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Artigo / Política Pública

19 Dezembro 2019

As reformas e o cinema

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O ano de 2019 fica marcado como um período inicial de viés reformista, natural e resultante de uma mudança na condução política do país.  A reforma da Previdência Social é o exemplo mais relevante, após décadas de tentativas frustradas dos vários governos que passaram pelo poder. No setor audiovisual há o impacto da incerteza da continuidade do fomento à produção de obras brasileiras e brasileiras independentes como rescaldo das observações do Tribunal de Contas da União relativas à falta de tomada mais completas de contas no passado.  Esse fato somado à lentidão na definição do Plano Anual de Investimentos do Fundo Setorial do Audiovisual cria gargalos que podem resultar na escassez de produtos a serem distribuídos e exibidos, notadamente aqueles capazes de gerar bilheteria e pagar as contas do mês. Lembre-se que dezembro tradicionalmente seria o mês em que se publica a cota de tela de cinema para o ano seguinte e para se cumprir a cota é necessário que existam produtos disponíveis à preencher os espaços de exibição determinados pelo Decreto. Aqui, na regulação e fomento do audiovisual, de fato era necessária uma sinalização mais concreta de futuro para toda a indústria, para que não se faça uma reforma silenciosa por abandono. Uma das formas de se fazer algo e não fazer nada, resultando numa reforma por desmoronamento dos modelos existentes, o que é ruim pois muitos restarão feridos com os escombros que caem e outros ficarão soterrados pelo entulho e, no futuro, restarão esquecidos.  A segurança jurídica e institucional é fator determinante para a existência de qualquer setor, razão pela qual se alguma reforma tiver que acontecer no audiovisual que seja discutida e implementada, para que o mercado conheça as regras do jogo. O que não deveria acontecer é deixar o sistema que é de vasos comunicantes continuar a funcionar em partes. Exemplo disso é a Proposta de Emenda Constitucional (PEC 187/2019) que visa a extinção de 248 fundos, dentro os quais o Fundo Setorial do Audiovisual que está na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, sob a relatoria do Senador Otto Alencar. Esta Emenda Constitucional institui reserva de lei complementar para criar fundos públicos e extingue aqueles que não forem ratificados até o final do segundo exercício financeiro subsequente à promulgação desta Emenda Constitucional, visando a melhoria da alocação dos recursos públicos.

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Até o momento o Parecer do Relator reconhece que há uma distorção visível gerada pelos fundos públicos na gestão financeira e orçamentária do setor público é a acumulação de recursos financeiros pelos fundos, devido ao excesso de receitas vinculadas em relação às despesas executadas, enquanto o setor público como um todo incorre em elevado déficit fiscal e endividamento. O entendimento é que enquanto o Estado está sem recursos, os Fundos acumulam milhões, sem que sejam destinados à sua finalidade, o que não deixa de ser uma verdade em muitos casos.  Para que os atuais Fundos não criados por Lei Complementar, como o caso do FSA, não sejam extintos será necessário que uma Lei Complementar de iniciativa do Poder Executivo ou Poder Legislativo seja apresentada. Portanto, aprovada a PEC nesses termos, o setor do audiovisual precisa se organizar para recriar o FSA por Lei Complementar à Constituição, sob pena de ruir o atual modelo de financiamento público do setor.  Ainda será necessário esclarecer o que ocorreria com as CONDECINES. Tratam-se de Contribuições criadas com destinação legal específica de seu produto. Deste modo, a extinção do FSA teria que ter como consequência, ainda não prevista na PEC, a extinção dessas contribuições, pois elas são destinadas ao fomento do setor do audiovisual. O art. 6º  do Projeto diz que:  “Os recursos provenientes de contribuições estabelecidas com amparo nos arts. 149, 149-A e 195 da Constituição deverão ser destinados às finalidades para as quais foram instituídos”.  Ao que parece o Congresso não está com a intenção de extinguir as contribuições, tais quais as CONDECINES, ainda que possa ser extinto o FSA.  A legislação atual diz que cabe ao Conselho Superior do Cinema estabelecer a distribuição da CONDECINE. O art. 34 da MP 2228-1 diz que o produto da CONDECINE será destinado ao Fundo Nacional da Cultura – FNC e alocado em categoria de programação específica denominada Fundo Setorial do Audiovisual, para aplicação nas atividades de fomento. O FNC faz parte do PRONAC -  Programa Nacional de Apoio à Cultura, criado antes mesmo da Constituição de 1988, e por Lei ordinária. Em conclusão, cabe ao setor do audiovisual demonstrar ao Congresso Nacional e ao Poder Executivo a pertinência e necessidade da ratificação do FSA, caso a PEC venha a ser aprovada. Se não for bem sucedida a empreita, cabe ainda de um lado, reorientar o destino das CONDECINES para um outro modelo de fomento, o que necessitará de uma Lei. E, ainda, se não tiverem êxito, certamente os contribuintes das CONDECINES terão que se movimentar para extinguir essas contribuições se elas não tiverem a destinação para a qual foram criadas, o que pode conduzir até ao embate judicial, com chances razoáveis de sucesso, porque as contribuições tem que ter destinação certa, porque como se diz, trata-se de “dinheiro carimbado”, que sem destinatário, perde o sentido. Oportunamente abordarei a proposta de reforma Tributária, que pode ter um impacto gigantesco nos setores de serviços, como produção, exibição, distribuição entre outros do audiovisual.

Marcos Alberto Sant’Anna Bitelli
Marcos Alberto Sant’Anna Bitelli | marcos.bitelli@bitelli.com.br

Marcos Alberto Sant’Anna Bitelli Doutor e Mestre em Direito pela PUC-SP Especialista em Direito do Entretenimento, Audiovisual, Propriedade Intelectual, Comunicações e Telecomunicações Sócio de Bitelli Advogados

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