30 Outubro 2024
Caminhando pela Paz
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Não me definiria como documentarista, mas como um caminhante.
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Aprender a olhar, editar, brincar com música, poesia, silêncio, dilatar o tempo, reger cores e sons - o cinema, para mim, é encantado.
Muitas vezes me peguei dizendo: “Eu pagaria para fazer isso”.
Na maioria das vezes, era exatamente o que eu estava fazendo, o que pode ser um pouco problemático.
O caminho que eu escolhi é o que pior se paga.
Cansei de ouvir de produtores experientes dizendo: “Cadê o conflito? Esse filme não vai vender”.
Eles estavam certos. Eu também. De continuar a caminhada sem buscar o conflito.
O primeiro filme que dirigi retratava a busca pela sabedoria.
Em Samadhi Road, eu e meu irmão (Daniel) viajamos por quatro anos em busca de pessoas cujas experiências de vida pudessem nos aproximar de uma compreensão mais profunda da existência. Entrevistamos figuras como Sonny Rollins, Gilberto Gil, Robert Thurman e Mooji. O fim das gravações marcou também o fim da busca incessante e inalcançável por algo que está fora.
O segundo filme que dirigimos trazia uma pergunta em voz alta: “O que significa ser livre?”
Passamos dias e noites filmando no regime fechado de um presídio em Minas Gerais, conhecido pela abordagem focada na regeneração do ser humano.
O resultado foi o filme Do Amor Ninguém Foge, que foi um fracasso de distribuição.
Teria o filme chegado em mais espaços se tivéssemos abordado as histórias violentas que os levaram à prisão ao invés de mergulhar na vida pulsante dentro de cada ser humano que estava lá preso?
Há quem veja importância em falar de justiça sem perder de vista o amor.
Tivemos duas sessões que vou lembrar pra sempre: uma com a presença de Carmen Silva e Preta Ferreira na Ocupação 9 de Julho, e outra no próprio presídio, para que os recuperandos pudessem aprovar nosso trabalho.
Lágrimas, esperança e um senso de unidade entre os que assistiam o filme: a materialização evidente do propósito de fazer cinema.
Aproximar-me da dor do outro me permitiu aumentar a capacidade de amar e reverenciar a vida em todas as suas formas.
Nesse mergulho no amor, descobri Satish Kumar: um ativista, educador e peregrino indiano que dedica a sua vida à paz. O resultado deste encontro - Amor Radical - está sendo lançado na Mostra Internacional de São Paulo.
Eu achava que ativismo era só para as pessoas na linha de frente, que vivem em situações extremas e precisam gritar para serem ouvidas, mas percebi, ao fazer o filme, que todos podem ser ativistas.
E que viver em 2024 nos pede: sejamos ativistas. Acreditar que o mundo vai acabar, que não tem mais jeito, ou que o ser humano não presta, são crenças que nos autorizam a continuar vivendo de forma irresponsável, egoísta e ignorante.
É necessário estimular narrativas propositivas, não violentas, e compreender que, por trás de toda polarização, está a vida.
Atrás de todas as bandeiras, passaportes, profissões e partidos políticos, estão pessoas com corações valiosos e pés que podem — e devem — caminhar pela paz.
Julio Hey
Julio Hey é documentarista, ativista, diretor e sócio-fundador da Café Royal. Responsável pelos documentários "Amor Radical”, “Samadhi Road” e “Do Amor Ninguém Foge”, se dedica a projetos voltados para ecologia, valores humanos, espiritualidade e não-violência.
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