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Artigo / Tendências & Mercado

06 Outubro 2021

De volta ao vaudeville?

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Um dos sintomas da complexidade do momento que vive a área de exibição no mundo pode ser percebido em ações como a capitaneada pela AMC no início de setembro. Maior rede exibidora dos Estados Unidos, a empresa investiu 25 milhões de dólares na campanha We Make Movies Better, estrelada por Nicole Kidman. A ação, alardeada pelo CEO da AMC, Adam Aron, como a maior iniciativa até hoje promovida pelo setor, contudo, foi alvo de críticas ferozes pelos norte-americanos. 

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A recepção negativa da campanha da AMC dá a medida do desafio que será conquistar de volta o consumidor perdido das salas de cinema durante o período de isolamento social. Somado ao medo de contrair o vírus em um lugar público e fechado, as exibidoras terão que lidar com a potencialização de uma tendência de mercado que já vinha impactando no comportamento do consumidor antes da Covid-19: a multiplicação das plataformas de SVOD.  

As exibidoras terão que entender rapidamente que apenas pipoca, refrigerante, balas e uma infinidade de badulaques licenciados das grandes franquias não serão suficientes para que os consumidores voltem ao circuito. O público do “novo normal” quer bem mais do que isso para justificar sua saída de casa e o gasto que terá de efetuar para ver um filme na sala escura.  

Dados sobre 2020 divulgados pela Ancine indicam que o número de salas encolheu quase 25% no Brasil se comparado a 2019. A queda de público no período foi de 77%, sendo que 39 milhões bilhetes foram vendidos no País o ano passado. A mesma agência já avisava em seu Informe de Mercado de 2019 que 88% das salas de cinema do país hoje estão localizadas dentro de shopping centers. Desde que os multiplexes passaram a prosperar Américas nos anos 1990, tais complexos se tornaram as “âncoras” de grande parte destes centros comerciais. O mix compras, praça de alimentação e salas de cinema garantiam o sucesso destes empreendimentos, dando a seus frequentadores uma experiência de consumo completa. 

Ocorre que os atuais espectadores, traumatizados pela pandemia, parecem agora quererem bem mais do que uma experiência de consumo para irem ao cinema. Se ver um filme é possível inclusive da tela do celular, restou ao cinéfilo descobrir quais novas experiências uma ida ao cinema pode proporcionar que ultrapassem o mero ato de comprar coisas, comida e ingressos.  

Desde antes da pandemia, as principais exibidoras ao redor do mundo já ofereciam toda a sorte de novidades tecnológicas para turbinar a venda de ingressos e de guloseimas nas bombonieres. Contudo, agora esse comportamento não é mais apenas um diferencial das salas desta ou daquela empresa. Tornou-se na verdade uma estratégia urgente de sobrevivência.   

Mais do que isso. A tendência que vem ganhando força é que salas que servem de jantares e bebidas alcóolicas e que têm poltronas maiores com cobertas que lembram o “sofá de casa” cada vez mais se multipliquem pelos complexos. Se antes esses luxos eram destinados às salas frequentadas por consumidores mais abastados da classe A, agora eles precisarão ao menos serem estendidos à classe B que é quem mantém a roda da exibição girando em países como o Brasil, segundo dados da Flix Media.  

Alguns até podem chamar tal processo de “gourmetização” dos cinemas, após sua “elitização” ao se instalarem em shoppings. Contudo, é melhor olhar esse movimento como uma volta ao vaudeville que marcou a realidade do Rio de Janeiro a Paris no início do século XX, quando o cinema ainda era uma novidade. Nestas “casas de espetáculo de variedades” que unia cinema, música, bar e restaurante, como um dia ensinou o professor Arlindo Machado, nasceu a cultura do “divertimento” urbano que se tornaria a poderosa indústria do entretenimento do século XX. As exibidoras voltarem às suas raízes é, portanto, uma boa maneira de tirarem o público de casa para curarem o atual “pé quebrado” da exibição por conta do Covid-19.

Márcio Rodrigo
Márcio Rodrigo | marcio.ribeiro@espm.br

Professor do curso de Cinema e Audiovisual da ESPM-SP, doutor em Comunicação e Artes pela UNESP e jornalista.

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