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01 Outubro 2021 | Renata Vomero

Os 60 anos de cinema dão a 007 a rara chance de se reinventar e ter um novo posicionamento diante do público

Primeiro filme do agente secreto estreou em 1962 e seu 25º longa da saga está nos cinemas

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(Foto: Universal)

Já são quase 60 anos que vemos as telonas tomadas pelas missões encabeçadas por James Bond, ou o 007, o agente secreto mais famoso do cinema. Mais do que isso, sua longevidade também dá à saga a rara chance de se revisitar e atualizar os mais diversos posicionamentos, seja na forma do protagonista, seja com as bond girls (termo já deixado de lado pelo teor machista) ou de seus icônicos vilões.

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São 25 filmes desde a estreia de 007 Contra o Satânico Dr. No, em 1962, o que marcaria para sempre a história do cinema e cultura pop como um todo. Para começo de conversa, quem daria vida ao agente secreto seria Sean Connery, falecido em 2020, e sob sua responsabilidade ficaria representar o papel criado pelo escritor Ian Fleming. Ou seja, um sujeito sedutor, mas implacável. E ele conseguiu isso muito bem, para muitos sendo o único e eterno 007.

No entanto, muitas questões estão sendo levantadas desde então. A primeira delas é que o mundo mudou muito nestes 60 anos e representações estereotipadas estão tendo cada vez menos espaço nas telas, por demanda de mercado e de público, que quer se ver bem representado nos cinemas e está intolerante a antigas discriminações e preconceitos.

Com isso, a saga ganha chance de se atualizar diante dos olhos do público. Começando por seu próprio protagonismo, além de Sean Connery, foram mais cinco atores interpretando Bond nos cinemas, são eles George Lazenby, Roger Moore, Timothy Dalton, Pierce Brosnan e Daniel Craig, que se despede do personagem agora em 007 – Sem Tempo Para Morrer (Universal).

Cada um deles representa um ciclo iniciado em torno da saga, abrindo oportunidade para mudanças que refletissem a sociedade e cultura daquele momento. Cada agente personificou uma mudança no personagem, abrindo espaço também para se discutir alguns ideais de masculinidade – muitas vezes tóxica -  representados em tela. 

Surgem aqui dois pontos legais que nos fazem visualizar bem essa trajetória. Em recente entrevista, o diretor do atual filme da saga, Cary Fukunaga, falou que o Bond de Connery era “basicamente um estuprador”. Se referindo a uma passagem no filme 007 – Contra a Chantagem Atômica (1965) em que o personagem convence uma moça a ter relações com ele por meio de chantagem, mesmo ela dizendo não.

"Você não pode transformar Bond da noite para o dia em uma pessoa diferente. Mas você pode definitivamente mudar o mundo ao seu redor e a maneira como ele deve funcionar nesse mundo”, reforçou o diretor, acrescentando que essa passagem do longa dos anos 1960 nunca funcionariam atualmente.

E não mesmo. Voltamos a 2021 em que, do outro lado do espectro, existe a entusiasmada possibilidade do próximo agente ser interpretado por uma mulher ou um ator negro. Diversos nomes estão sendo levantados e se essa proposta se concretizar é a consolidação da evolução da saga em paralelo à sociedade na forma mais viva possível. Um incrível estudo da humanidade e que tem como agenda atual a inclusão e a diversidade.

Quando falamos deste episódio do filme com Sean Connery, se torna impossível não falar sobre as Bond Girls e suas mudanças ao longo dos anos. Na mesma entrevista em que salientou o comportamento de Connery, Fukunaga também acrescentou:

“É uma história sobre um homem branco como um espião neste mundo, mas você tem que estar disposto a se inclinar e fazer o trabalho para tornar as personagens femininas mais do que apenas artifícios”.

Normalmente interpretadas por atrizes exuberantes, as personagens femininas, popularmente chamadas de Bond Girls (Garotas de Bond, daí a explicação para deixar o termo de lado), elas eram criadas apenas para mobilizar e mover o personagem. Ou seja, apesar de icônicas, elas não tinham exatamente um protagonismo nas narrativas, muito menos agenda própria.  Inclusive, a maior parte delas aparecendo em apenas um filme, sem continuidade dentro de cada ciclo de Bond.

Mas claro que isso foi mudando, no início as personagens tinham cunho mais erotizado, sem envolvimento romântico com Bond e, ao longo da trajetória da franquia, foram se envolvendo mais com o personagem, ganhando camadas mais profundas. Ainda assim, até os momentos atuais, elas seguem sendo objetificadas, mesmo que em menor escala. O que vem crescendo é sua participação em tela, autonomia e importância para o desenvolvimento das narrativas.

Outra figura bastante estereotipada é a dos vilões. Muitos deles representando, da forma mais superficial possível, a personificação de alguns dos inimigos dos EUA naquele período(embora o filme trate de um espião britânico, it’s Hollywood, baby). 

Não é à toa que vemos representações de nacionalidades tidas como ameaças aos norte-americanos, como os russos, chineses, personagens de origem árabe e até latinos. Ou seja, reforçando alguns preconceitos e xenofobias contra estrangeiros de localidades bastante específicas.

Isso também já é bastante diferente, embora ainda traga alguns traços de superficialidade e estereótipos. Mas nestes vilões, deixando a crítica do preconceito de lado, é possível compreender cada passo da história dos Estados Unidos.

Claro que isso tudo aqui citado não fica restrito à 007, mas toda a Hollywood. No entanto, o que diferencia a saga do agente secreto é a possibilidade de assistirmos – literalmente – às evoluções da sociedade, suas demandas, suas transformações e, claro, vendo o quanto os filmes se dão a chance de espelhar tudo isso, sem se apagar, mas se reinventando e reposicionando diante de tantas e inevitáveis mudanças. Sabe quando julgamos um filme antigo dizendo que envelheceu mal? Com 007 essa afirmação pode ser dita, ao mesmo tempo que se anula quando existem dezenas de novos filmes ressignificando a proposta de ser espelho de seu tempo.

Aliás, além de o novo 007 estar exclusivamente nos cinemas, para quem ficou interessado nessas transformações ao longo destes 60 anos, os 24 filmes anteriores que nos trouxeram até aqui estão disponíveis no Telecine.

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