Insights da exibição na MAX 2025: especialistas pedem políticas públicas para o setor e destacam importância da formação de público
10ª edição do evento realizado em Belo Horizonte dedicou parte de sua programação ao eixo da exibição
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(Foto: Nereu Jr.)
A 10ª edição da MAX - Minas Gerais Audiovisual Expo chegou ao final nesta quinta-feira (13) e, pela primeira vez, dedicou parte significativa de sua programação aos exibidores. No total, cinco painéis fizeram parte da sessão "Eixo Exibição" e discutiram o futuro do elo final da cadeia do audiovisual no Brasil. Importantes temas como salas de rua, salas públicas e políticas públicas para o setor foram objeto de discussão entre os palestrantes.
"É a primeira vez [que temos uma programação dedicada aos exibidores] e para nós é maravilhoso porque o evento fala muito de produção, mas é fundamental que tenha a exibição desses filmes. Não adianta ficar produzindo e não ter onde escoar e exibir. Temos o eixo de exibidores e trouxemos essa pegada forte depois de fazermos dois grupos focais neste ano, em Salvador, com exibidores de todo o país para entendermos os pontos de melhoria e o que podemos incrementar para o Sebrae oferecer soluções. É fundamental trazer essa aproximação com os outros elos e consolidar o ecossistema do audiovisual", destacou Nayara Bernardes, coordenadora da MAX e analista do Sebrae.
Muitos dos exibidores, inclusive, destacaram durante os painéis que o eixo da exibição muitas vezes fica "escanteado" nas discussões de mercado, e jogar luz na exibição, que é a ponta da cadeia do audiovisual, é fundamental. Um dos temas de consenso entre os exibidores no evento foi a dificuldade que a produção brasileira tem de encontrar seu público, e que isso acontece por diversos filmes chegarem ao mercado sem estratégia ou recursos para a distribuição.
"Também falamos sobre mostras, que são um caminho de exibição e como isso é importante para o produto. Tivemos o 'Fórum do Audiovisual Mineiro', que é liderado por uma produtora que faz mostras de cinema. É importante pensar na cadeia como um todo, então essa questão dos exibidores é fundamental, e é importante pensarmos nisso no evento e no ecossistema. A MAX, para além do evento, é uma plataforma de desenvolvimento do setor audiovisual em Minas Gerais, então para se propor a ser uma plataforma de desenvolvimento, temos que pensar em todos os elos que compõem esse ecossistema", completou Bernardes em entrevista exclusiva ao Portal Exibidor.
EXIBIÇÃO CRIATIVA: A POTÊNCIA DAS SALAS DE RUA
Os cinemas de rua costumam ter uma curadoria diferente das salas de cinema de grandes complexos de grandes redes. Muitas vezes dando uma atenção especial ao cinema brasileiro, um desafio constante desses espaços é chegar até o público, e também conseguir aumentar esse público. Uma alternativa desses locas, após muitas salas de rua fecharem nos últimos anos, é trabalhar com eventos e uma programação mais criativa, indo para além da simples exibição de filmes.
"Existem cinemas de rua com diferentes propostas. Alguns são totalmente comerciais, e é super válido trabalhar com sucessos que tragam retorno e paguem os filmes. Mas também existe o chamado cinema autoral, cinema independente ou cinema artístico, e a grande maioria dos cinemas de rua expressam essa ideia. Esses filmes, por vezes, têm dificuldades em encontrar e aumentar seu público, e por mais que os parâmetros sejam outros nas salas com esse perfil, é fundamental um bom público para justificar o projeto. Hoje só o filme em cartaz na sala se tornou muito pouco, temos a necessidade de políticas de eventos e, inclusive, fazer esses eventos com constância para atrair um público maior", destacou Daniel Queiroz, diretor da Embaúba Filmes.
Essas estratégias são variadas e incluem a presença de diretores em lançamentos de filmes nacionais, sessões debate, parcerias com cineclubes, mostras de cinema, masterclass com diretores renomados, entre outras alternativas que exigem bastante criatividade por parte dos exibidores.
Os eventos especiais, inclusive, são vistos pelos exibidores de salas de rua como fundamentais na formação de público. Grande parte da população brasileira é formada assistindo blockbusters de Hollywood, mas a riqueza do cinema brasileiro vai muito além disso, apesar de uma parcela pequena da população ter contato com esse tipo de produção. Leonardo Bonfim, programador da Cinemateca Capitólio, uma sala de cinema pública em Porto Alegre, inclusive, destacou que o foco de seu trabalho é mapear o circuito de estreias para colocar a maior parte dos filmes brasileiros que não entram em cartaz no circuito comercial para serem exibidos na Cinemateca Capitólio. Essa forma de trabalhar, evidentemente, é possível pelo fato de ser uma sala pública, que não é tão dependente da venda de ingressos para se manter.
