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Artigo / Tendências & Mercado

04 Junho 2025

Preço não altera demanda por filme brasileiro no exterior

Neusa Nunes, professora do Curso de Cinema e Audiovisual da ESPM

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O governo americano anunciou tarifas sobre filmes brasileiros. Cumpre dizer que a imposição de uma tarifa é uma forma de reduzir a demanda por meio da aplicação de certa alíquota — forma mais comum de tarifar — sobre o preço final do bem, de modo a elevá-lo. Inicialmente, a efetividade econômica parece nula. Isso porque o esperado de uma medida como essa seria a substituição do importado pelo nacional. No entanto, a quantidade disponível de filmes internacionais não faz frente à dos nacionais americanos. Assim, o objetivo de favorecer a bilheteria de filmes americanos



em detrimento dos internacionais não se aplica.

Por outro lado, a expectativa de redução da demanda por filmes internacionais, devido à elevação do preço, apenas com base na lei geral da demanda, parece ingênua. Acontece que a demanda é influenciada por uma série de fatores e, em alguns mercados, outros elementos são mais relevantes do que a variação de preços. Pense, por exemplo, no mercado de artes, especialmente no segmento de leilões, em que, certamente, o preço alto estimula a demanda. No caso da  indústriacinematográfica, fatores como renda, status, conhecimento, disponibilidade do bem, gosto ou preferência parecem ter impacto mais forte.

Analiso a demanda por filmes internacionais nos EUA como aquela que acontece em um nicho, formado por uma audiência intelectualizada e, em geral, também pertencente a uma elite financeira. De tal modo que, se o ingresso subir 100%, em decorrência da tarifa, não deverá impactar significativamente a demanda, pouco influenciada pelo preço. Teoricamente, a imposição de uma tarifa exerce duas funções econômicas:

  • a) reduzir a concorrência entre um produto nacional e outro importado;
  • b) proteger uma indústria nascente.

Fica fácil dizer que nenhum dos objetivos será alcançado, o que aponta para uma irracionalidade econômica — aquela condição em que não há custo de oportunidade. Pensando na medida, não se vê claramente o que se ganha e o que se perde. O mercado segue como se nada tivesse ocorrido, afinal, a indústria hollywoodiana não é nascente e nem é o preço que comanda a escolha do público.

Ainda quero destacar o ineditismo da medida, que é tarifar um serviço. Na literaturaeconômica, a tarifação se aplica, via de regra, a bens tangíveis. Para fugir à estranheza de uma medida aparentemente inócua, trago aqui uma breve reflexão: qual seria a verdadeira motivação do governo ao propor essa taxação? Afinal, é certo que o mercado de filmes internacionais está em ascensão, seja em bilheteria, seja em

São exemplos desse sucesso o filme corano Parasita, que venceu em duas categorias do Oscar (Melhor Filme e Melhor Filme Internacional), e, mais recentemente, o brasileiro Ainda Estou Aqui, também reconhecido no Oscar. Será que a medida busca mitigar o risco de superação da indústria americana por produções internacionais?

Que assim seja um dia.

No entanto, o argumento oficial da medida é que esses filmes atentariam contra a segurança nacional americana — uma justificativa que contradiz o objetivo alegado de reduzir a demanda por filmes internacionais.

Sabemos que a economia criativa, que engloba a produção de bens e serviços intensivos em talento, tecnologia e tolerância — como define Richard Florida — trata da análise de setores econômicos fortemente dependentes de trabalho criativo e, consequentemente, geradores de um intenso mercado de propriedade intelectual. A indústria cinematográfica é parte relevante desse contexto. Isso justifica a atenção ao mercado aquecido de compra e venda de filmes em seus vários formatos de distribuição.

Dados do Brasil sobre público por obra, numa medição tradicional da 6ª semana de exibição de 2024, realizada pelo Sistema de Controle de Bilheteria do Ministério da Cultura, apontam que, entre os cinco mais assistidos no Brasil, há um filme nacional: Nosso Lar 2: Os Mensageiros. Já a mesma medição para 2025 aponta dois filmes nacionais entre os cinco mais assistidos: Ainda Estou Aqui e O Auto da Compadecida, ambos atrás da obra americana Musafa: O Rei Leão. Grande o sucesso dos nacionais por aqui, mas é preciso reforçar que, dos três filmes citados, apenas um foi exibido em território americano.

Neusa Nunes
Neusa Nunes

Neusa Nunes estuda economia criativa e tem prática em consultoria de serviços criativos. O foco de pesquisa está em como a economia pode fomentar crescimento e desenvolvimento econômico –por exemplo, na regulação de água e saneamento básico, mas também, na produção de bens intensivos em criatividade e a força da destruição criativa como forma de inovação. Leciona na graduação da ESPM no curso de Cinema, Design e Ciência Sociais. Coordena o curso de marketing in company. É graduada em economia pela universidade presbiteriana Mackenzie (1996), com especialização em marketing (2010) também pelo Mackenzie. é mestre (2012) e doutora (2018) em administração com foco em gestão internacional, ambas titulações pela Espm – escola superior de propaganda e marketing (2012).

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