28 Maio 2025 | Gabryella Garcia
Qualidade técnica e investimento em coproduções são peças indispensáveis para internacionalização de filmes e séries
Painelistas representantes de importantes players do mercado debateram sobre o caminho da internacionalização de obras
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Inaugurando nossa cobertura in loco no Rio2C 2025, a internacionalização de obras audiovisuais e o importante papel das coproduções neste processo foi o tema do painel "Passaporte Para o Mundo: Internacionalização do Audiovisual". Sob mediação do advogado Fábio Cesnik, da CQS FV Advogados, a discussão contou com importantes insights de Camino De Valcárcel, responsável por coproduções internacionais no estúdio espanhol Secuoya Studios, Fabiano Gullane, produtor e sócio-diretor da Gullane, e Javiera Balmaceda Pascal, Head of Originals da Amazon MGM Studios na América Latina, Canadá e Austrália.
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Os predicados para a internacionalização de uma obra audiovisual são diversos, mas utilizando o exemplo da série Senna, que foi produzida pela Gullane para a Netflix, o sócio-diretor da produtora destacou a importância da qualidade de uma obra dentro desse processo, independente de ser original ou não, e também sem importar a língua originalmente falada na produção.
"Parte da nossa parceria com as plataformas de streaming é ter um olhar para buscar histórias e emoções que possam ser desfrutadas pelo público brasileiro, mas também transbordar para o mercado internacional. Às vezes temos a sensação de que não podemos pensar em projetos para internacionalização, mas brigamos muito para isso porque acreditamos que, quando conteúdos têm qualidade, emoção, e uma boa história, podem ser importantes dentro e fora do Brasil. Um case que tivemos foi 'Senna', que teve um compromisso muito grande com o público brasileiro, mas também a missão de conquistar público e audiência lá fora", disse Fabiano.
A Gullane é uma produtora fundada em 1996 e que, após lançar seu primeiro filme em 2000, com Bicho de Sete Cabeças, já produziu 60 filmes, dos quais 36 foram coproduções, e mais de 40 séries. O fato de mais da metade dos filmes produzidos pela Gullane serem oriundos de coproduções, mostra que a busca pela internacionalização sempre foi um grande norteador da empresa.
"Desde o dia zero nós tivemos um olhar sólido e importante para o mercado internacional. A Gullane sempre acreditou no audiovisual como uma atividade global e, antigamente, tínhamos que trabalhar muito para vender filmes para outros países e isso dificultava a internacionalização de obras brasileiras. Hoje, projetos em parceria com plataformas de streaming, por exemplo, facilitam esse processo, e sempre tivemos um olhar profundo e sólido para a internacionalização. Começamos fazendo coproduções com China e Japão, e projetos criados por outros roteiristas, mas sempre com histórias que se passavam no Brasil. Durante muitos anos nós investimos nossa energia para provar ao mercado que podíamos produzir no Brasil e havia capacidade de financiar, tecnologia e talentos. Hoje estamos em um segundo ciclo desse processo e projetos brasileiros da Gullane que contam com equipe brasileira, procuram participação minoritária de outros países. Hoje temos coprodutores e realizadores brasileiros que conseguiram apoio da França, Itália, Alemanha e Canadá como produtores na parte independente", afirmou Fabiano.
A história da Secuoya Studios é bem mais recente, com a produtora sendo criada em 2021 e com a maioria de suas produções na Espanha com datas de estreias previstas para o final de 2025 e início de 2026. Mas, apesar de uma caminhada mais curta em relação à brasileira Gullane, Camino De Valcárcel apontou que coproduções internacionais fazem parte dos norteadores do estúdio, e ideias de todo o mundo são levadas em consideração e analisadas.
"Temos quase quatro anos de mercado e contamos com escritórios em Miami, Colômbia e Espanha. Já mudamos muitos desde 2021 e no último ano mudamos um pouco nosso modelo de trabalho, principalmente na parte coproduções internacionais e deixando um pouco de produzir originais. Basicamente fazemos contato com produtores executivos em todo o mundo e dividimos e compartilhamos nossas ideias em todos locais e operamos também na parte financeira e fiscal. Minha área de trabalho especificamente é na parte de coproduções e procuramos projetos, ideias, projetos e modelos desenvolvidos por outras pessoas no mundo inteiro para fazer parte", explicou De Valcárcel.
Assim como a executiva da Secuoya, Javiera Balmaceda Pascal apontou que as coproduções são umas das principais ferramentas utilizadas pela Amazon MGM Studios para transformar histórias locais em mundiais. Falando especificamente do Brasil, a Head of Originals apresentou um trailer da segunda temporada da série brasileira Cangaço Novo, que estreia em 2026, antes de iniciar sua fala.
"No contexto da Amazon, o mais interessante é como fazer conteúdo local e transformar em internacional, e usamos as coproduções para isso. No Brasil, começamos a trabalhar com muitos produtores locais e aprendo muito sobre o conteúdo brasileiro, que é muito grande, rico, possui muitos talentos e possui um mercado que se auto abastece. O conteúdo brasileiro viaja muito porque conseguem levar isso muito bem para fora do país. A mudança da audiência com a presença de YouTube, streamings e redes sociais também aumentou a audiência e nos deu oportunidade de mostrar essa riqueza do Brasil com histórias que apesar de serem locais, mostram pessoas que se apaixonam, brigam com pais ou perderam alguém importante, e para isso não importa o país ou idioma porque acontece em todos os lugares. “Cangaço Novo”, por exemplo, é uma produção que tenho muito orgulho e o mundo inteiro está vendo, apesar de ser uma coisa bem local, porque tem aquele filho pródigo, uma história clássica e violência, que sempre vende muito bem igual sexo", disse Javiera.
