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Artigo / Tendências & Mercado

17 Janeiro 2024

O maior comediante do país

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Vivo na certeza de que todo ser humano é ridículo. Sou desajeitada, inadequada. A única forma que eu sei lidar com meus problemas é fazendo piada deles. Lembro o tempo todo que estamos morrendo. Cresci portanto admirando a comédia e os maiores comediantes do país: Chico Anysio, Jô Soares, Renato Aragão. Os monstros sagrados do riso. 

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Minha avó era muito amada, engraçada, debochada e flatulenta. Seu velório parecia um show de rock de tão lotado. Ouvi minha mãe dizer que as pessoas riam muito da vovó, mas pelas costas falavam mal. Onde já se viu mulher de família dizendo aquelas baixarias todas? Mas na frente eu sou testemunha: riam. Vovó Cesarina zoava a quem fosse. Era uma doença. Genética. Como a digestão ruim. 

Pois bem. No meu primeiro grupo de stand up eu já ouvi: "você é muito engraçada -VÍRGULA- pra uma mulher". 

Não era incomum nessa época ouvir "mulheres não são engraçadas". Quando acontecia eu lembrava imediatamente da minha avó. E também das "piadas" dos meus tios, que se achavam engraçados sem sê-lo.

Logo fui chamada pra fazer parte de um grupo de comédia maior e mais conhecido. Os novos parceiros me instruíram: "Começa forte, sabe como é: entra uma mulher no palco, a galera fica com preguiça". Eles não mentiam. Eu sabia como era. 

Teve um elogio que eu levei pra casa como um troféu: "Veronica é muito boa! Ela mija em pé". Era uma versão mais gráfica do quanto eu era engraçada - VÍRGULA- para uma mulher. Talvez Monteiro Lobato diria que eu era uma mulher com alma de homem. Flutuei de alegria. Hoje acho mijar em pé meio porco. 

Eis que um pouco antes da pandemia me liga Ingrid Guimarães. Eu não a conhecia. Sentamos num café:" Quero uma redatora mulher nos meus filmes". Demorei uns trinta segundos pra entender que ela estava propondo que eu escrevesse o próximo filme dela. Eu já tinha experiência ( e até uma indicação ao Emmy) escrevendo séries de humor e humorísticos na TV Globo, mas eu nunca tinha escrito um longa. E a Ingrid já era a Ingrid.

Mulheres contratando mulheres. Apesar da neblina patriarcal. Sororidade alguns diriam. Tino comercial também. Somos maioria, afinal. E não estamos mais na época da minha avó - embora às vezes pareça - de modo que as mulheres têm poder de consumo. 

O que se seguiu depois do convite foi uma pandemia, mortes, pânico, redações por zoom, deliverys, gargalhadas, choros compartilhados, abraços apertados e "Minha irmã e eu". Conosco um timão de gente brilhante - Célio Porto, Fil Braz, Leandro Muniz, Tatá Werneck e a diretora Susana Garcia - pra fazer o texto que está hoje nas telas. 

Semana passada eu assisti o filme longe do burburinho da estréia. Só eu e o balde de pipoca no canto escuro. O que se destaca é que Ingrid e Tatá, cada uma a seu modo, são indiscutivelmente hilárias.  

Entre a surrealista atrapalhada e a naturalista desconfortável, aconteceu. Independentemente de qual seu tipo de humor favorito, o ângulo que você escolha…aconteceu:  

 O maior comediante do país é mulher.  Ponto pra vovó.

Veronica Debom
Veronica Debom

Veronica Debom é atriz e roteirista com passagens pelas emissoras Globo e Record, além de uma dramaturga de sucesso. Despontou na cena teatral carioca com a peça "O Abacaxi" e foi indicada ao Emmy pela produção "Diário de um Confinado", da Globo. Foi a primeira roteirista a adentrar o filme "Minha Irmã e Eu", protagonizado por Ingrid Guimarães e Tatá Werneck, no qual também aparece como atriz.

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