16 Setembro 2025 | Yuri Codogno
"O Agente Secreto" é eleito representante do Brasil na disputa pelo Oscar 2026: "Não tenho problema nenhum em tentar algo diferente"
Portal Exibidor conversou com os atores Wagner Moura, Maria Fernanda Cândido e com o diretor Kleber Mendonça Filho
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A Academia Brasileira de Cinema anunciou ontem (15) que O Agente Secreto (Vitrine Filmes) foi o longa escolhido para representar o Brasil na disputa por uma vaga no Oscar 2026 na categoria de Melhor Filme Internacional. O título entrará em cartaz comercialmente no dia 6 de novembro e, até lá, terá uma vasta campanha de marketing desenvolvida e executada pela distribuidora.
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Na semana passada, o Portal Exibidor conversou com Wagner Moura, que interpreta o protagonista, com a atriz Maria Fernanda Cândido, além de ter batido um longo papo com Kleber Mendonça Filho, diretor e roteirista do filme, sobre as expectativas para o lançamento de O Agente Secreto e sua trajetória de sucesso até o momento.
O longa estreou em Cannes e trouxe para casa três títulos: Melhor Direção (Kleber), Melhor Ator (Wagner), além do prêmio da crítica internacional. Apesar de ser algo não planejado, existiu sempre o desejo de levar o filme para o festival, como contou o diretor: “É uma estratégia usada por muitos filmes, não só brasileiro. Lembro que o ‘Pulp Fiction’ (1994) estreou em Cannes em maio e nos Estados Unidos em outubro. Mas não é o tipo de trajetória que se planeja, isso é muito importante que seja dito. Um ano atrás eu estava na montagem do filme. Obviamente estava muito animado, mas não sabia o que ia acontecer. Nessa época, no ano passado, a MK2 Films [coprodutora francesa] dizia ‘vamos para Cannes’ e eu respondi ‘fico feliz com o seu otimismo, mas não sei como vai ficar o filme, vamos ver o que vai acontecer’. É certo o desejo dele estar em Cannes. O que vai acontecer lá, se vai ser bem recebido, já não sabia. Então, estamos numa situação muito boa porque ela é orgânica”.
O filme levou cerca de oito meses na montagem e ficou pronto somente em abril deste ano, ressaltando como participar de Cannes não poderia entrar oficialmente para o planejamento, visto que o festival é em maio. Mas, pelo bem do cinema nacional, O Agente Secreto saiu de lá não apenas vitorioso, como recebeu uma aclamação da crítica nacional e gringa, garantindo a distribuição internacional em cerca de 100 países pela Neon. O filme, por enquanto, passou por festivais na Austrália, Polônia, uma sessão no Louvre (França) e, agora, com a entrada na América do Norte com Telluride, Toronto e Nova York, começa um certo termômetro de Oscar, visto que são os três festivais mais prestigiados da América do Norte.
“Vencer em Cannes é um feito, porque já nasce com uma chancela internacional de grande peso. Além disso, às vezes acontece de um filme receber um prêmio, mas não encantou… a crítica resolveu dar esse prêmio, mas o filme não aconteceu junto da plateia. E não é o caso de ‘O Agente Secreto’. ‘O Agente Secreto’ aconteceu! As pessoas amaram, é um filme que agradou imensamente”, ressalta Maria Fernanda Cândido.
Wagner Moura, por sua vez, lembrou de uma grandeza mais ampla nos prêmios em Cannes: “É importante para a cultura do Brasil, é importante para o Brasil. Estamos vivendo um momento em que não só nós, mas o Brasil - de 2022 para cá - retomou a sua vocação democrática, assim como retomou a sua vocação cultural. O Brasil é um país de vocação cultural. Então, toda vez que um artista brasileiro é reconhecido, um produto cultural brasileiro é reconhecido, um pedaço do Brasil está sendo visto lá fora. A cultura é importante para nós, brasileiros, para que nos vejamos e nos reconheçamos na nossa cultura, mas também é importante para quem está lá fora veja que país é esse. O prêmio é importante para a cultura brasileira e para o país”.
