24 Novembro 2025
Análise de mercado: Stranger (Streaming) Things
Por Marco Aurélio Rodrigues, Professor do Programa de Pós-graduação em Economia Criativa, Estratégia e Inovação da ESPM
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Pois é, amigos... o fim do ano se aproxima e, com ele, chega também às nossas telas a última temporada de uma das minhas séries favoritas nas plataformas de streaming: Stranger Things. A série, um dos maiores sucessos da Netflix nos últimos tempos, conquistou um espaço considerável no tecido da cultura pop recente, algo evidente na apropriação do seu nome em memes (procurem por “Bagulhos Estranhos”), camisetas e toda sorte de produtos e bugigangas licenciadas (ou não). Essa conquista, creio eu, deve-se em parte ao enredo envolvente, que combina elementos de RPGs de mesa, terror, aventura e uma generosa dose de nostalgia. Afinal, a trama se passa em uma pacata cidade americana dos anos 80 e, para um legítimo representante da “Geração X” como eu, essa mistura é irresistível.
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Ironicamente, perceber que uma nova temporada de Stranger Things se aproxima despertou em mim outro tipo de nostalgia, não pelos anos 80, mas por uma época em que o mercado de streaming era mais simples. Falando assim, parece que foi há décadas, mas, na verdade, até por volta de 2018 não era preciso pensar muito para saber onde assistir à série desejada. Não havia tantas plataformas relevantes. Na prática, para muitos de nós, existia apenas uma: a Netflix. Se você quisesse acompanhar mais uma “D.R.” entre Ross e Rachel, sabia que Friends estaria na Netflix. Assim como Seinfeld e tantas outras. E o melhor: sem comerciais, com todos os episódios disponíveis de uma vez e por um precinho camarada.
Mas, com o tempo, os estúdios perceberam que, ao licenciar seus conteúdos para a Netflix, estavam fortalecendo um novo rival poderoso — um distribuidor com acesso direto a um dos elos mais valiosos da cadeia audiovisual contemporânea: o consumidor final. Se nada mudasse e a Netflix se consolidasse como “padrão de mercado”, os estúdios perderiam gradualmente o poder de barganha em futuras negociações. Resultado: de 2018 em diante, estúdio após estúdio passou a lançar sua própria plataforma de streaming.
Corta para 2025. O cenário agora é outro: dezenas de plataformas competem entre si. Hoje, se você quiser rever Rachel e Ross, talvez perca alguns minutos (e alguns neurônios) tentando lembrar em qual plataforma eles estão ou recorrerá a sites como o JustWatch, criados justamente para ajudar o público a navegar nesse oceano confuso de serviços. A mera existência desses sites evidencia o grau de complexidade que tomou conta do mercado.
Essa competição feroz leva as plataformas a disputar simultaneamente os melhores talentos e propriedades intelectuais, de um lado, e o maior número possível de assinantes, de outro. O resultado é uma tensão difícil de equilibrar: de um lado, custos de produção e licenciamento cada vez mais altos; de outro, pressão para reduzir preços e atrair mais consumidores. A conta, obviamente, não fecha.
Ainda assim, a criatividade — ou o instinto de sobrevivência — de gestores e estrategistas deu origem a tentativas de resolver essa difícil (mas esperada) equação: custos crescentes versus preços baixos. O movimento mais previsível foi a adoção em massa do modelo de subsídio cruzado, em que praticamente todas as plataformas passaram a oferecer duas opções de assinatura:
- - Assinatura sem anúncios, a preço cheio;
- - Assinatura com preço reduzido (ou até gratuita), sustentada por publicidade.
Nesse modelo, o custo é compartilhado com um novo stakeholder — o anunciante — o que permite, ao menos em tese, aliviar o repasse de custos ao consumidor final e atrair usuários mais sensíveis a preço. Curioso notar que esse movimento não chega a ser inovador, mas chama atenção porque líderes de mercado, como a própria Netflix, afirmaram reiteradas vezes que jamais inseririam anúncios em sua plataforma.
Mas os anúncios não são o único caminho. Outro movimento interessante vem dos grandes players do varejo eletrônico, como Amazon e Mercado Livre, que passaram a oferecer “pacotes de streaming” com descontos agressivos para seus clientes. Esses varejistas provavelmente subsidiam as assinaturas esperando ganhos futuros em fidelização, frequência de compra e aumento do tíquete médio. Jeff Bezos, ex-CEO da Amazon, chegou a resumir essa lógica com uma frase célebre: a Amazon entrou no ramo de produção e distribuição audiovisual porque descobriu que, quando uma de suas produções ganhava um Globo de Ouro, eles “vendiam mais sapatos”.
Ironicamente, a combinação desses dois movimentos tão característicos de 2025 — a proliferação de anúncios e a distribuição de assinaturas de streaming via e-commerce — me faz lembrar o finzinho dos anos 80, quando a TV a cabo chegava ao Brasil. Naquela época, o consumidor pagava uma assinatura cara por vários canais distribuídos por poucas operadoras. E, mesmo pagando, continuava exposto a anúncios.
Ora, talvez estejamos caminhando para algo parecido: pagaremos caro por diversas plataformas, distribuídas por poucas empresas de e-commerce, que ainda assim exibirão anúncios. Tal movimento sedimentaria uma lenta e progressiva transformação que funde a indústria de varejo eletrônico e a indústria de produção e distribuição audiovisual em um único ecossistema emergente.
E, conforme essa fusão se intensifica e tecnologias de IA generativa e personalização amadurecem, poderemos ver novas estratégias de monetização, em que o conteúdo dessas plataformas atuará como “vitrines clicáveis”, nas quais os consumidores poderão comprar, em tempo real, quaisquer itens que aparecerem no frame de um filme ou de uma série. Curtiu a camisa do protagonista? É só clicar (ou pedir) para comprar. O vestido da protagonista que apareceu na cena? Também — reduzindo a distância entre cobiça e consumo.
É... Stranger Things chega em um momento oportuno. O mercado de streaming parece prestes a ficar ainda mais... estranho.

Marco Aurélio Rodrigues
Doutor e mestre em Administração pelo COPPEAD/UFRJ, com foco em Organizações, Estratégia e Sistemas de Informação. Possui MBA em Marketing pela EPGE/FGV-RJ e graduação em Comunicação Social pela UFRJ. Atua como consultor em planejamento estratégico e facilitador de treinamentos, além de pesquisar Transformação Digital e Economia Criativa. É membro de centros de pesquisa na UFRJ e na ESPM e docente do PPGECEI da ESPM-RJ, onde coordena o Lab3i. Também leciona em cursos de pós-graduação em Marketing, Estratégia e Inovação na ESPM-RJ, COPPEAD/UFRJ e Fundação Dom Cabral.
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