Um fato inegável é que cinemas de rua possuem uma programação mais diversa, realmente exercendo um papel importante na formação de público, e são os locais que acabam abrindo espaço para o chamado cinema artístico. "A conta não fecha na maioria das salas e, no Brasil, vemos um descompasso no investimento na produção e na difusão, que engloba distribuição e exibição. Também não temos um circuito exibidor que consegue abrigar o número de filmes nacionais lançados por ano, então precisamos de incentivos para a manutenção de salas de cinema porque as salas trabalhando com esse perfil alternativo não pagam as contas apenas com bilheterias", completou Queiroz.
Marden Machado, curador do Cine Passeio, em Curitiba, destacou que o cinema adotou uma "programação horizontal" para conseguir dar conta da quantidade de filmes brasileiros que não são exibidos nos outros cinemas da cidade, dominados por filmes de Hollywood. Hoje, 40% da programação do Cine Passeio é composta por filmes nacionais e, além disso, o espaço também realiza sessões com debates, oficinas, cursos, masterclasses, pré-estreias especiais e parcerias com universidades da cidade que, a cada 15 dias, levam professores para ministrarem um curso sobre cinema.
"Exibimos filmes de todo o mundo no Cine Passeio, até filmes de Hollywood", brincou Machado.
André Sturm, diretor do REAG Belas Artes, em São Paulo, também chamou a atenção para a questão de políticas públicas. Ele destacou que investimentos de estados e municípios através do FSA chegam em R$ 1 bilhão por ano no Brasil, sendo R$ 950 milhões destinados para a produção, R$ 50 milhões para a distribuição, e nada para a exibição.
"Não existe política pública para a exibição, que foi o setor mais prejudicado na pandemia e não teve apoio. Toda semana estreiam filmes brasileiros e as pessoas não ficam sabendo. É incompreensível não investir 10% desse valor na exibição. Tem que haver uma política pública para a exibição para fortalecer os cinemas de rua. Essas políticas públicas precisam permitir que as salas existam e tenham uma programação permanente. Cinema é uma diversão coletiva fundamental, uma experiência coletiva única, e precisamos ter salas dedicadas a esse cinema autoral e salas dedicadas a conquistar público", refletiu Sturm.
SALAS PÚBLICAS COMERCIAIS
Como dito anteriormente, é consenso entre exibidores que faltam políticas públicas destinadas ao setor e que há uma distorção nas políticas de fomento existentes hoje, com um olhar quase exclusivo para a produção. Atualmente, apenas cerca de 10% dos municípios brasileiros possuem salas de cinema, enquanto o Brasil vem atingindo recordes de produção, com mais de 300 filmes lançados por ano. A conta não fecha e não há locais para as produções serem exibidas, fazendo com que a grande maioria tenha dificuldades em encontrar seu público. Hoje, o Brasil tem dificuldade em absorver a demanda de filmes que são arremessados ao mercado, e nesse contexto as salas públicas de cinema se tornam cada vez mais importantes.
Além de se consolidarem como um importante espaço para a exibição de filmes nacionais, as salas públicas de cinema também são um espaço essencial para a formação de público. Esse tipo de sala costumeiramente trabalha com lançamentos e estreias semanais, além de possuírem um preço mais acessível em relação às salas comerciais devido aos subsídios que possuem.
"Temos que ter em mente qual é a missão da sala pública, que trabalha em uma lógica, enquanto a sala comercial trabalha em outra. Não podemos aplicar um valor alto de ingresso porque queremos que a periferia chegue às salas de cinema e ela só acessa esse espaço se o ingresso for acessível. Também temos que ter a preocupação de esse espaço ser um lugar de excelência e referência técnica, com boa projeção e áudio, para que a sala pública seja um exemplo e referência para as salas privadas", destacou Luiz Joaquim, coordenador do Cinema da Fundação Joaquim Nabuco.
Assim como na estratégia utilizada nos cinemas de rua, Joaquim afirmou que as salas públicas devem ser criativas para atrair o espectador, atrelando as sessões a debates ou figuras populares que agreguem ao filme, e também trabalharem como uma programação horizontal que atenda o maior número de filmes brasileiros possíveis.
