27 Julho 2021
Mas, afinal, o que é a Netflix?
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Continua repercutindo o anúncio feito pela Netflix de que oferecerá jogos on-line. Esta novidade se soma a outras divulgadas em tempos recentes. No início de julho, a empresa contratou a executiva N’Jeri Eaton, ex-Apple, que comandará os investimentos em podcast. Em junho, lançou a Netflix Shop, loja virtual com diferentes produtos licenciados, de bonés a travesseiros. No fim do ano passado, começou na França os testes do Direct, um canal de TV linear, ou seja, com grade de programação. E o que há em comum entre todos esses movimentos? Nenhum deles se insere naquilo que conhecemos como vídeo sob demanda (VOD, na sigla em inglês).
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Não é coincidência que a Netflix anuncie tantas novidades ao mesmo tempo em que vê sua concorrência crescer e seu market share diminuir. A Netflix não está errada em se mexer, muito pelo contrário. Errados estão aqueles que usam a Netflix de forma deturpada para pintarem um quadro no qual o VOD esmagaria todas as outras formas de entretenimento. Por ironia do destino, o que se vê agora é justamente o contrário: um serviço de VOD incorporando outras formas de entretenimento para não ser esmagado.
É interessante notar que, além não terem relação com VOD, nenhuma das novidades mencionadas no começo deste artigo é de fato nova. Grades de programação, jogos, podcasts e travesseiros existem há muito tempo. Isso demonstra outra característica da indústria de tecnologia: a de vender inovação mesmo quando ela não existe. É certo que tal prática não se restringe às empresas pontocom, mas é inegável o fato delas terem levado esse discurso a um grau incomparavelmente mais alto do que qualquer outro setor possa ter praticado um dia.
A síntese desse alarmismo digital pode ser encontrada naquela imagem exaustivamente compartilhada por desavisados no LinkedIn que inclui, junto à marca da Netflix, a seguinte frase: “A mais crescente rede de televisão não possui cabos”. Neflix não é e nunca foi uma rede de televisão. E mais: com seus últimos movimentos, Netflix deixou de ser apenas serviço de VOD, já que podcast não é vídeo e grade de programação não é sob demanda.
Daí então surgem duas perguntas: mas, afinal, o que é a Netflix? E como devemos chamar o mercado no qual ela se insere? Resposta da primeira pergunta: Netflix é um site. Resposta da segunda pergunta: o mercado é o de Internet. Tamanhas obviedades não costumam ser ditas por aí, certamente porque não combinam com expressões da moda como “pensar fora da caixa” ou termos como disrupção, estrangeirismo horrendo derivado do termo em inglês disruption. Verdades cristalinas não cabem em teses apocalípticas.
A partir do momento em que a empresa de Reed Hastings amplia seu raio de ação, ela passa a concorrer, ainda que indiretamente, com diferentes páginas web. Deixa de ser, portanto, puramente VOD e passa a ser qualquer coisa transmitida pela Internet. Eu, inclusive, não me surpreenderia se, daqui a algum tempo, visse a Netflix também oferecer e-books ou rádios ao vivo, como já acontece em outros serviços.
Quem trabalha com audiovisual precisa chamar as coisas pelo nome e trata-las como são, fugindo de discursos sensacionalistas. Também deve ter cautela ao analisar o presente e, sobretudo, projetar o futuro, concentrando a atenção em quem realmente importa: o público. A Netflix sabe que mídia é um negócio baseado em acumulo, seja de conteúdo, seja de nichos de mercado. E se VOD não é suficiente para ela, que busque outros caminhos! Nos tempos que correm, para se manter, é preciso mudar.
Fernando Morgado
Consultor e palestrante de marketing e inteligência de mercado. Já atuou para empresas como B2W, Band, Globo e SBT. Professor das Faculdades Integradas Hélio Alonso. Professor convidado de instituições nacionais e estrangeiras. Autor de vários livros publicados no Brasil e no exterior, incluindo o best-seller Silvio Santos - A Trajetória do Mito. Membro da Television Academy, entidade organizadora dos prêmios Emmy. Foi coordenador adjunto do Núcleo de Estudos de Rádio da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Mestre em Gestão da Economia Criativa e especialista em Gestão Empresarial e Marketing pela ESPM.
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