão de reais. Já no Brasil, seguindo a lógica do projeto que tramita no Senado estamos falando em algo em torno de R$ 500 milhões de uma única empresa, e que não afetariam qualquer outra atividade econômica, já que são recursos com destinação específica.
Além dessa obrigação, a França, a fim de salvaguardar as janelas de exibição de uma obra de longa metragem, cria duas obrigações para estas empresas:
a) As plataformas terão que dedicar pelo menos 20% de seu volume de negócios na França para financiar a produção de obras audiovisuais europeias ou obras de expressão original francesa. Essa taxa aumenta para 25% para plataformas que oferecerem filmes de longa metragem com uma janela menor do que 12 meses do seu lançamento nos cinemas; e
b) dos investimentos realizados, um percentual mínimo de 20% deverá ser investido em obras de longa metragem para exibição inicial em salas de exibição.
Do total dos investimentos, 3/4 podem ser em obras cinematográficas européias de produção independente com direitos exclusivos das plataformas por até 12 meses para cada território adquirido ou, 2/3 podem ser aplicados em obras audiovisuais independentes europeias variadas, como telefilmes, séries, documentários, com direitos de exclusividade limitados à 36 meses e, sem exclusividade, podendo chegar a 72 meses em cada território.
Esta é uma questão que garante a sobrevivência dos exibidores já que sem esse tipo de regulação, os filmes vêm sendo lançados quase que ao mesmo tempo nas duas janelas, prejudicando em muito as salas de exibição.
Durante o festival de Cannes, um dos grandes defensores do cinema destinado as salas de exibição, o diretor do Festival, Thierry Fremaux, voltou a se declarar a favor das salas e obviamente a favor da nova exigência para as plataformas.
É claro que este é um mercado dos mais competitivos. São poucas as empresas que têm prestado serviços às plataformas quando essas aplicam recursos em projetos locais. Já vemos dentro destas plataformas vários títulos exclusivos, produzidos por produtoras que nem sempre detêm direitos sobre as obras, e que assim não geram patrimônio para o País. Esta é a principal ênfase da lei francesa: O investimento principal deve ser realizado em obras independentes, sejam para as salas de exibição, sejam para as mídias eletrônicas ou para a internet.
Há ainda uma questão fundamental para os países da Europa, que diz respeito à identidade e à diversidade.
E aí? Mais uma vez a França inova levantando a discussão que ainda está para ser resolvida: Como evitar a concentração dos investimentos em poucas obras, impedindo assim a diversidade esperada e a geração de patrimônio para o País? Pensando nisso, vários países iniciaram estudos para modificar as suas recentes legislações a fim de incluir a obrigação de produção independente e de diversidade na escolha das suas empresas produtoras parceiras.
Sim, as produções feitas por prestação de serviços geram emprego e impostos. Mas será que nelas estão presentes as múltiplas formas de olhar uma história e contá-la, com personagens locais, com linguajar local, e com a estética local? Será que é certo estas empresas entrarem no nosso espaço audiovisual explorando-o sem qualquer regulação? Sempre nos espelhamos na França e hoje há um projeto tramitando no Senado de autoria do Senador Humberto Costa e relatoria do Senador Jean Paul Prates que segue esta tradição sem deixar de levar em conta nossas especificidades.
Chamo a todos para nos unir em torno do projeto que poderá ampliar uma política pública que vinha dando certo!
Vera Zaverucha
Com mais de 30 anos de experiência na administração pública, foi diretora da Agência Nacional do Cinema - ANCINE, Secretária de Estado para o Desenvolvimento do Audiovisual - SAV e diretora da Fundação do Cinema Brasileiro. Na Ancine, um de seus importantes legados foi a criação do Observatório de Cinema e Audiovisual – OCA, que monitora e analisa dados do mercado audiovisual. É autora do livro “Desvendando a Ancine” e atua desde 2015 como consultora, professora e palestrante especialista em regulação do setor.
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