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14 Novembro 2025 | Yuri Codogno

Salvador obriga cinemas locais a iniciar filmes nos horários programados, ignorando exibição de trailers, comerciais e até mesmo das medidas de segurança

Portal Exibidor conversou com ABRAPLEX, Aexib e FENEEC sobre a situação

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(Foto: Divulgação)

Na última semana, Bruno Reis, prefeito de Salvador (BA), sancionou uma lei que obriga as salas de cinema locais a iniciarem a exibição dos filmes no horário anunciado na programação. A medida, criticada por entidades que representam os exibidores de todo o Brasil, foi publicada no Diário Oficial do Município no último dia 7 e entrará em vigor após 60 dias da publicação. 



O Portal Exibidor ouviu Jack Silva, presidente da Associação dos Exibidores Brasileiros de Cinema de Pequeno e Médio Porte (Aexib); Lucio Otoni, presidente da Federação Nacional Das Empresas Exibidoras Cinematográficas (FENEEC); e Tiago Mafra, diretor da Associação Brasileira das Empresas Exibidoras Cinematográficas Operadoras de Multiplex (ABRAPLEX).

“É sempre meritória a busca por uma melhor experiência do consumidor, mas a Lei Municipal de Salvador ignora o momento delicado que o setor ainda atravessa. Os dados mostram que o mercado se recompõe lentamente, mas o público em 2025, até outubro, segue 38,3% abaixo de 2019. Nesse cenário, os minutos que antecedem o filme cumprem duas funções importantes: ajudam a sustentar economicamente as salas, que operam com um dos ingressos mais baratos do mundo, e são o momento em que exibimos trailers e avisos de segurança obrigatórios ao público”, ressalta Tiago Mafra.

Segundo o texto, o horário de início da sessão deve corresponder ao momento em que o filme começa a ser exibido. Desta forma, se a programação diz que o filme irá começar às 18h, nesse mesmo horário o filme deve começar a ser rodado. Assim, trailers, comerciais e exibições institucionais precisam ser veiculados anteriormente.

“Essa questão de Salvador é mais uma situação em que são criadas leis sem conhecimento do funcionamento da sala de cinema, e isso está acontecendo com frequência cada vez maior. Uma legislação como essa implica na sustentação econômica. Mas é [necessário] tratar de forma geral, porque todo tempo estamos tendo legislações que não têm muito cabimento”, diz Jack Silva.

Na prática, com a exibição de trailer e outras informações começando antes do horário da programação, a sanção em Salvador pode levar a três situações: prejudicar a formação de público e retroalimentação do cinema, por não ter veiculação adequada dos trailers; rompimento de contratos de publicidade, visto que o público não estará disponível no horário de exibição das propagandas; risco de acidentes, com chances maiores do espectador não assistir as medidas de segurança.

“Me preocupa o excesso de projetos de lei que normalmente não visam formação de plateia, de levar um público novo ao cinema, difundir a cultura e democratização do audiovisual. E o tipo do projeto de lei que vemos sendo apresentado só dificulta ainda mais a operação do exibidor. São legislações que aparentemente podem parecer que beneficiam o consumidor, mas que na prática não beneficia”, alerta Otoni.

Financeiramente, a medida é vista como prejudicial para as salas de cinemas, pois, historicamente, os minutos iniciais da sessão são utilizados para divulgação dos próximos filmes que entrarão em cartaz e também para arrecadação de valores através de comerciais e propagandas, que são fundamentais para manter qualquer complexo cinematográfico com a saúde financeira em dia.  

“Eliminar ou limitar esse intervalo reduz receitas essenciais e compromete procedimentos de comunicação previstos para qualquer espetáculo público. O resultado tende a ser o repasse de custos ao consumidor e o risco de fechar justamente as salas que já enfrentam grande dificuldade para se manter”, completa Mafra.

Em caso de descumprimento, os estabelecimentos estarão sujeitos a sanções administrativas. A primeira infração resultará em advertência escrita e, em caso de reincidência, será aplicada multa de R$ 5 mil, com o cinema podendo ter o alvará de funcionamento suspenso por até 30 dias. A fiscalização e aplicação das penalidades caberão à Coordenadoria de Defesa do Consumidor (Codecon). 