Pedro Severien, programador do Cinema São Luiz, também em Recife, afirmou que 60,9% dos aproximadamente 1.100 filmes que entraram em cartaz no Cinema São Luiz no último ano eram pernambucanos, enquanto apenas 5,5% eram filmes internacionais. Em sua visão, isso é importante pelo fato da sala pública exercer também uma função social de fazer os espaços serem ocupados e, mais do que isso, ocupados com pluralidade.
"O cinema ocupa a cidade e o público ocupa o cinema. A sala pública deve fortalecer o local e as vivências da cidade. As pessoas devem enxergar vínculos com a territorialidade, e ao ocuparem a sala de cinema, cria-se uma dimensão de pertencimento. Grupos com participação histórica na formação cultural do lugar se enxergam na tela e isso forma um ecossistema de operação audiovisual", disse.
Uma das principais dificuldades encontradas na gestão de salas públicas de cinema, vale destacar, é a mudança de gestões e governos a cada quatro anos. Daniela Marinho, produtora executiva na gestão do Cine Brasília, destacou a importância de se dar continuidade nas políticas implementadas para os espaços, e também falou sobre a importância de reunir o maior números de dados e informações sobre os espaços para que melhorias possam ser implementadas.
"Os dados fomentam as políticas públicas e apontam novos caminhos. Minerar dados e extrair informações ajudam a criar estratégias que ajudam a fidelizar o público. Nosso papel também é construir uma adesão do público por meio de espaços de muita escuta e escuta ativa", afirmou Daniela.
Uma outra sala pública bastante conhecida no Brasil, mas com uma gestão um pouco diferente, por estar inserida dentro de uma universidade, é o Cine Arte UFF, da Universidade Federal Fluminense, em Niterói. Uma peculiaridade do espaço é integrar a programação da sala de cinema com a formação dos alunos - e também a formação do público. Nesse contexto, uma estratégia usada - e bastante citada durante toda a MAX 2025 - é a programação criativa.
"A programação criativa se torna um pouco mais difícil pelas burocracias da universidade. Além de uma função comercial, fomos nos adaptando e mudando a estrutura de programação, passando muitos filmes que não são exibidos todos os dias, e fazendo uma grade como uma espécie de mosaico para tentar absorver a maior quantidade de filmes e dar mais oportunidades para o público da cidade, e também o universitário receber essas produções. Também trabalhamos muito com sessões especiais para fazer uma renovação e incentivar a formação de público”, disse Lívia Cabrera, chefe da divisão de cinema do Cine Arte UFF.
O FUTURO DA EXIBIÇÃO NO BRASIL E O PAPEL DOS FESTIVAIS
O futuro da exibição no Brasil passa, sem dúvidas, por uma maior integração do setor com produção, distribuição e também festivais. Um ponto de convergência do ecossistema do audiovisual é que hoje o Brasil produz um número recorde de filmes, mas o parque exibidor não tem capacidade de dar vazão para todas as produções. Não é a solução, mas nesse contexto os festivais se colocam como uma importante primeira janela de exibição, sobretudo para o chamado cinema autoral.
Júlia Alves, fundadora da produtora Quarta-Feira Filmes, apontou que há uma desorganização na forma como o Fundo Setorial do Audiovisual opera hoje, em que muitos recursos são concentrados apenas para a produção e, mais do que isso, ainda mais concentrados nas produções de obras específicas. Produtores trabalham em uma obra já pensando no próximo projeto, que terá que ser aprovado, enquanto distribuição e exibição se tornam "gargalos". Além disso, a profissional também questionou as métricas utilizadas para medir o sucesso ou não de um filme, baseados apenas na bilheteria total, desconsiderando custos de produção e outros fatores.
"Penso no contexto artístico antes do comercial porque esse é o mercado que estou. Aprendi que nesse mercado de festivais e filmes autorais os números são muito menores, mas também estão ali e muitas vezes tenho pensado quais são as métricas do público. Bilheteria e borderô são métricas importantes e precisam existir, mas quais outras métricas podem existir para esses filmes autorais? Muitas vezes a receita é quatro vezes maior do que o orçamento", questionou Júlia.
Paula Gomes, co-fundadora da Olhar Distribuição, afirmou que diversas distribuidoras estão "cansadas" de negarem filmes pelo fato de não existirem distribuidoras suficientes para dar vazão à grande quantidade de filmes produzidos no Brasil anualmente. Apesar de grandes sucessos de público como O Auto da Compadecida 2 (H2O Films), Ainda Estou Aqui (Sony) e, mais recentemente, O Agente Secreto (Vitrine Filmes), entre outros, é importante destacar que hoje 85% dos filmes brasileiros não chegam a 10 mil espectadores, enquanto 50% não chegam a mil pagantes.
