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Artigo / Cannes, Tendências & Mercado

28 Maio 2025

Jafar Panahi vence a Palma de Ouro por "Un Simple Accident" no Festival de Cannes 2025

Autor: J. Sperling Reich

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*This publication is available in English at the end of the article.

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O 78º Festival de Cannes foi encerrado em 24 de maio de 2025 com uma cerimônia de encerramento poderosa e carregada de emoção, ressaltando o papel duradouro do cinema como plataforma de resistência e conexão humana. A maior honraria da noite, a Palma de Ouro, foi concedida ao cineasta iraniano Jafar Panahi por seu impactante novo longa Un Simple Accident, uma obra moldada por suas experiências pessoais sob prisão domiciliar e repetidas detenções pelo regime iraniano.

Panahi, que teve sua liberdade de locomoção restrita por uma proibição de viajar durante mais de quinze anos, fez uma rara e profundamente comovente aparição no Palais des Festivals para receber o prêmio pessoalmente. Em um discurso que arrancou uma prolongada ovação de pé, ele falou do cinema como ponte entre culturas, voz para os silenciados e um reflexo das verdades que muitos governos preferem esconder. Seu filme, um drama psicológico satírico e sombrio, gira em torno de um grupo de ex-prisioneiros políticos que sequestra um homem que julgam ter sido seu torturador, dando início a um tenso acerto de contas moral marcado por questões de trauma, memória e perdão. Filmado - em grande parte - em segredo em Teerã, o longa foi aclamado pelo júri como ousado em sua forma e ressonante em sua carga emocional.

A presidência do júri deste ano ficou com a atriz francesa Juliette Binoche, cuja presença conferiu à cerimônia uma elegância imponente. Ela foi acompanhada por um painel internacional e diverso de jurados, incluindo Halle Berry, Jeremy Strong, Carlos Reygadas, Payal Kapadia, Hong Sang-soo, Alba Rohrwacher, Leïla Slimani e Dieudo Hamadi. Em seus comentários, Binoche elogiou o filme vencedor por sua coragem e clareza de visão, chamando-o de “um lembrete urgente de que o cinema ainda pode ser catártico”.

O Grande Prêmio, frequentemente considerado a segunda distinção mais prestigiada de Cannes, foi concedido ao diretor norueguês Joachim Trier, por Sentimental Value, uma obra silenciosa, mas emocionalmente rica que explora o afastamento familiar e a reconciliação. Reunindo Trier com a atriz Renate Reinsve, o filme segue uma mulher de meia-idade que retorna à casa após a morte de sua então distante mãe, apenas para descobrir verdades dolorosas e arrependimentos não ditos. As atuações contidas e o estilo lírico do filme foram amplamente elogiados, reforçando a posição de Trier como um dos autores mais introspectivos da Europa.

Dois filmes dividiram o Prêmio do Júri neste ano: Sirât, uma odisseia mística no deserto do diretor espanhol Oliver Laxe, e Sound of Falling, produção alemã de Mascha Schilinski que investiga ciclos geracionais de trauma através da vida de três mulheres em Leipzig pós-industrial. A justaposição dessas duas obras tão distintas simbolizou a abertura do júri a diferentes formas narrativas e registros cinematográficos. Sirât impressionou com seus visuais visionários, em contraste com a intimidade sombria de Sound of Falling, mas ambas compartilharam uma profunda preocupação com a sobrevivência espiritual e emocional.

Em uma das categorias mais aguardadas da noite, o diretor brasileiro Kleber Mendonça Filho venceu como Melhor Diretor por O Agente Secreto, uma adaptação livre do romance de Joseph Conrad ambientada no caos político do Brasil dos anos 1970. O filme, uma crítica incisiva à paranoia autoritária, também rendeu a Wagner Moura o prêmio de Melhor Ator por sua interpretação complexa de um homem preso numa teia de vigilância, desilusão e ideais comprometidos. A performance de Moura foi destacada pelo júri por seu “equilíbrio delicado entre empatia e volatilidade”, capturando a desintegração interna de um homem sem mais onde se esconder.