Por fim, os especialistas ressaltam que as medidas legislativas aprovadas nos últimos anos não buscam auxiliar os exibidores onde mais precisam: nas formação de público. “Já que nossos legisladores gostam tanto de atuar na área do audiovisual, procurem e escutem os exibidores para, que de forma conjunta, passamos construir políticas públicas que possam realmente melhorar a experiência do cliente nos cinemas e que tragam mais pessoas para assistir filmes na sala de exibição, sobretudo os brasileiros”, finaliza Otoni.

O que dizem os representantes?

JACK SILVA | Aexib: 

Não é um caso exclusivo. Na realidade, não é a questão do dano que é causado no cinema… temos que trabalhar os filmes que virão, temos um espaço para vender como publicidade, e legislação como essa implica na sustentação econômica. Mas é tratar de forma geral, porque todo tempo estamos tendo legislações que não têm muito cabimento, como a de Macaé (RJ), que simplesmente determina que tenha Libras dentro da sala. A acessibilidade é um recurso que é obrigatório para todo estabelecimento de exibição cinematográfica profissional, por legislação, e se não tiver somos multados com valores altos. É algo que já está resolvido a alguns anos. E uma vereadora de Macaé decide criar uma lei como se já não existisse.

As meias-entradas também, porque simplesmente não existe nenhum tipo de contrapartida da sala de cinema, desde a criação da meia-entrada, de forma federal. Hoje tem estado que tem meia-entrada para médico, tem estado que após o período eleitoral criou meia-entrada para mesário. E qual a questão? Mal temos apoio, ou praticamente nenhum, nas salas de cinemas.

Essa questão de Salvador é mais uma situação em que são criadas leis sem conhecimento do funcionamento da sala de cinema, e isso está acontecendo com frequência cada vez maior. E ainda cabe reforçar que não há diálogo com o setor, são leis que são criadas sem o conhecimento das salas de exibição, e sem diálogo com os exibidores.

LUCIO OTONI | FENEEC

Me preocupa - e enxergo em toda legislação federal, estadual e municipal - o excesso de projetos de lei que normalmente não visam formação de plateia, levar um público novo ao cinema, difundir a cultura e democratização do audiovisual. E normalmente o tipo do projeto de lei que vemos sendo apresentado só dificulta ainda mais a operação do exibidor. 

São legislações que aparentemente podem parecer que beneficiam o consumidor, mas que na prática não beneficia o consumidor. Nós precisamos mesmo, já que nossos legisladores gostam tanto de atuar na área do audiovisual, é que procurem e escutem os exibidores para, que de forma conjunta, passamos construir políticas públicas que possam realmente melhorar a experiência do cliente nos cinemas e que tragam mais pessoas para assistir filmes na sala de exibição, sobretudo os brasileiros. 

TIAGO MAFRA | ABRAPLEX

É sempre meritória a busca por uma melhor experiência do consumidor, mas a Lei Municipal de Salvador ignora o momento delicado que o setor ainda atravessa. Os dados mostram que o mercado se recompõe lentamente, mas o público em 2025, até outubro, segue 38,3% abaixo de 2019. Nesse cenário, os minutos que antecedem o filme cumprem duas funções importantes: ajudam a sustentar economicamente as salas, que operam com um dos ingressos mais baratos do mundo, e são o momento em que exibimos trailers e avisos de segurança obrigatórios ao público.

Eliminar ou limitar esse intervalo reduz receitas essenciais e compromete procedimentos de comunicação previstos para qualquer espetáculo público. O resultado tende a ser o repasse de custos ao consumidor e o risco de fechar justamente as salas que já enfrentam grande dificuldade para se manter.

Mesmo assim, o setor tem feito sua parte: chegamos ao número recorde de 3.532 salas em 2025. Mas ainda há muito a avançar, já que 40% da população brasileira vive em cidades sem cinema. Medidas que restringem receita não ampliam acesso, ao contrário, podem inviabilizar operações existentes e impedir novas aberturas.

O que precisamos é de políticas que atraiam público, ampliem o acesso e fortaleçam a rede de salas, não de regras que criam barreiras num momento tão sensível para o cinema brasileiro.

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