"Precisamos nos juntar e exigir que a Ancine pesquise e mostre exatamente quem é o consumidor de determinados locais para nos ajudar a tomar decisões. Uma coleta de informações mais qualificada é necessária e tem que ser feita pelo poder público, até para subsidiar tomadas de decisões nossas, e do próprio poder público", disse Paula.
A executiva também apontou que é importante que a distribuição participe e faça parte desde o início e concepção das obras, para que aconteça um desenvolvimento mais focado no público. Além disso, destacou que as políticas públicas também devem ser revistas, porque hoje são desenhadas em torno da produção, mas não existe um olhar para a cadeia audiovisual como um todo.
"Precisamos criar um sistema para dar vazão aos filmes brasileiros. A janela de um festival é importante para dar visibilidade, mídia, formação de público e diálogo com a crítica, então estar nesse espaço valoriza a obra como um todo. A briga para entrar em um festival internacional muitas vezes não é pelo prêmio, é porque o filme vai ter um licenciamento melhor, acesso a mídia espontânea e isso aumenta as chances de ser programada em mais salas", completou Paula.
Dentro dessa possibilidade de festivais como uma primeira janela de exibição, vale destacar que esse tipo de evento já tem quase 100 anos. O Festival de Veneza, por exemplo, realizou sua primeira edição em 1932. Isso faz com que os festivais estejam intrinsecamente ligados à estrutura do cinema e do audiovisual como um todo, tendo a capacidade de unir todos os elos da cadeia do setor. Participam de festivais realizadores, produtores, exibidores, distribuidoras, crítica especializada, imprensa, público geral e até mesmo futuros realizadores, cumprindo ainda um importante papel de formação.
Hoje existem mais de 7 mil festivais de cinema no mundo e, apenas no Brasil, são cerca de 300 festivais. Eduardo Valente, delegado brasileiro no Festival de Berlim e diretor artístico no Festival de Brasília, afirmou que a grande questão a ser resolvida é encontrar uma maneira dos festivais trabalharem em conjunto com as salas de cinema para que a ida ao cinema se torne um evento, assim como acontece em festivais de música e festivais literários, por exemplo.
"Os festivais operam para fazer o cinema chegar em lugares que sequer tem cinemas. Depois da pandemia, os festivais se tornaram cada vez mais essenciais para o público ter a sensação de que ir ao cinema é um evento. Teatro e shows são vistos como eventos, mas o cinema não. Temos que tornar isso um evento e manter a sala cheia só com a exibição comercial não basta", disse Valente.
Cláudio Marques, responsável pelo Cine Glauber Rocha em Salvador e secretário da AExib (Associação dos Exibidores Brasileiros de Cinema de Pequeno e Médio Porte), voltou a apontar uma desorganização na forma como o FSA é gerido, e afirmou que o dinheiro destinado ao audiovisual no Brasil é muito mal gasto.
"Nosso maior desafio é conquistar o mercado interno. Gastamos muito na produção, mas não temos em mente quais filmes serão para festivais, quais filmes são autorais, e quais filmes vão ocupar o mercado. Produzimos muitos filmes por ano, mas a maioria não entra em festivais. Por outro lado, as salas de cinema exibem essa grande quantidade de filmes, principalmente em cidades do interior, e essas salas pequenas estão vazias. Hoje o cinema brasileiro é pensado em uma lógica que dá prejuízo e não existe uma única política pública para a exibição", destacou.
Um número que evidencia esse desequilíbrio no ecossistema do audiovisual é a taxa de ocupação das salas de cinema que exibem filmes brasileiros. No primeiro trimestre de 2025, por exemplo, essa taxa foi de apenas 28%. Lúcio Otoni, presidente da FENEEC (Federação Nacional das Empresas Exibidoras Cinematográficas), voltou a afirmar que existe um gargalo na difusão dos filmes brasileiros que são produzidos, e que diante desse cenário não há condições de competir com as produções de Hollywood.
"Os festivais fazem a formação de público de uma forma muito bacana porque não pensam na venda direta de ingressos para retroalimentar o ecossistema da indústria como um todo. É necessário pegar recursos do FSA para fomentar a formação de público. Podemos e devemos pegar o recurso para levar pessoas às salas, porque cinema é hábito e, quando forem, vão voltar. Precisamos investir na promoção e difusão", afirmou.