Em um recorte de uma a duas décadas, o Brasil vive, potencialmente, seu melhor momento no que tange à internacionalização de seu conteúdo. O Agente Secreto é uma representação do fato, mas, de um ano para cá, a produção brasileira do país vem ganhando uma notoriedade internacional - algo impossível de desvincular da vitória de Ainda Estou Aqui no Oscar de 2025. Mas, mais do que tamanho sucesso externo, o próprio cinema nacional vem recuperando a sua força com o público interno.
“Vejo a presença brasileira no exterior como algo que, para mim, só vale se for orgânico, se o filme for naturalmente bem recebido. Obviamente é muito importante, mas não conseguiria fazer um filme pensando no mercado internacional. ‘O Agente Secreto’ tem 2h40, é em português, tem uma perna zumbi, leva 90 minutos para entender o que realmente está acontecendo. Não acho que são aspectos almejáveis dentro de uma estratégia de conquista internacional. O cinema brasileiro deu uns passos em falso no passado de filmes até sendo feitos em inglês - fazem parte da história do Brasil -, mas não acho que era um caminho, Acho que o caminho é fazer um filme brasileiro que seja bom. Também não acho um problema ele não funcionar fora e funcionar no Brasil. Acharia estranho não funcionar no Brasil e funcionar fora, mas tudo bem. Tô aberto a isso”, explica Kleber.
O cineasta exemplificou com seus filmes anteriores, que receberam aclamação internacional, mas que antes de tudo foram muito bem recebidos no país, inclusive com a cada lançamento superando o anterior: O Som ao Redor (100 mil ingressos em 2012), Aquárius (400 mil em 2016), Bacurau (800 mil em 2019). Exceção que foge à regra é Retratos Fantasmas, que obteve 90 mil ingressos vendidos em 2023, algo esplêndido para um “filme-ensaio”, como define o diretor
“A qualidade dos nossos filmes - e também os produtores brasileiros - tomaram um tamanho de coproduções e de presença nos festivais internacionais que é de país de grande, de país que produz um cinema reconhecido no mundo. A presença, não só dos filmes brasileiros, mas dos produtores brasileiros no mercado, nos festivais de Cannes, de Veneza, nos principais mercados de exibidores de filmes no mundo é um fato. ‘O Agente Secreto’ é uma coprodução com a França e com a Alemanha. Isso o Brasil aprendeu a fazer e faz bem, faz com que os filmes circulem”, ressalta Wagner ao explicar a presença dos filmes nacionais no exterior.
Um desafio no território nacional, porém, ainda é levar as pessoas aos cinemas, especialmente por termos um parque exibidor pequeno, com cerca de 3,5 mil salas, muito pouco em comparação ao tamanho do Brasil. Em comparação com os EUA, que tem cerca de 35 mil a 40 mil salas, é preciso que os filmes nacionais trabalhem muito para conseguir ocupar um grande percentual no parque exibidor, visto que não há tanto espaço para tantos longas.
“Acho que só os americanos conseguem, com a estrutura poderosíssima que eles têm, mil salas com um filme merda, né? Mas eles também fazem isso com um bom filme, eles têm como fazer isso. A gente tem que soar muito para fazer o que estamos fazendo [com ‘O Agente Secreto’]. Porque a nossa estrutura é criada organicamente, mas o que estamos fazendo agora, com base nos resultados dos nossos filmes anteriores, é fazer algo muito maior. Fiquei pasmo em ver os exibidores ontem [10] no Cinema São Luíz assistindo ao filme às 10h da manhã. E Kinoplex, Cinemark, e Cinépolis, todos ali, foda, mas também representantes de Palmas, de Porto Alegre e de Manaus, e todo mundo na mesma sala“, conta Kleber.
Entrando um pouco mais em O Agente Secreto como uma produção, é um filme que se destaca por flertar com diferentes gêneros, mas com bastante inspiração no thriller - que se caracteriza pela descoberta da realidade e por ter o protagonista envolvido em um conflito pessoal que se resolve junto à resolução do conflito-matriz da trama. No novo filme do Kleber, há importantes elementos dessa escolha e que são importantes para o desenvolvimento da história.