O prêmio de Melhor Atriz foi para a estreante tunisiana Nadia Melliti por seu papel principal em The Little Sister, um retrato silenciosamente devastador de uma mulher que resiste às expectativas culturais de sua comunidade rural. A atuação sutil de Melliti, ao mesmo tempo desafiadora e vulnerável, a destacou como uma das revelações do festival. Em seu discurso de agradecimento, proferido em francês e árabe, ela homenageou as mulheres que inspiraram a personagem e “os cineastas que ousam contar nossas histórias sem concessões”.

A dupla belga Jean-Pierre e Luc Dardenne adicionou mais um prêmio de Cannes às suas consagradas carreiras ao vencerem o prêmio de Melhor Roteiro por Young Mothers, um drama profundamente humano que acompanha as vidas entrelaçadas de adolescentes lidando com gravidez e estigma social em uma cidade industrial em crise. Vencedores da Palma de Ouro em anos anteriores, os Dardenne foram calorosamente recebidos durante a cerimônia, com muitos observadores ressaltando a vitalidade contínua de sua estética realista e despojada.

O diretor chinês Bi Gan recebeu um prêmio especial do júri por Resurrection, destacado por seu virtuosismo técnico e atmosfera onírica. Descrito por um crítico como “um labirinto cinematográfico”, o filme rompeu com as estruturas narrativas tradicionais e com a gramática visual, provocando admiração e debate entre os presentes.

Este ano, o Festival de Cannes também contou com duas Palmas de Ouro honorárias entregues no início do evento, homenageando as contribuições lendárias dos atores norte-americanos Robert De Niro e Denzel Washington. A apresentação da carreira de De Niro recebeu aplausos entusiasmados, com homenagens de antigos colaboradores, como Martin Scorsese e Meryl Streep, projetadas na imensa tela do Palais. Denzel Washington, por sua vez, agradeceu a homenagem com sua humildade característica, afirmando que “a maior recompensa é ainda fazer parte dessa conversa global através do poder do cinema”.

Apesar de uma queda inesperada de energia antes da cerimônia — um incidente que gerou algumas piadas bem-humoradas de Binoche e outros apresentadores —, a noite foi amplamente considerada uma das mais emocionantes dos últimos anos em Cannes. Quando os convidados deixaram o Palais rumo à Croisette sob um céu estrelado do Mediterrâneo, o clima era de celebração e reflexão, moldado por uma seleção de filmes que fizeram perguntas difíceis e recusaram respostas fáceis.

O Festival de Cannes deste ano serviu como um lembrete de que, mesmo em tempos de turbulência política e fragmentação cultural, o cinema continua sendo uma força vital para a empatia e a verdade. Ao homenagear um diretor que foi silenciado, como Panahi, e ao celebrar visões ousadas de novos talentos, o festival reafirmou seu legado como a principal vitrine mundial para narrativas que realmente importam.

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Jafar Panahi Wins the Palme d’Or for “Un Simple Accident” at 2025 Cannes Film Festival

The 78th Cannes Film Festival concluded on May 24, 2025, with a powerful and emotionally charged closing ceremony that underscored the enduring role of cinema as a platform for resistance and human connection. The night’s highest honor, the Palme d’Or, was awarded to Iranian filmmaker Jafar Panahi for his searing new feature “Un Simple Accident,” a work shaped by his personal experiences under house arrest and repeated imprisonment by the Iranian regime.

Panahi, whose movements had been restricted by a travel ban for over fifteen years, made a rare and deeply moving appearance at the Palais des Festivals to accept the award in person. In a speech that drew a prolonged standing ovation, he spoke of cinema as a bridge between cultures, a voice for the voiceless, and a mirror to the truths many governments fear. His film, a darkly satirical psychological drama, centers on a group of former political prisoners who abduct a man they believe once tortured them, unraveling a tense moral reckoning steeped in questions of trauma, memory, and forgiveness. Shot largely in secret in Tehran, the film was hailed by the jury as both formally daring and emotionally resonant.

Presiding over this year’s jury was French actress Juliette Binoche, whose presence lent the ceremony a commanding elegance. She was joined by a wide-ranging and international panel of jurors that included Halle Berry, Jeremy Strong, Carlos Reygadas, Payal Kapadia, Hong Sang-soo, Alba Rohrwacher, Leïla Slimani, and Dieudo Hamadi. In her remarks, Binoche praised the winning film for its courage and clarity of vision, calling it “an urgent reminder that cinema can still shake us to our core.”