POLÍTICAS PÚBLICAS PARA A EXIBIÇÃO
Grande parte dos recursos públicos destinados ao audiovisual brasileiro são voltados à produção, fazendo com que o mercado não pense em uma estratégia apropriada de divulgação, distribuição e exibição. O resultado disso é que filmes brasileiros encontram cada vez mais dificuldade em alcançar seu público, tornando cada vez mais evidente a necessidade da criação de políticas públicas para o desenvolvimento e sustentabilidade da exibição.
Cláudio Marques, inclusive, citou o exemplo da França, que devido a políticas públicas mais desenvolvidas conseguiu um market share de 44% para suas produções no ano de 2024, superando até mesmo as produções de Hollywood.
"A palavra-chave do cinema francês é ‘solidariedade’ entre os setores. Não se pode pensar apenas na produção sem pensar como, e em quem vai ver os filmes. A imensa maioria dos filmes brasileiros não tem esse pensamento, e recebem o dinheiro, produzem o filme, e na hora de entrar no circuito comercial, que é uma obrigação do FSA, não se construiu nada pensando nisso e excelentes filmes não encontram seu público. É necessário que haja uma reforma do todo, não podemos falar de políticas públicas apenas para a exibição", disse.
O responsável pelo Cine Glauber Rocha defende que seria interessante complexos que exibissem filmes brasileiros para além da Cota de Tela recebessem um valor proporcional ao que foi exibido, além da obrigação para ser revertido na manutenção das salas de cinema, pois o parque exibidor brasileiro está sucateado hoje. Esse modelo de recompensa, inclusive, é utilizado na França.
O fato é que hoje o audiovisual brasileiro dispõe de recursos, mas não tem estratégias. "Fico feliz que estamos começando a construir algo melhor para a exibição e as políticas públicas precisam se integrar à exibição. A exibição precisa ser inserida nisso", destacou Jack Silva, presidente da AExib.
Marcelo Lima, CEO da Tonks, conglomerado que detém a Expocine e o Cine Marquise, afirmou que nunca houve uma abundância de recursos tão grande para o audiovisual brasileiro, mas voltou a bater na tecla da desorganização para a gestão desses recursos. Para o executivo, a falta de foco em relação aos recursos acaba criando um descompasso muito grande entre produção, distribuição e exibição. Lima ainda destacou que, diante de uma crise do cinema na América do Norte, o Brasil tem uma oportunidade única de implementar seu conteúdo nos cinemas com produtos de qualidade.
"Falta conteúdo de qualidade porque ainda somos viciados no cinema norte-americano, então faltam produtos na prateleira. Antes existiam 20 potenciais blockbusters por ano, e hoje temos de três a cinco por ano. Isso cria uma realidade, por um vício nesses blockbusters, que os resultados não chegam. O mercado brasileiro está cada vez mais pujante e há uma oportunidade de não depender do cinema norte-americano e ficar na expectativa de blockbusters", refletiu Marcelo.
A má distribuição de recursos do FSA evidentemente é consenso entre exibidores, e o resultado é não ter escoamento para obras produzidas. O cálculo é simples: se todos os recursos são destinados para produção, haverá uma abundância de novos filmes, mas que não conseguirão espaço de exibição exatamente pela falta de recursos para os outros elos do ecossistema audiovisual.
"Hoje produzimos a mesma quantidade de longas que os Estados Unidos, tendo muito menos salas, então não temos como escoar isso. A primeira coisa que tem que ser feita é rever a distribuição das políticas públicas de forma urgente. Não temos representantes da indústria no Parlamento e isso deixa nossa situação ainda mais difícil. Hoje temos milhares de leis municipais e estaduais, uma sobrepondo a outra, e há muitos desafios. Hoje o cinema só pega recursos via empréstimos e precisamos ter mais recursos para tirar as salas de cinema do sucateamento", concluiu Lima.
A EXIBIÇÃO EM CIDADES DO INTERIOR
Outro ponto de destaque na 10ª edição da MAX - Minas Gerais Audiovisual Expo foi a importância das salas de cinema no interior do Brasil, que muitas vezes exercem uma função similar às salas públicas de cinema, para atender uma parcela da população que não tem condições de acesso.
