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02 Julho 2020 | Fernanda Mendes

"É vergonhoso", diz Jeferson De sobre representatividade negra no audiovisual brasileiro

Cineasta lança “M-8 – Quando a Morte Socorre A Vida” no segundo semestre de 2020

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(Foto: Paris Filmes)

Dirigido por Jeferson De, o filme M-8 – Quando a Morte Socorre A Vida (Paris) fala de assuntos importantes e que não deveriam ser novidade nas telonas de cinema. A trama, que é baseada no livro homônimo de Salomão Polakiewicz, conta a história de Maurício, um jovem negro e aluno cotista de uma universidade de medicina.

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Durante seus primeiros dias no curso, ele percebe não só que é o único aluno negro por lá, como também que os corpos utilizados para as aulas de anatomia são todos de pessoas negras. Assim, ele tenta desvendar a vida e identidade de M-8, rapaz morto que serve de estudo dele e dos amigos durante o primeiro semestre.

“Eu me importava muito em conhecer como foi o início dos alunos cotistas nos cursos de elite, como seria esse cotidiano. Então o filme vai nessa investigação. M-8 é um filme que eu gostaria de ver e boa parte da plateia brasileira também”, disse o diretor durante um debate promovido pela Paris Filmes ontem (01).

Além de Jeferson De, o evento virtual trouxe os dois protagonistas do longa, Juan Paiva e Mariana Nunes, para falarem sobre racismo e representatividade no audiovisual. Juan expressou a sua felicidade em poder viver Maurício que, segundo ele, é o personagem de sua carreira que mais se aproxima da sua realidade e a de seus amigos e familiares. “É mais fácil poder debater esse filme com minha comunidade porque se aproxima do que vivemos”, explicou.

Mariana, que faz a mãe de Juan no filme, foi só elogios ao trabalho do jovem ator. “Mesmo o personagem parecendo com o Juan, ele tem uma construção nesse filme. O personagem tem poucas palavras, mas tem tudo no olhar. A relação do meu personagem com ele é muito no silêncio, ele não responde às perguntas dela, e a Cida [personagem de Mariana] só podia ter essa construção, em resposta à construção do Juan. E isso é cinema! A grande inovação é tratar questões nossas, que não eram para ser só nossas, são de todos”.

Inclusive, esse silêncio que Mariana lembrou, é algo que Jeferson De acredita ser uma particularidade do audiovisual negro. “Temos um jeito de construir o audiovisual que passa por uma maneira diferente, é um filme construído de muito silêncio. Quando cheguei perto de Mariana, que chegou perto do Juan, que chegou perto do nosso diretor de fotografia, foram momentos de vários silêncios. Alguém em algum momento vai ter que escrever sobre isso. É um momento novo de construir”, contou o cineasta, que lembrou que a cada gravação de cena ele, literalmente, não tinha o que dizer além das orientações técnicas. “Só tenho a agradecer a esses protagonistas”.

Spike Lee brasileiro

Falando em audiovisual negro, Jeferson pontuou que para ele o cinema brasileiro está longe do que ele considera que poderia ser o ideal. Ele, inclusive, falou sobre as comparações que fazem sobre ele ser o Spike Lee brasileiro, por ser o único diretor negro mais conhecido no mercado nacional.

“Falta representatividade na Academia Brasileira de Cinema, nas curadorias de festivais, na crítica de cinema, nos júris, nos estudos acadêmicos... Estamos muito distantes mesmo. Da a impressão que é só em outros países que estão abraçando a diversidade, como nos festivais de Sundance, Cannes, etc. É vergonhoso. Nesse sentido o cinema brasileiro vai muito mal”, lamentou.

E realmente, a caminhada por um audiovisual mais igualitário ainda está longe de terminar. Em junho do ano passado, a então diretora da Ancine, Débora Ivanov, comentou durante um evento os dados lançados pela Agência que traziam um panorama dos projetos no Brasil: dentre os projetos que foram selecionados para o Fundo Setorial do Audiovisual (FSA): 31% eram de mulheres, 15% de pretos ou pardos e 1% de indígena. Números alarmantes, se pensarmos que a sociedade brasileira é composta por 56,10% de pessoas que se declaram negras (que o IBGE conceitua como a soma de pretos e pardos).

Na equipe de M-8, Jeferson fez questão de trazer mais pluralidade não só no elenco que também é composto por Ailton Graça, Lázaro Ramos, Zezé Motta, Rocco Pitanga, entre outros, como também na equipe técnica. O cineasta convidou pessoas que já conhecia há muito tempo, mas acreditava que faltava oportunidade. Um exemplo é Cristiano Conceição, que assina a direção de fotografia do filme, algo que nunca havia feito antes, sendo assistente ou operador de câmera em outras produções.

M-8 – Quando a Morte Socorre A Vida estreia no segundo semestre deste ano, quando as salas estiverem aptas a reabrirem. “Se há uma coisa que posso pedir é que assim que reabrirem as salas, vá assistir ao M-8 nos cinemas. Além da experiencia do próprio filme, eu acho que é uma volta do emprego de muitos brasileiros e brasileiras e, sobretudo, dos mais pobres, que trabalham como pipoqueiros, quem te dá os óculos 3D, as mulheres que estão limpando o banheiro, etc”.

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