A executiva da Amazon também apontou que, apesar de boas histórias, gerar identificação e conseguirem se vender em todos os mercados do mundo, boas dublagens e legendagens também são uma espécie de "passaporte necessário" para a internacionalização de obras audiovisuais.
"Pessoas que estão acostumadas com dublagem não se importam muito, mas acredito que uma boa dublagem e uma boa legendagem são essenciais. É claro que quando a história se conecta emocionalmente com a audiência, não precisamos desse passaporte porque transcende isso. Olhando as tendências do mundo também percebemos que obras com uma propriedade intelectual muito forte, baseadas em livros, por exemplo, ou com uma figura muito importante, também não precisam desse passaporte, mas insisto que as histórias precisam ser contadas com emoção para as pessoas conseguirem se conectar e a audiência entender o sentimento", completou Javiera.
De Valcárcel concordou que o conteúdo e emoção de uma produção podem deixar língua e legenda em um segundo plano de importância, mas destacou que a Secuoya - e a Europa em geral - vêm priorizando produções em língua inglesa. Além disso, também pontuou que o trabalho de marketing, direcionado para cada local específico, também é essencial para o sucesso de coproduções internacionais.
"Ter produções com o inglês como língua é um ótimo passaporte e sabemos que alguns passaportes valem mais do que outros. Uma produção com língua croata, por exemplo, é mais difícil de chegar ao público. Existem diferentes modelos de coproduções e podemos rodar em qualquer lugar, mas a língua dos personagens é muito importante. Por muito tempo foi o espanhol a língua 'do momento' e agora é o inglês", destacou De Valcárcel.
Aliás, com a presença de uma representante de uma plataforma de streaming na discussão, e com a regulamentação das plataformas em discussão no Brasil através do Projeto de Lei nº 2.331/2022, Gullane aproveitou para falar sobre a importância do projeto: "O Brasil é sempre atrasado e está um passo atrás, e hoje é muito importante a regulação do streaming. Está tudo acontecendo agora e provavelmente teremos muito mais coproduções internacionais depois disso porque vamos gerar uma nova fonte de financiamento. Hoje vendemos a exibição das produções e temos que buscar o restante do financiamento no mercado. Estamos no início do processo para encontrar o modelo perfeito e o Brasil tem uma posição de protagonismo no consumo e isso traz uma obrigação de ser protagonista na produção de conteúdos também".
Ele ainda falou sobre a dificuldade de financiamento no Brasil, que tem impacto no processo de internacionalização, e comparou com o processo de outros países. Gullane afirmou que o tempo de espera para financiar um projeto no Brasil pode levar até três anos pois "não sabemos quando vai abrir o FSA e muito menos quando sai o resultado e quando vai ter o dinheiro", enquanto a França, por exemplo, tem um mercado mais maduro com previsão de financiamento e um calendário oficial e programado para os resultados das chamadas. "Essa imprevisibilidade é muito nociva para a indústria brasileira independente", completou.
No final da discussão, De Valcárcel ainda destacou que não existe uma cartilha ou modelo específico que garanta o sucesso da internacionalização de uma obra, mas voltou a pontuar sobre a importância da qualidade do conteúdo, e também a importância da escolha da distribuição da produção, pois mercados diferentes exigem diferentes estratégias para conseguir alcançar seu público-alvo.
"Se um [modelo de negócio] funcionar para uma produção, não quer dizer que repetindo vai dar certo de novo. Depende muito de cada projeto e, às vezes, vemos algum projeto e já pensamos em algum país específico para ele porque vemos elementos ou personagens que conversam com determinado território. Cada projeto tem vida própria e o caminho é longo, não acontece da noite para o dia, e a média de uma produção é geralmente de três anos. Por isso é importante que a história realmente seja interessante no longo prazo, para não perder a 'validade'. Hoje um dos principais modelos para se produzir é através de incentivos fiscais e essa é uma primeira porta antes das vendas internacionais. Precisamos transformar isso em uma indústria e aí entra a importância da distribuição, que às vezes é forte em um lugar mas não alcança outros", disse.
Por fim, Gullane destacou que o processo de coproduções internacionais avançou de forma lenta no Brasil, e engrenou um pouco mais depois dos anos 2000 com a Lei do Audiovisual e a obrigatoriedade de a TV fechada exibir conteúdos originais brasileiros em sua programação, e que, apesar de dublagens, legendagens, grandes propriedades intelectuais ajudarem na internacionalização e consequência monetização de uma obra, muitos dos ganhos também são intangíveis.
"O ganho intangível de um projeto é olhado no médio e longo prazo. É muito estratégico para produtores e talentos terem reconhecimento. A potência de, por exemplo, lançar um projeto ao mesmo tempo em 200 territórios, é um ganho que não se traduz em dinheiro imediatamente, mas se traduz em consolidação e reconhecimento”, finalizou Gullane.
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