Daniela Fernandes, diretora de Preservação e Difusão Audiovisual da Secretaria do Audiovisual, destacou que apenas 451 cidades brasileiras, em um universo de 5567 municípios, possuem ao menos uma sala de cinema. Essas cidades formam um total de 3509 salas de cinema, que atendem cerca de 90 milhões de brasileiros, algo em torno de 40% da população do país. Outro dado importante é que 88% dessas salas estão localizadas em shoppings, evidenciando a concentração de salas de cinema, e também falta de acesso de grande parte da população, e ressaltando a importância de cinemas em cidades do interior.
Uma das formas de preencher a lacuna, de acordo com Fernandes, foi a retomada do governo no trabalho de formação de público através do cineclubismo. A Secretaria do Audiovisual instalou 500 pontos de exibição em diferentes cidades do país, priorizando cidades do interior que não contam com cinemas, para fazer exibições que atingiram 40 mil espectadores em 2024 em pontos de cultura como bibliotecas, por exemplo.
Cada região, em uma país continental como o Brasil, obviamente possui suas particularidades e especificidades. A cidade de Maricá, no Rio de Janeiro, com aproximadamente 200 mil habitantes, possui um único cinema, o Cine Henfil. É um cinema público, e Ana de Abreu, coordenadora de audiovisual da Secretaria de Cultura e das Utopias da cidade, destacou que a sala de quase 200 lugares, e com sessões gratuitas, busca oferecer algo além do que a grande maioria da população costumeiramente tem acesso.
"A ideia do cinema é dar acesso para a população da cidade a uma produção cultural cinematográfica, equilibrando filmes comerciais e produções de relevância cultural. Muito mais do que um cinema, nós realizamos mostras, ações de formação, e também transformamos o espaço em um ponto de encontro pensando na questão do território. Realizamos sessões regulares, mostras e eventos audiovisuais, cine escola e diversos eventos de formação. O público infanto-juvenil é um grande pilar para trabalharmos a formação de público", explicou.
Abreu ainda pontuou que a diversidade de atividades fez com que o Cine Henfil se tornasse um espaço de convergência de cultura, memória e cidadania audiovisual. Entre as ações para a formação de público, destacam-se as sessões de cine-escola, com a participação de alunos da rede pública de ensino, que podem ter contato com o audiovisual no único cinema da cidade.
Um complexo comercial, mas com a mesma proposta e função social, é o Cine Ritz, na cidade de São Mateus, no Espírito Santo. O Cine Ritz é o único cinema da cidade com pouco mais de 100 mil habitantes, e a sócia Adriana Lugon destacou que, em cidades do interior, os cinemas acabam se tornando o maior ponto de cultura e ações diferentes e, para além das exibições comerciais, se tornam necessárias para aproximar o cinema da população.
"Cinemas de cidades pequenas precisam ter ações diferentes para atender a população que não tem condições de acesso. Somos um cinema comercial, mas como não existem outras salas de cinema na cidade, fazemos a parte do cinema público, porque se não fizermos, deixamos de levar acesso para quem precisa. A sessão-escola nos deixou conhecidos na cidade e acredito que se não começarmos a formação de público nas escolas de forma urgente, poderemos temer o futuro. Tudo no cinema passa pela formação de público, então sou defensora dessa formação através das crianças em projetos junto com as escolas", explicou.
Painéis do "Eixo Exibição" que o Portal Exibidor acompanhou durante a MAX 2025:
- Exibição Criativa: A Potência das Salas de Rua: Daniel Queiroz (Embaúba Filmes); André Sturm (REAG Belas Artes); Marden Machado (Cine Passeio); Leonardo Bonfim (Cinemateca do Capitólio
- Salas Públicas Comerciais: Pedro Severien (Cine São Luiz); Daniela Marinho (Cine Brasília); Luiz Joaquim (Cinema da Fundação Joaquim Nabuco); Lívia Cabrera (Cine Arte UFF)
- O Futuro da Exibição no Brasil: Produção, Distribuição, Festivais: Cláudio Marques (AExib); Lúcio Otoni (FENEEC); Paula Gomes (Olhar Distribuição); Julia Alves (Quarta-Feira Filmes); Eduardo Valente (Festival de Berlim)
- Políticas Públicas Para Exibição, Novos Rumos Para o Cinema Brasileiro: Marcelo Lima (Expocine/Cine Marquise); Jack Silva (AExib), Cláudio Marques (Cine Glauber Rocha)
- A Exibição nos Interiores do Brasil: Daniela Fernandes (MinC); Adriana Lugon (Cine Ritz); Ana de Abreu (Cine Henfil)