25 Julho 2025
O audiovisual e a reforma tributária: os riscos em jogo e o teste de 2026
Autoras: Gisele Jordão e Daniella Galvão
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A tão esperada Reforma Tributária, com testes marcados para 2026 e implantação plena em 2033, promete simplificar o sistema de tributos sobre o consumo, substituindo PIS, Cofins, IPI, ICMS e ISS por um IVA dual: IBS (estadual e municipal) e CBS (federal). O discurso oficial fala em desburocratização e incentivo à economia. Mas, para o setor audiovisual, a realidade pode ser bem outra: uma teia de incertezas e retrocessos que ameaça o fomento, a competitividade e a existência de produções nacionais, sem leis de incentivo fiscal estaduais e regionais, com direitos autorais tributados e perda de autonomia regional.
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Para o audiovisual, um setor tão dinâmico e estratégico da economia criativa, a efetividade e os reais impactos dessa Reforma dependerão crucialmente da redação de leis ordinárias específicas ou ajustes nas leis já existentes, das diretrizes sobre a tributação de direitos autorais, que seguem tributados pelo Imposto sobre a Renda e da articulação federativa para a criação de novos instrumentos de fomento diante da vedação de concessão de incentivos com o IBS. Por isso, é preciso que o setor analise o impacto e enfrente o tema. Precisamos nos mexer, e é agora.
A seguir, detalhamos os pontos sensíveis que exigem nossa intervenção imediata para garantir que a reforma beneficie, e não prejudique, o futuro do audiovisual brasileiro.
A tributação de direitos autorais e da propriedade intelectual entra num terreno sensível. Hoje os pagamentos de direitos autorais às pessoas físicas são tributados apenas pelo imposto de renda. No caso de pagamentos de direitos, em razão de cessão ou licenciamento, às pessoas jurídicas, sobre a receita auferida somente são devidos tributos federais, ou seja, esses pagamentos simplesmente não são alcançados por ISS ou ICMS. Com a implementação do IBS/CBS, o cenário muda radicalmente: direitos de autor e conexos passarão a ser tributados. Isso irá encarecer de forma drástica o licenciamento e a aquisição de conteúdo — afetando diretamente autores, roteiristas, compositores e produtoras. Pesa, e muito, sobre a importação de direitos e impacta o valor líquido recebido por artistas e criadores. Uma verdadeira contradição para uma reforma que se propõe a estimular a indústria nacional, da qual a economia criativa faz parte.
A Reforma Tributária coloca em xeque a continuidade dos atuais programas de cash rebate no Brasil. Essa política, comprovadamente eficaz para atrair produções, tem por premissa a destinação de recursos para produções de obras cinematográficas que não são consideradas nacionais. Com a implementação da reforma e a previsão de que apenas a produção audiovisual nacional poderá ser beneficiada com fornecimento de bens e serviços sujeitos à alíquota reduzida, as produções, que não serão consideradas nacionais, nos termos da legislação específicas, serão realizadas com fornecimento de bens e serviços tributados com a alíquota geral de IBS/CBS. Ou seja, como sustentar as políticas de atração de investimento se a produção será mais onerosa no caso de produções estrangeiras filmadas no Brasil?
Outro ponto crítico: a insegurança jurídica pode afastar, e muito, investimentos estrangeiros ainda que não utilizem programas de cash rebate. A tributação sobre direitos, sobre patrocínios, o inevitável aumento do custo de produção de obras audiovisuais e o fim categórico dos incentivos estaduais dificultam de forma alarmante a atração de grandes produções. Sem um ambiente competitivo, o Brasil corre o risco real de perder projetos, empregos e talentos — e isso não é alarmismo, é uma realidade possível e perigosa.
Conforme acima indicado, os aportes como patrocínio cultural serão objeto de tributação por IBS. Ainda que as leis de incentivo federais sejam mantidas, a contrapartida de marketing das empresas pode ser enquadrada como hipótese de incidência do IBS e, assim, ser tributada. Isso compromete severamente a lógica dos patrocínios culturais, que não constituem renúncia fiscal, e pode reduzir drasticamente os aportes privados em cultura.
O setor de games, embora finalmente reconhecido como atividade cultural pelo Marco Legal para a Indústria de Jogos Eletrônicos (Lei nº 14.852/2024) não foi contemplado com o regime diferenciado previsto na Emenda Constitucional nº132/2023 e instituído nos termos do art. 139 da Lei Complementar nº 214/2025. De fato, dentre as produções audiovisuais nacionais inseridas no rol do art. 139, apenas constam “programas de auditório ou jornalísticos, filmes, documentários, séries, novelas, entrevistas e clipes musicais”. Ou seja, a produção de jogo eletrônico, conceituado no Marco Legal como obra audiovisual interativa desenvolvida como programa de computador, está fora do regime diferenciado. Vale ressaltar que o Brasil é o maior mercado da América Latina em número de jogadores e o 5º em população online no mundo, com mais de 103 milhões de jogadores³ . Uma indústria inovadora, vibrante, que movimenta bilhões e engaja milhões, foi sumariamente ignorada justamente onde deveria ser acolhida.
A extinção dos incentivos fiscais estaduais e municipais é uma realidade que acende um alerta estrondoso. Programas como PROAC e PROMAC, que utilizam ICMS e ISS como base, foram — e ainda são — fundamentais para financiar produções locais e regionais. Com a implementação da reforma, esses incentivos simplesmente não existirão mais. Sem eles, projetos perdem sustentação e o risco é de uma concentração total e perigosa nos mecanismos federais. E aqui é vital pontuar: a concentração excessiva de demanda nesses mecanismos pode gerar gargalos e aumentar brutalmente a competição por recursos em um cenário já pressionado.
Para além dos temas da reforma da tributação do consumo, o setor também vem enfrentando a regulação do VOD (vídeo on demand - em português, vídeo sob demanda) e a possibilidade de instituição de Condecine sobre receita bruta. Pois bem, a proposta deve estar afinada com o novo sistema tributário. Se não houver um alinhamento claro e efetivo entre a cobrança de Condecine VoD somada ao impacto tributário de IBS/CBS, plataformas serão duplamente oneradas. Isso significa menos recursos para a produção de conteúdo nacional ou preços mais altos para a disponibilização de conteúdo ao público — ou, o que é pior, os dois.
A efetividade da Reforma Tributária para o audiovisual dependerá de como serão redigidas as leis específicas do audiovisual, das diretrizes sobre a tributação dos direitos autorais que ainda são objeto de imposto sobre a renda e da articulação federativa para a criação de novos instrumentos de fomento estadual e municipal. Para além desses pontos que são complexos, é preciso verificar como a implementação da reforma se alinha à regulação do VOD e cobrança da Condecine. O setor precisa estar preparado. Precisa entender, influenciar e agir. O teste começa em 2026. A pergunta é: o audiovisual brasileiro vai esperar a fase beta travar para só então começar a jogar?

Gisele Jordão | Daniella Galvão
Gisele Jordão | Coordenadora do curso de Cinema e Audiovisual da ESPM São Paulo, professora da ESPM São Paulo e sócia da 3D3 Comunicação e Cultura. Doutora em comunicação e práticas de consumo, mestre em gestão internacional e graduada em comunicação social (ESPM São Paulo). ---------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------Daniella Galvão | Graduada em Direito pela Universidade de São Paulo (USP). Mestre em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Especialista pelo Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBET) e em Direito do Terceiro Setor pela ESA/OAB. Mentora de mulheres empreendedoras e startups pela B2Mamy
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