Apesar disso, o Brasil não tem o costume de desenvolver thrillers. Para o diretor, porém, isso não é um obstáculo: “O thriller é uma linguagem universal e historicamente fomos ensinados a ver o thriller como americano. Quando o brasileiro vê um filme brasileiro que nem parece um thriller, mas que lá pela 1h40 se mostra, ele diz “eu adoro isso no filme”. O ‘Cidade de Deus’ não se comporta inicialmente como um thriller, mas é. Já o ‘Ainda Estou Aqui’ acho que não é um trailer, é um drama muito bem feito, que talvez seja o perfil mais próximo de uma ideia do cinema brasileiro”.
Entretanto, como o cinema nacional vive um momento quase de “renascimento”, os números de ingressos vendidos nos últimos meses apontam que o brasileiro tem buscado novas histórias brasileiras. E a procura por filmes nacionais pode ser um elemento crucial para uma aceitação extremamente ampla de O Agente Secreto.
“Estamos vivendo um momento histórico em que o povo brasileiro começa a amar o cinema brasileiro. Que sorte a nossa! Mas esse movimento não aconteceu do dia para a noite, não aconteceu por acaso. É um caminho que vem sendo construído há décadas por muitos artistas, por muitos profissionais do audiovisual, atores, atrizes, diretores, roteiristas. É uma caminhada longa que a gente vem fazendo e agora temos o privilégio de estar assistindo esse florescimento do nosso cinema”, lembra Maria Fernanda Cândido.
Por fim, Kleber Mendonça Filho ressalta: “Não tenho problema nenhum em tentar apresentar algo diferente. E uma vez que as pessoas entendam a força de ‘O Agente Secreto’, acho que é uma boa chance de ser descoberto, digamos, popularmente. Se quiserem programar meu filme na sala premium, ok, mas que também passe na sala formadora de público da sala. Agora, com ingresso. Pode ser um ingresso popular, barato, tudo certo, e que faça parte da cadeia produtiva”.
Menção honrosa à Sebastiana (sem spoilers!)
Com um elenco estelar com Wagner Moura e Maria Fernanda Cândido, um outro nome chama a atenção: Tânia Maria, que dá vida à Dona Sebastiana. Em determinados momentos do filme o elenco parece ser pego de surpresa - da maneira mais positiva possível - pela atuação da atriz. Inclusive, às vezes passa a sensação de que o próprio Wagner segura o riso com a excelente e divertidíssima atuação de Tânia Maria.
“Ela é muito maravilhosa. Sabe qual foi a minha primeira cena? Foi a cena que ela me mostra o apartamento. Não é nem segurar a risada, não era nem que eu tinha essa vontade de rir. Eu fiquei um pouco apaixonado por ela, e deixei meu personagem reagir daquela forma, ficar olhando para aquela mulher extraordinária e me envolver com a performance dela. Como atriz e como pessoa, ela é uma mulher maravilhosa. Você sabe que nas exibições de fora do Brasil, no final do filme aparece os atores e os personagens, toda vez que aparece ela as pessoas gritam e batem palmas”, conta Wagner.
Já o diretor, por sua vez, explica que precisa dar espaço para o ator brilhar: “Abre o plano, ela vai para onde quiser, faz o que quiser, soa da maneira que ela quiser. Nunca na vida fiz assim: ’Não, a frase não é assim, é exatamente como está no roteiro’. Nunca faça isso, entendeu? A ideia tem que estar presente. Se a pessoa não entendeu a ideia e está falando outras coisas, eu peço. Mas não tenho apego por ter aquele traço. Ela tava sendo ela mesma, mas interpretando a Sebastiana. E aí, como diretor, precisa colocar a câmera no lugar certo, abrir o plano, porque se você fecha o plano, a pessoa começa a ter obrigações de estar numa marca ali, uma marca aqui. Isso mata qualquer um. E os profissionais são bons de fazer isso…”.
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