The Grand Prix, often regarded as the second-most prestigious award at Cannes, went to Norwegian director Joachim Trier for Sentimental Value, a quiet but emotionally layered exploration of familial estrangement and reconciliation. Reuniting Trier with actress Renate Reinsve, the film centers on a middle-aged woman returning home after the death of her estranged mother, only to uncover painful truths and unspoken regrets. The film’s restrained performances and lyrical style drew broad praise, reinforcing Trier’s position as one of Europe’s most introspective auteurs.

Two films shared the Jury Prize this year: Sirât, a mystical desert odyssey from Spanish-born director Oliver Laxe, and Sound of Falling, a German entry by Mascha Schilinski that explores generational cycles of trauma through the lives of three women in post-industrial Leipzig. The pairing of these two vastly different films was emblematic of the jury’s openness to distinct narrative forms and cinematic registers—Sirât’s visionary visuals stood in stark contrast to Sound of Falling’s somber intimacy, yet both works shared a deep concern for spiritual and emotional survival.

In one of the night’s most closely watched categories, Brazilian director Kleber Mendonça Filho took home Best Director for “The Secret Agent,” a loose adaptation of Joseph Conrad’s novel that recasts the story in the political chaos of 1970s Brazil. The film, an unflinching critique of authoritarian paranoia, also earned Wagner Moura the Best Actor prize for his complex portrayal of a man caught in a web of surveillance, disillusionment, and compromised ideals. Moura’s performance was singled out by the jury for its “delicate balance between empathy and volatility,” capturing the inner disintegration of a man with nowhere left to hide.

Best Actress honors went to Tunisian newcomer Nadia Melliti for her lead role in “The Little Sister,” a quietly devastating portrait of a woman resisting the cultural expectations of her rural community. Melliti’s nuanced performance, at once defiant and vulnerable, marked her as one of the breakout stars of the festival. Her acceptance speech, delivered in French and Arabic, paid tribute to the women who inspired the character and to “the filmmakers who dare to tell our stories without compromise.”

The Belgian filmmaking duo Jean-Pierre and Luc Dardenne added another Cannes accolade to their storied careers by winning Best Screenplay for “Young Mothers,” a deeply humane drama chronicling the intersecting lives of teenage girls navigating pregnancy and social stigma in a struggling industrial town. The Dardennes, Palme d’Or winners in years past, were warmly received during the ceremony, with many observers noting the continued vitality of their stripped-down, realist aesthetic.

Chinese director Bi Gan’s Resurrection was singled out with a special award from the jury for its technical bravado and dreamlike atmosphere. Described by one critic as “a cinematic labyrinth,” the film pushed the boundaries of narrative structure and visual grammar in a way that sparked both admiration and debate among festivalgoers.

This year’s Cannes also featured two honorary Palme d’Or presentations earlier in the festival, recognizing the legendary contributions of American actors Robert De Niro and Denzel Washington. De Niro’s career montage drew particular applause, with tributes from former collaborators including Martin Scorsese and Meryl Streep projected onto the Palais’s towering screen. Washington, in his own speech, acknowledged the honor with typical humility, remarking that “the greatest reward is to still be part of this global conversation through the power of film.”

Despite an unexpected power outage before the ceremony—an incident that prompted a few good-natured jokes from Binoche and other presenters—the evening was widely regarded as one of the most impassioned closing nights in recent Cannes memory. As guests filtered out onto the Croisette under a canopy of Mediterranean stars, the mood was celebratory but reflective, shaped by a selection of films that asked difficult questions and refused easy answers.

This year’s Cannes Film Festival served as a reminder that even in a time of political turbulence and cultural fragmentation, cinema remains a vital force for empathy and truth. Whether by honoring a once-silenced director like Panahi or championing bold new visions from emerging talents, the festival continued its legacy as the world’s premier showcase for storytelling that matters.

J. Sperling Reich
J. Sperling Reich

É sócio da Covergent, uma empresa que presta consultoria, orientação e apoio às indústrias de mídia e entretenimento. É também editor-executivo da Celluloid Junkie, uma base online líder no setor dedicado ao mercado global de filmes e cinema. Além disso, Sperling é especialista e consultor renomado em tecnologia de cinema tradicional e digital.

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